segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

ARTIGO - Um manual do poder. (Padre Carlos)

 



Um manual do poder.




Que o sistema político brasileiro está fragmentado é uma evidência. Diante disto, compete ao analista político buscar soluções para que este impasse e rachaduras no nosso sistema sejam superados. Se confirmar os indicativos das ultimas pesquisas, o novo governo precisará de um arco de aliança bem maior que o campo da esquerda e dos seus aliados do centro. Digo isto, porque neste momento alguns dirigentes dentro e fora do PT torcem o nariz para as alianças que vem sendo costurados ao longo desta pré-campanha. Este governo se quiser fazer algo extraordinário, terá que compor com a direita e com lideranças que tenham capacidade de acalmar não só o mercado, mas os setores organizados da nossa sociedade. Assim, sabendo que os partidos de esquerda não conseguem sozinhos uma maioria estável para garantir a governabilidade, obriga o candidato deste campo a buscar uma aliança com o centro e a direita liberal para compor o futuro governo. E quanto mais se fala no meio político em soluções de governo e entendimentos de poder, mais vale a pena procurar acordos e alianças que deram certo.

Um exemplo que gostaria de colocar em evidência é o do governo alemão. A Alemanha, que durante algumas décadas vinha convivendo com o problema da fragmentação do seu sistema político, conhecem muito bem os erros e acertos de certas coligações — até porque o seu modelo foi pensado para enfrentar este problema. Mesmo assim, o acordo que conseguiram fazer no novo Governo juntou três partidos numa coligação que alguns anos atrás seriam impensável: sociais-democratas, verdes e liberais conseguiram fazer um detalhado programa de governo que tem como função uma carta de intenções. É justamente isto que justifica o trabalho que o ex-presidente Lula vem empreendendo no meio político, ele olha para diversas formas de governo na Europa e na América Latina, buscando construir uma aliança que possa resultar em um grande pacto para resolver os problemas econômicos sociais e político que vem se apresentando.

Começando pelo contexto político de fragmentação do sistema, interessa explicar as suas razões. E aqui importa afirmar como professor de filosofia política, que o que aconteceu no Brasil foi à introdução de novos temas que, de alguma maneira, não tem nada haver com os conflitos esquerda/direita tradicional deste período de redemocratização. Quando olhamos para os novos partidos políticos, o que vemos é a manifestação dessa nova abordagem política: Partidos das Mulheres dirigidos por homens, verdes liberais e bolsonaristas, partidos de caráter fascistas… todos têm posições que não encaixam de forma simples no conflito económico esquerda-direita. Há uma direita radical no Brasil que defendem políticas redistributivas e classista e há uma esquerda que é mais social democrata que vermelha que tem posições muito próximas aos partidos de centro e que muitas vezes acaba por ser mais sensível a questões de mercado que a própria direita. Não queremos que Lula e seus futuros ministros deem um cavalo de pau na economia, mas as promessas que estão sendo feitas e a expectativas que vem alimentando esta campanha precisam ser avaliadas, se os responsáveis que falam em nome do futuro governo não tiverem cuidado, transformaremos estes problemas estruturais em um conflito de grandes proporções.

Como analista, reconheço as mesmas tensões em vários sistemas políticos. Com mais partidos na base aliada, há mais hipóteses de representação adequada dos eleitores e a combinação de valores e prioridades adequa-se melhor a cada momento. Ainda assim, as coligações não são necessariamente a única opção. O que se procura é uma maioria absoluta pluripartidária, mas isso não exclui coligações ou mesmo governos minoritários. Há duas maneiras de governar com minoria: uma coisa é ter um governo minoritário, eu sei que nunca tivemos devido a cultura do toma lá,  esta experiência vivida em outros países, procura um apoio para cada medida, à chamada geometria variável; a outra solução é o chamado executivo de contrato, em que os partidos chegam a acordo junto com o governo para dividirem as pautas e um pacto no que é possível avançar ou não na administração pública, mas sem coligação. Isso funcionou em vários países da Europa: permite que partidos sem apoio de uma maioria possam governar e permite que os partidos que apoiam essa solução não precisem entrar no Governo. Aí está outra lição que retiramos da Alemanha: o pragmatismo face ao exercício do poder e à capacidade de alterar a realidade.

Porque fizemos esta comparação, do caso alemão: um sistema político dividido entre dois grandes partidos tradicionais, que se começou a fragmentar anos antes do nosso (PT e PSDB), e que tem soluções de governabilidade as coligação. Quando as eleições que definiram o sucessor de Angela Merkel terminaram com uma diferença de apenas 1,6% entre os dois maiores partidos, foi necessário recorrer à imaginação e ao pragmatismo para evitar soluções como no Brasil com Aécio e a direita golpista, onde a negação do jogo democrático foi evidente e contou com a ajuda da elite brasileira. O exemplo alemão é interessante a vários níveis: pela capacidade de negociação e pragmatismo revelado pelos vários partidos, pela recusa da inclusão da extrema-direita nas esferas de poder, pela tradição em manter coligações estáveis que duram mandatos inteiros e pelo respeito nas esferas de intervenção das várias forças políticas.

 


sábado, 26 de fevereiro de 2022

ARTIGO - Combater a pobreza: compaixão ou com paixão? (Padre Carlos)

 


Combater a pobreza: compaixão ou com paixão?

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Quando fiz a opção preferencial pelos pobres dentro da minha vocação sacerdotal, tinha a certeza que a pobreza era fruto do pecado e a grande responsável pela violação dos direitos humanos. Este foi o lema inspirador do meu ministério e por isto dediquei minha vida e minha militância política na luta pelo Combate à Pobreza e Exclusão Social.

Aceitar esta situação de pobreza em que passa milhões de brasileiros como se fosse algo normal ou numa atitude de passividade, estaria negando minha fé e o Deus libertador que professo. Ter compaixão por estes irmãos e lutar com paixão para mudar esta realidade passou a ser a minha vocação. Digo isto, porque a pobreza e a extrema pobreza continuam, ano após ano, a ser uma grande ferida que não cicatriza na sociedade brasileira. Segundo os dados mais recentes do IBGE, nosso país tinha 13,5 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, de acordo com critérios do Banco Mundial. Somadas aos que estão na linha da pobreza, chegam a 25% da população do país. O que eu quero dizer é que abdicar da luta dos ideais de justiça social que fazem da nossa democracia o nosso ideal, seria negar tudo o que minha geração combateu.

Por isso precisamos sentir compaixão por esta gente e entender que não se combate a pobreza com caridade e sim com justiça e esta é uma luta para ser travada com paixão. Combater a pobreza é nesse sentido uma tarefa de cada dia, mobilizando todas as energias de que pudermos dispor e percebendo que se o não fizermos é cada um de nós que fica mais pobre a cada dia.

Chega de nos escondermos no conforto da ideia de que individualmente não podemos fazer quase nada. A imensidão desta tarefa, e a urgência de enfrenta-la, deixa claro que não podemos dispensar ninguém.

Nenhum de nós pode ficar de fora. Cabe-nos acender e manter viva a esperança em quem já não acredita. Precisamos fazer tudo por aqueles que diante da fome e da pobreza não encontra motivos para olhar de frente para a vida e se projetar no futuro.

Em cada homem, em cada mulher, em cada criança que eu via esmagado os seus direitos mais básico de cidadania, eu encontrava força e a determinação para continuar militando e lutando pela minha gente. Foi assim que eu me entreguei com paixão a esta causa. O respeito pela dignidade da pessoa e pelos direitos humanos é a única forma de respeitarmos a nossa fé e a própria condição humana.


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

ARTIGO - “Os cães e os gatos ocupam o lugar dos filhos. Esta negação da paternidade tira a humanidade”. (Padre Carlos)

 


“Os cães e os gatos ocupam o lugar dos filhos. Esta negação da paternidade tira a humanidade”.



Já faz algum tempo que quero escrever sobre este assunto, mas o que motivou a colocar no papel meu ponto de vista foi à mensagem do Papa Francisco aos católicos sobre este fenômeno. Perante dezenas de pessoas reunidas na Sala Paulo VI do Vaticano durante a audiência geral, o Papa refletiu sobre a figura de São José e a paternidade. Para o Pontífice, os cães e os gatos estão de certa forma, ocupando o lugar que deveriam ser ocupados pelos filhos. “Esta negação da paternidade tira a nossa humanidade”, disse Francisco.

Quando levanto estas questões é para lembrar que os bichinhos de estimação nunca foram tão acolhidos, mimados, enfeitados, bem cuidados e desejados no Brasil quanto agora. Não faz muito tempo que o IBGE divulgou uma pesquisa revelando que, no Brasil, o número de famílias que criam cachorros e gatos já é maior do que o de famílias que têm crianças. As causas demográficas e econômicas mostram que este fenômeno, similar ao de países ricos, vai se acentuando também nos países em desenvolvimento e terminam ocupando um espaço deixado pela falta de filhos e companheiro.

O Papa Francisco aproveitou a oportunidade para pedir aos casais mais filhos e às autoridades que facilitem procedimentos para adopção. O Papa Francisco pediu ainda às autoridades que simplifiquem os procedimentos e exortou os casais a terem mais filhos, numa mensagem durante uma audiência geral no Vaticano. “Desejo que as instituições estejam sempre dispostas a ajudar, observando com seriedade, mas também simplificando os procedimentos necessários para que se realize o sonho de tantas crianças que precisam de uma família e de tantos casais que querem dar amor”.

O Papa disse também que “ter um filho é sempre um risco, mas não o ter é ainda mais”, sublinhado que a civilização hoje “é um pouco órfã”. Francisco colocou para os presentes que a adopção “não é uma relação sem importância” e que esta escolha (adoção) “está entre as formas mais elevadas de amor e paternidade”. “Não se deve ter medo de escolher o caminho da adopção, de assumir o ‘risco’ do acolhimento. Espero que as instituições estejam sempre dispostas a ajudar nesse sentido, monitorizando seriamente, mas também simplificando o procedimento necessário para que seja feito. Realizar o sonho de tantas crianças que precisam de uma família”, disse.

Os cães e os gatos não podem ocupar o lugar dos nossos filhos. Esta negação da paternidade tira um pouco a nossa humanidade e nos afasta de um compromisso maior com os irmãos.

 


ARTIGO - Estão dando o governo para ACM Neto. (Padre Carlos)

 


Estão dando o governo para ACM Neto.

 




Nunca pensei que depois de mais de quarenta anos fazendo política, pudesse vê um partido de joelho diante de suas lideranças e entregando para oposição um governo que em 16 anos revolucionou a Bahia. Quando falo isto, me refiro a omissão do seu diretório e a falta de vontade política das suas lideranças. O PT não quer mais governar, isto é um fato diante das posições que vem tomando nos últimos dias, assim só resta compor uma chapa sem perspectiva de vitória e entregar de mão beijada para oposição e a ACM Neto o governo do estado.

 Mas porque estou falando isto? Um dos fatos que chamou minha atenção nesta manhã foi à pesquisa da Real Time Big Data divulgada nesta quarta-feira (23), ela mostra o quanto à posição dos lideres petista está equivocada. Os últimos acontecimentos políticos mostram que a disputa pelo Governo do Estado e pelos demais cargos em disputa já começou, com os grupos políticos em constante movimento. Na situação, em especial no PT de Wagner e Rui, os fatos revelam a necessidade de mais capilaridade para ser competitiva e também as dificuldades típicas da política baiana para formar um grupo coeso e significativo. 

 

         Diante de uma nova composição na chapa governista, o instituto de pesquisa resolveu fazer uma consulta mostrando dois cenários, em que os nomes dos candidatos são apresentados. O fato mais surpreendente foi quando ao apresentar o senador Jaques Wagner à vantagem da oposição não seria tão grande e com a força da militância e do Presidente Lula poderia ser revertida. Desta forma, quando o senador aparece como candidato a governador, ACM Neto aparece com 45% das intenções de votos, contra 30% do petista. Uma diferença de 15 pontos em um cenário onde não começou a campanha e Lula ainda não foi acionada para vincular a imagem das mudanças.

Quando o candidato da situação é o senador Otto Alencar (PSD), ACM Neto dispara para 48% de preferência e com tendência na margem de erro de ganhar no primeiro turno, contra 17% do presidente estadual do PSD. O início do ano eleitoral começa a mostrar ao governador e seu grupo no Estado a necessidade de contornar contradições para agregar partidos, parlamentares e prefeitos em nome de uma candidatura competitiva e isto só acontecerá se o galego tiver o mesmo olhar de falcão que tinha em 2006. Outra questão bastante delicada é a divisão dentro e fora do seu partido, não basta disputar a eleição com o PSD é preciso ter um candidato competitivo e ganhar.

Avaliando o espectro político, as dificuldades estão claras e demandam habilidades políticas para serem superadas. A primeira é em relação ao arco de alianças para o pleito e a falta de vagas na chapa majoritária. Há a necessidade de a pré-candidatura de Wagner (PT) pela facilidade da sua liderança e carisma, formatar o apoio das legendas, uma dificuldade que o grupo ao centro direita encontraria com certeza.

Quando uma espada em forma de caneta paira sobre as cabeças de muitas lideranças e dirigente partidário o silêncio ensurdecedor da Executiva, do Diretório, dos dep. federais e estaduais me fizeram lembrar uma frase: O que é melhor morrer em pé ou viver de joelhos?

 Faço esta pergunta porque ela tem um profundo significado revolucionário, que exige insubordinação, insurreição e luta baseadas em ideais de justiça e igualdade. Nesse sentido, invoca certo senso de heroísmo, de sacrifício na batalha, em vez de submissão e conformidade com um sistema cartorial.

 


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

ARTIGO - Kassab expõe as vísceras de um projeto de caráter pessoal (Padre Carlos)

 


Kassab expõe as vísceras de um projeto de caráter pessoal 

 

 


Quando tomei conhecimento sobre as divergências entre o governador Rui Costa com seu partido e o PSD do senador Otto, em relação formação da chapa majoritário me veio à mente a celebre frase do filósofo Nicolau Maquiavel “Dê poder a um homem, e verás quem ele é!”. Acredito que este texto, passou a guiar nos últimos dias o atual momento da política baiana. Apesar do sucesso almejado pelos governos petistas e seus aliados nestes dezesseis anos na Bahia, concretizados em atos como moralidade, ideologia ou benefícios aos cidadãos, à vaga para o senado parece mais importante que o legado de todos estes ano e segundo a imprensa, para conseguir seu objetivo de se consolidar como candidato ao senado federal, vale o uso de qualquer meio para atingir os resultados desejados, sendo ele senhor do seu próprio destino após eleito ou não.

Ainda seguindo o pensamento de Maquiavel “aqueles que desejam conquistar as graças de um príncipe costumam apresentar-se diante dele com objetos que consideram os mais preciosos ou que pensam poder ser de seu máximo agrado”. Assim, o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab,  confirmou em uma entrevista em rede nacional, a participação e a articulação de Rui com o objetivo do PT abrir mão da candidatura de Wagner em favor da de Otto a fim de viabilizar seu nome ao Senado.  Até então, achávamos que este plano teria partido do ex-presidente Lula, maior interessado no apoio do PSD à sua campanha à Presidência. Mas como podemos observar Maquiavel mais uma vez tem razão.

A ruptura exposta esta semana, onde as duas correntes, a que apoia o senador Wagner para o governo e o núcleo duro do governador, já estariam se estranhando e não sabemos como estes dois grupos se comportarão durante a eleição. Está faltando quem possa dizer para algumas pessoas que a força de um partido não está na sua individualidade e sim na sua coletividade

Como governador, Rui pode muita coisa, mas será que ele pode tudo? Eu só sei que a fala de Kassab expos o caráter pessoal da candidatura de Rui ao Senado e o grau de isolamento do governador dentro do seu partido. Por isto me pergunto: será que ele tem o poder de entregar a vaga da candidatura ao governo que controla há 16 anos ao PSD. Não entendemos esta engenharia política ao ponto de buscar um nome fora do partido.  Sabemos que o governador tem a caneta, mas será que tem ainda o partido, por outro lado, existe um movimento dentro e fora do PT para que tudo se resolva de forma imediata e por mais que tentem colocar Rui como pivô desta história, não sabemos até onde tudo isto é verdade. Será uma articulação maior e estão tentando esconder ou se trata de um projeto pessoal? Até o momento, o PT Bahia tem mantido a candidatura do senador Jaques Wagner ao Governo da Bahia.

Por mais que façam uma cortina de fumaça quem tem razão não é o filosofo e sim o evangelista: “Porque não há nada oculto que não venha a ser revelado, e nada escondido que não venha a ser conhecido e trazido à luz.”


domingo, 20 de fevereiro de 2022

ARTIGO - Homenagem ao amigo Zezéu Ribeiro (Padre Carlos)

 


Homenagem ao amigo Zezéu Ribeiro

 


 

Shakespeare (O mestre maior das paixões humanas) escreveu que “quando alguém morre a sua bondade é também enterrado com ele”, o que não ocorreu com meu amigo Zezéu, pois a sua bondade permaneceu desinteressadamente, sua bondade através de sua humildade, sua capacidade de agregar os amigos, sua coragem como militante e político, ajudou o PT da Bahia a se tornar um partido viável eleitoralmente.

Como resgatar a nossas lembranças como seria uma abordagem junguiana da nossa memória coletiva e histórica, através do retrato de uma geração da qual fizeram parte muitos dos líderes estudantis, de uma juventude forjada no movimento político.

A geração da utopia era constituída por estudantes de uma elite e da classe média que se encontravam nas metrópoles, muitos dos quais vivendo em residências estudantil e apesar da militância não traduzir na verdade um rompimento de classe lutava por democracia e todas as bandeiras que levaram ao fim do regime. Eram jovens promissores que pretendia através da profissão que assumiria fazer a diferença, mesmo fazendo parte da elite local. No entanto, parte desta geração tinha ambições de natureza sociopolíticas completamente diferentes da sua classe e foi este universo coletivo, que incorporado aos novos movimentos operário, passaram a fazer parte de uma nova narrativa para o país. Assim, fizeram dos seus sonhos uma utopia política.

Gostaria de afirmar, que as utopias que nortearam nossas ações são lembranças destes jovens que se despedem do picadeiro da vida. Foi pensando em um destes companheiros que na sexta feira fará sete anos que se despediu desta vida, que resolvi escrever este texto.

 

Como disse Emiliano José: Zezéu era homem de partido, em sentido amplo. Tinha o olhar na história, visão abrangente.” A sua risada e seu jeito de beijar os amigos era uma característica própria que refletia como um espelho a sua bondade, e a ausência de maldade. A sua morte faz lembrar que quando morre um companheiro de luta como este, a esquerda também morre um pouco e como disse o poeta inglês: “a morte de alguém sempre me diminui, pois faço parte da humanidade”.
            Tive oportunidade de conhecer Zéu, Doia e Pola e criar uma amizade com aqueles meninos. Coordenei sua campanha para dep. estadual em 1990 e mesmo na vida sacerdotal, tínhamos o nosso momento quando retornava a Salvador. Meu amigo morreu em 2015, sexta-feira vai fazer sete anos que ele partiu para casa do Pai. Na oração desta manhã, rezei pela sua alma e pedir a Deus força e coragem para dar continuidade as suas lutas.

 

 

José Eduardo  Zezéu Vieira Ribeiro (Salvador21 de novembro de 1949 — São Paulo25 de fevereiro de 2015).

 

 


ARTIGO - Nossa cultura do medo e as eleições (Padre Carlos)

 

Nossa cultura do medo e as eleições

 


 

Não é preciso ser filósofo, psicanalista ou historiador para saber que o “Medo” sempre teve um papel importante na história da humanidade. 

Ao contrário do que se pensa o medo sempre desempenhou um papel fundamental no inconsciente coletivo e diante disso tem sua importância no controle das nossas emoções. Ele sempre foi essencial para a sobrevivência do homem e da evolução da humanidade, pois levou-nos em momentos decisivos a evitar desafios que eram insuperáveis ou mesmo a fugir deles com a certeza e intenção da preservação da nossa espécie.

Mesmo assim, não podemos esquecer que o medo pede proteção, cria dependência, reforça o isolamento, afasta do “outro”, do “diferente”, gera tribalismo e violência, numa palavra afeta a nossa saúde mental, fazendo libertar núcleos psicóticos controlados ou adormecidos.

Foi sempre assim: quantos crimes e horrores se sustentaram no medo paranoico do inexistente como: comunismo, fascismo ou capitalismo, quantas vezes reciprocamente instrumentalizadas para horrores por Estados Totalitários. O que isto demonstra é que quem sabe manipular o medo, quem não tem escrúpulos em fazê-lo, quem acha que vale a pena arriscar, pode condicionar e até dominar os outros.

Diante disso, tenho chegado à conclusão que o medo pode ter sido o elemento determinante na ascensão do extremismo de direita aqui no Brasil, como se demonstrou ao longo da eleição há quatro anos. Em concreto, estou preocupado com a proliferação das condições que este fenômeno se propagou, condicionando e, manipulando nosso consciente ou inconsciente explorando assim o nosso medo, com finalidades condenáveis ou ao menos não saudáveis.

Quando em 2002 o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em sua primeira entrevista depois de confirmada a sua eleição, disse que o Brasil está mudando como país e, "mais importante, a esperança venceu o medo e hoje eu posso dizer para vocês que o Brasil mudou sem medo de ser feliz", ele buscava desconstruir todo o medo que as elites e o mercado financeiro construíram ao longo da campanha.

Os perigos, reais, que podemos ver no bolsonarismo e no lavajatismo tem muito haver com a defesa do estado democrático e para isto, precisamos resistir à propaganda paranoica do medo. Não podemos aceitar uma imprensa que busca a cada dia, injetar pânico atrás de pânico, como se fosse um partido político. 

Hoje entendo as palavras do presidente há vinte anos: “Quero agradecer a alguns companheiros que sem vocês eu não teria sido o "Lulinha paz e amor" dessa campanha".

sábado, 19 de fevereiro de 2022

ARTIGO - O excesso de autoestima pode baixar o nível do bom senso. (Padre Carlos)

 


O excesso de autoestima pode baixar o nível do bom senso.

 




Quando tomei conhecimento através da imprensa que o presidente do Partido dos Trabalhadores da nossa cidade o Sr. Isaac Bonfim, disse em alto e bom som no Centro de Convenções do Multiplace Conquista Sul, onde estava sendo lançada a pré-candidatura da vereadora Márcia Viviane de Araújo Sampaio, que nossos vereadores eram de baixo nível, fiquei preocupado com o peso das palavras e por se tratar de uma autoridade que tem o papel de falar em nome do partido: “Quero cumprimentar os vereadores da Bancada do Partido dos Trabalhadores aqui presentes. O companheiro Valdemir, nosso líder na Oposição, até brincava aqui com Viviane, uma tarefa árdua Valdemir, que você tem. Todos os dias eu imagino como deve tá difícil ali dentro daquela Câmara de Vereadores com um nível tão baixo, que infelizmente a gente tem ali naquela Câmara hoje presente”. Gostaria de saber qual foi à régua que ele usou para medir os representantes municipais com relação ao nível abaixo do normal ou abaixo do esperado.

Como se trata de um militante que tem a responsabilidade de falar em nome do partido ficamos preocupado e gostaríamos de saber se realmente é uma posição do partido ou é uma constatação isolada. É preciso que os parlamentares do PT se posicionem sobre esta fala e venha a publico dizer o que pensam dos seus pares.

Eu acredito que neste momento em que estamos sob ataque do fascismo, precisamos buscar parcerias e não sair com um discurso que somos de auto nível e eles de baixo nível. Já pensou o que os vereadores do PC do B estão pensando, ao falar, o representante partidário generaliza e esquece que farão parte da federação partidária em que outros parlamentares possam não passar pela sua régua?

 

Gostaria de lembrar, que o presidente de partido é um filiado escolhido para representar a sua agremiação em atividades exercidas no território que compõem o seu diretório e acima de tudo, com atribuições de um verdadeiro líder. Desta forma, o presidente deve utilizar a sua autoridade com responsabilidade. As qualidades deste líder partidário devem ser paciência, gentileza, humildade, respeito, altruísmo. Por isto esse líder é escolhido no início de cada mandato do diretório e sua escolha é de forma direta, para que possa contar sempre com a confiança de todos os filiados e da sociedade.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

ARTIGO - Jogaram o barro na parede... será que cola? (Padre Carlos)

 


Jogaram o barro na parede... será que cola?

 






Já diz o ditado: “jogou o barro na parede, se colar, colou”. Essa é uma expressão usada quando alguém tenta algo para conseguir êxito. Foi justamente nessa essência que alguém passou a notícia que em uma articulação para atrair o PSD para o palanque do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda no primeiro turno das eleições presidencial, o PT estaria avaliando abrir mão da candidatura própria na Bahia e assim, entregaria o maior estado governado pelo partido.

No suposto arranjo, o senador Jaques Wagner (PT) abriria mão de sua candidatura para apoiar o também senador Otto Alencar (PSD) para o governo do estado. Apesar do senador Otto, ser conhecido pelo perfil de cumpridor de acordos e ficou ao lado do partido nos momentos mais difícil do antipetismo, não justifica abrir mão do protagonismo da política da Bahia.

Mas o que é ser mesmo protagonista? Ele é o personagem principal de uma narrativa, assim, podemos definir que PT como força hegemonizada da esquerda no nosso estado, é o grande protagonista do projeto político do pós ACM, apesar desta hegemonia ter custado caro para o partido.

            Diante de tais fatos, podemos constatar uma luta dentro das forças que compõem a base política do governo Rui. Apesar do PT, ser a força hegemônica, deste projeto e ter desempenhado este papel de liderança é natural que seus aliados busquem também ocupar tal função no projeto de governo. Mesmo com todo este capital político do PT e de Lula,  seria um erro político abrir mão da candidatura própria na Bahia, estado governado pelo PT há 16 anos. A chapa majoritária jamais poderá servir como moeda de troca para atrair o PSD e Gilberto Kassab, isto não quer dizer que não se possam discutir Minas Gerais, Rio de Janeiro e Sergipe.

Entre aplausos de alguns da base e protesto e decepção de outros, o senador correu logo para desmentir a notícia. Na verdade tem gente dando uma de joão-sem-braço; ora negando... Agora, pelo visto, jogou o barro na parede, na base do se colar, colou.

          

 


domingo, 13 de fevereiro de 2022

ARTIGO - Federação ou embrião de um novo partido? (Padre Carlos)

 


Federação ou embrião de um novo partido?

 

 




 

Muitos partidos têm discutido neste início de ano a importância da Lei Haroldo Lima e seus benefícios na formação de uma cultura onde a ética e a fidelidade aos programas partidários seja levada, mas a sério. Assim, em sua primeira reunião em 2022, a Direção Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), debateu na sua primeira reunião anual o avanço na construção da federação partidária e sua importância.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que criar uma federação com diversos partidos de centro esquerda, não vai ser uma tarefa fácil, mas neste momento de crise precisamos encantar e reencantar a esquerda e o centro esquerda para que novas utopias possam nascer.  Este bloco tem duas opções, desistir de ser protagonista ou ser ousado e encontrar uma nova solução para vencer as crises que se abateram na esquerda em todo o mundo, entre elas a de utopias.

Por isto, tem de ter um mínimo de identidade entre os programas partidários, não basta vontade política se tiver programas muito diferentes. Eu acredito que neste momento em que estamos sob ataque do fascismo, as diferenças em questões conjunturais deveria ser menos importantes que em questões programáticas.

Esta federação para dar certo tem de ter um mínimo de identidade entre os programas partidários. Vejo uma identidade maior entre o PT, PSB e PCdoB, afinal essa proximidade existe, basta ver a atuação no parlamento, não por acaso PSB e o PCdoB se aliam ao PT desde 1989.

O que não podemos é usar a federação de forma errada para resolver problemas de curto prazo. Os partidos se preocuparam muito em se juntar olhando a eleição e não estão pensando em como vão votar em uma reforma da previdência, administrativa, tributária, imposto de grandes fortunas e etc. 

A federação tem que ser pensada em um projeto de médio e longo prazo para que possamos criar um projeto de nação. A junção das siglas é uma boa estratégia para aumentar as bancadas partidárias e ter mais governabilidade. É possível manter coerência porque a federação é o encontro de partidos que devem ter o mesmo programa estatutário e defendem a mesma linha ideológica. 

Para finalizar, gostaria de deixar claro que esta nova formatação na ação partidária não será a solução para acabar com todos os conflitos entre estes partidos. As divergências não vão acabar se a federação existir, temos proximidades e são elas que nos une, mas não somos iguais e nem queremos ser, cada partido tem suas próprias identidades. 

 


ARTIGO - Porque as reformas do Papa Francisco não avançam (Padre Carlos)

 


Porque as reformas do Papa Francisco não avançam

 


Nos últimos dias venho me perguntando por que a reforma que o Papa Francisco deseja tanto não tem avançado? Por que alguns tribunais estão hesitando em colocar em prática estas mudanças? Dois fatores estão claros para mim, um com certeza é por oposição a estas mudanças, já o outro acredito, poderia ser: por ausência de ação; ociosidade; inércia. Se estivesse escrevendo sobre outro tema, diria que era falta de vontade política, daqueles que deveriam implementar. O Papa está bem consciente dessas resistências e tem utilizado todos os meios à sua disposição para desfazer todas estas investidas em relação às mudanças que precisam ser implantadas.

Diante da demora da ação de alguns bispos, foi necessário, criar para as dioceses italianas, uma comissão de "verificação e aplicação" da reforma do processo matrimonial que introduziu em 2015, pelo motu proprio "Mitis Iudex". Com essa reforma pretendia tornar mais próximos, mais rápidos e menos onerosos os processos de declaração de nulidade dos matrimónios católicos.

Quase sete anos após a publicação dessas normas, as quais implicaram inclusive algumas alterações no direito processual canónico da Igreja Católica, percebe-se que as pessoas continuam tendo dificuldades em ter acesso aos tribunais eclesiásticos. O espírito das novas determinações do Papa ainda não foi entendido e integrado por aquele que julga que emite um juízo ou sentença, ou simplesmente, pelos tribunais canônicos. Muitas vezes nem os próprios bispos, os principais responsáveis pela aplicação da justiça nas dioceses, terminam não percebendo o que está acontecendo a sua volta.

Assim como em Roma, aqui no Brasil, existem juízes que, em vez de seguirem as determinações e a inspiração do Papa, procuram ao máximo dificultar a declaração da nulidade dos matrimónios. Parece até que, para afirmar a sua importância e poder, têm prazer em manter as pessoas presos a um matrimónio nulo, os quais se recusam, ou demoram muito tempo, para reconhecer.

Só assim é que se entende que, apesar dos esforços do Papa nos tribunais eclesiásticos italianos, os processos continuem se arrastando durante vários anos, tal como no Brasil, sem chegar a uma sentença de nulidade. Como disse o papa Gregório IX: “justiça retardada é justiça negada". Segundo a determinação do Vaticano, estes processos não podem durar mais de 12 meses e os custos que chegavam a cinco mil reais não mais se aplicam a tramitação nestes tribunais. Será que aqui no Brasil isto está acontecendo?

         O Papa começou pela Itália a verificação da "proximidade, celeridade e gratuidade" que esta sua reforma deve ter. Exige-se, segundo o Papa, "uma conversão das estruturas e das pessoas" para que o espírito da mudança não seja letra morta. "A letra mata, enquanto o Espírito vivifica" (2 Cor. 3, 6)

sábado, 12 de fevereiro de 2022

ARTIGO - A autocrítica de um tucano, segundo Aloysio Nunes. (Padre Carlos)

 


A autocrítica de um tucano, segundo Aloysio Nunes.

 




Nossa esquerda e a social democracia ainda acredita que as democracias são os regimes exclusivos dos democratas. E que os não democratas ou antidemocratas devem ser excluídos! O problema é que os notáveis e os cientistas políticos deste campo não conhecem nenhum meio democrático de fazer. Eu sinto muito dizer, mas não existe outro meio a não ser, através do combate político.

Apesar disso, muitos democratas não tiveram medo de flertar com o bolsonarismo há quatro. Não tiveram medo de ver esta vertente da ultradireita aumentar a sua popularidade e ganhar importância. Enfim, não tiveram medo do fascismo e do populismo. Esta gente não teve receio quando Bolsonaro e seus seguidores utilizam sentimentos comuns de insatisfação perante realidades bem conhecidas. Medo de que estes grupos utilizassem o descontentamento de muitos para dar corpo e voz às suas elucubrações demagógicas.

Foram estes comportamentos da direita democrática e das correntes que se denominam terceira via que fizeram o ex-senador e ex-ministro das Relações Exteriores do Governo Temer, Aloysio Nunes (PSDB-SP), fazer uma autocrítica sobre a postura que o seu partido tomou nos últimos anos, especialmente após as eleições de 2014 onde o antipetismo ficou enraizado no discurso tucano.

Este posicionamento do PSDB quando adotou esta política contra o Partido dos Trabalhadores (PT), segundo o ex-ministro, foi um erro por parte da legenda, já que as duas siglas foram contemporâneas e bebem da mesma fonte da socialdemocracia.

Com a redemocratização, brotaram duas vertentes da socialdemocracia aqui no Brasil: uma mais à esquerda, representada pelo PT, e uma mais direita, cada uma com seu sistema de alianças. Aí chegou Bolsonaro e desestabilizou o centro político e polarizou não só a classe política, mas toda a sociedade. Nesse processo de radicalização, que veio bem antes do impeachment. Esta tomada de posição levou uma parte do eleitorado tucano debandarem das suas fileiras. Este erro foi decisivo para o PSDB perder um componente importante dos seus eleitores, de uma direita civilizada e moderada.

Diante disso, este partido deixou de ser uma referência nacional como era nos tempo de Mário Covas. Na época em que o PSDB teve posições fortes na eleição nacional, com Fernando Henrique, (José) Serra e (Geraldo) Alckmin, o partido era uma referência que se opunha ao PT no campo eleitoral. O PSDB trazia consigo um eleitorado mais liberal e progressista, e também de direita conservador, mas do campo democrático. Isso foi explicitado na chapa FHC-Marco Maciel.

A volta da pobreza e da desigualdade, a desagregação social, a violência generalizada, o desencanto dos jovens com a política e a tolerância com a corrupção, tem muito haver com esta autocritica tucana e com a tomada de decisão que alguns políticos do centro nestes últimos dias. Nesta trajetória de buscar construir elementos que possam nos levar a construção de um projeto de nação, esta tomada de consciência chegou em boa hora.

Esta autocritica me fez lembrar o comportamento de alguns quadros do centro e da esquerda sobre estas adesões que Lula vem recebendo e pensei em uma frase que o Dr. Ulysses gostava de dizer: “Não se pode fazer política com o fígado, conservando rancor e ressentimentos na geladeira”. Mas, porque eu estou citando frases do Dr. Ulysses? Eu lembrei que se não virarmos a página no impeachment, não conseguiremos jamais construir um consenso para reverter estas políticas que tanto mal fizeram ao nosso país.

 

 


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

ARTIGO - “Oh, pedaço de mim. Oh, metade afastada de mim” (Padre Carlos)

 


“A saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi”

 




 

Estes dia estive no Cemitério Parque da Cidade para me despedir de um amigo e conterrâneo. Apesar da idade avançada daquele homem que partia para os braços do Pai, seus filhos e amigos estavam bastante emocionados, confesso aos senhores que aquela despedida me comoveu vendo como a dor da partida dilacerava o coração daquele filho, afinal ele estava se despedindo do seu amigo, do seu mentor do pai querido. Este fato me fez lembrar outro acontecimento parecido. 

Quando era vigário na paróquia São Miguel em Vitória da Conquista, fui procurado por uma senhora de aproximadamente quarenta anos, tinha um olhar distante e sua dor que carregava era visível. Sentou ao meu lado como se quisesse confessar e me disse: “padre, o senhor pode me ouvir?” Olhei aquela pobre mulher e sentir compaixão. Ela foi logo me dizendo: “meu marido morreu! Meu companheiro e amigo confidente partiram! Quando me deram a notícia da morte dele senti que o mundo tinha caído em cima de mim; apesar disso, à medida que o tempo passa, vejo as coisas de outra maneira. Contudo há momentos e dias em que penso que é melhor não levantar da cama; assim é a vida e tenho que enfrentá-la como ela é. Há momentos em que penso que a vida não é justa e zango-me com ela e comigo mesmo. Vejo a face obscura da realidade da vida e pergunto-me: por que comigo? por que agora? E estas perguntas magoam-me…”

As perguntas magoam. Sobretudo quando não temos a quem dirigir a pergunta ou que possa escutar a nossa história. Quando as perguntas magoam estamos de luto, esse é o processo natural e universal diante de uma perda. Perdas às vezes sustentada por medicamentos, tantas vezes silenciadas por frases feitas de pessoas cheias de boas intenções: “sei o que isso é” (não sabes!); “você tem que ter força!” (não tenho!); “pense em outra coisa” (não penso!); “você tem que andar pra frente” (não consigo!); “está no céu” (mas eu estou aqui!). Sim, precisamos viver o luto, ficamos transtornados por dentro. Luto pelos que morrem; luto pelos que, continuam vivos, e mesmo assim, partem da nossa vida; lutos antes do tempo da partida; lutos prolongados e lutos bem ritmados; lutos que viram doenças e lutos que geram oportunidades; lutos que põem em causa a fé e lutos que redobram a confiança em Deus; lutos pela pátria que deixamos e luto pela saúde que perdemos; luto pelo divórcio ou luto por um filho perdido; luto pela traição, pela falta de emprego e de sentido; luto pela imagem perdida ou pelo animal de estimação que morreu; luto pela fé que sentimos ter perdido. No fundo, há sempre um luto a morar em nós. E perder é verbo de difícil conjugação. 

Tem palavra que conserva todo o seu simbolismo e assim como uma metáfora, pode ir além do que o autor queria dizer. A palavra “luto” vem de lugere, que quer dizer “chorar”, e expressa à dor natural pela perda de algo ou de alguém. É a consequência da perda de um vínculo. Manifesta-se em sinais de sofrimento (físico, psíquico, social, espiritual), em comportamentos (vestir...) e, frequentemente, em rituais (ida ao cemitério...). É um processo lento que passa por diferentes fases, muitas vezes fases que vão e voltam. Quando a sua resolução é adaptada, a integração da perda leva à possibilidade de uma nova vida, de novos projetos, de uma vida reconfigurada. Outras vezes, se a perda não é assumida, conduz a doenças físicas, psíquicas, espirituais... Não é garantido que quem cala consente

 É praticamente impossível sobreviver a uma situação de sofrimento se não formos capazes de conseguir contar uma história articulada sobre a mesma, pelo menos a nós próprios. A nossa Arquidiocese junto a Pastoral da Saúde precisa proporcionar um lugar para quem está em ou de luto. Um Centro de Escuta e Acompanhamento Espiritual, um serviço que a Igreja possa oferecer 24h ao dispor de todos. Poderia realizar uma ou duas vezes ao ano retiro espiritual para pessoas em luto. Um lugar que se espera de encontro, de escuta, de fraternidade, de oração, de misericórdia, de perfume e de esperança cristã... no caminho de Emaús! Se estiver em ou de luto, se conhece alguém em luto, seja esperança e dê um “empurrãozinho” para esta experiência. O luto é “terra de missão”. 

 


ARTIGO - A geração que fez a diferença! (Padre Carlos)

A geração que fez a diferença!      Decorridos tantos anos do fim da ditadura, observa-se que a geração da utopia está partindo e a nova...