Quando exercia o ministério sacerdotal, fui chamado no meio da noite para administrar o sacramento da Reconciliação a uma pessoa que se encontrava muito enferma. Segundo a agente de saúde, se tratava de um antigo sindicalista que trabalhou muitos anos na indústria têxtil em Contagem. Apesar do avanço da doença, o pobre homem ainda estava lúcido e ao sentir a minha presença, começou a falar sobre sua militância e a falta de fé que o acompanhou a vida toda. Para ele as rezas eram para as mulheres e sua esposa enquanto estava viva, rezava para os dois. Não era um homem sem formação, tinha um conhecimento extraordinário e uma visão de mundo interessante. Falei-lhe da misericórdia de Deus e ele perguntou: o que faço para conseguir esta misericórdia? Eu disse: um fator decisivo para a obtenção da misericórdia Divina é a confiança.
Perguntei se ele queria se confessar e ele respondeu com outra pergunta: Padre o que é ser católico? Fiquei comovido diante das dúvidas e do medo daquele homem de partir sem conhecer verdadeiramente a Deus. Olhei-o nos olhos e disse: ser católico é ter a consciência da necessidade de transmissão de uma herança cultural muito antiga que está consignada a uma ética e uma estética muito próprias. Em termos éticos, assenta sobretudo na transmissão dos valores do cristianismo, algo que penso estar assegurado, embora, por vezes, se pudesse fazer mais com certeza faria. Do ponto de vista estético temos a beleza das igrejas, das liturgias das celebrações este é um património que não só faz sonhar como é uma viagem no tempo. A credibilidade desta fé passa pela solidariedade, pela opção pelos mais pobres, [pelas] intervenções em contexto de guerra e de extrema pobreza e na luta pelos direitos humanos onde eles são desrespeitados.
Mas, para ser católico, é preciso antes de tudo ser sensível à questão das injustiças socias, às desigualdades gritantes, crítico das relações internacionais que assentam sobre interesses e não sobre os direitos das pessoas.
É essencial que lutemos contra as estruturas das raízes da pobreza. No entanto, faz parte da fé cristã valorizar os pobres como pessoas e revelar a presença divina nelas. A Igreja deve se revelar próxima e solidária a todas as vítimas da pobreza injusta. Trata-se de uma presença que favoreça e apoie o protagonismo das comunidades e organizações nas quais os pobres lutam por seus direitos e pelo reconhecimento de sua dignidade humana.
Atualmente, quanto mais a sociedade vive em crise social e econômica, mais os ricos aumentam os seus lucros. Geram-se novas escravidões. Cada vez mais, aumenta o número de pessoas que sobrevivem nos lixões da sociedade. Por todo o mundo se multiplicam as vítimas do tráfico e das drogas.
Depois de tudo que eu falei, ele me olhou e disse: minha vida foi tudo isto que o senhor falou. Então Deus estava lá o tempo todo e eu não conseguia enxergar. Me pediu a absolvição e recebeu a comunhão. Me despedir daquele homem com a promessa que retornaria no final de semana. Na manhã seguinte, a agente da pastoral esteve na casa que eu estava hospedado em Belo Horizonte e me falou que ele partiu naquela mesma noite.