terça-feira, 31 de março de 2020

ARTIGO - Uma narrativa manipulada sobre a ditadura militar (Padre Carlos)

Uma narrativa manipulada sobre a ditadura militar 

 

 
 

    Em plena crise do coronavírus, o governo de Jair Bolsonaro não deixa de, mais uma vez, tentar reescrever a história do país através de uma narrativa manipulada sobre a ditadura militar. O vice-presidente Hamilton Mourão aproveitou o aniversário do golpe de 1964, neste 31 de março, para exaltar a ditadura que se alastrou no país e que perseguiu, torturou e matou minorias e opositores. 



    Na ótica deste governo, temos que comemorar um regime que tinha como linha mestra o arbítrio, cassação de direitos como habeas corpus, a tortura de homens e mulheres por discordarem de toda aquela barbárie. Não há menor possibilidade de defesa ética, moral e histórica dessa data, que na referência em nível mundial, não nos engrandece; pelo contrário, nos coloca numa página obscura, numa página que temos, na pior das hipóteses, tentá-la esquecer. Mas como esquecer tal agressão? Como comemorar um golpe inconstitucional ao Estado Democrático de Direito? 

                     

    Durante o período foram presas mais de 5 mil pessoas, além de vários casos de civis que sofreram com brutalidade e torturas. Não podemos esquecer que entre os anos de 1964 e 1973, 4.841 pessoas foram punidas com perdas de diretos políticos, cassação de mandatos, aposentadorias e demissões. 513 políticos tiveram seus mandatos cassados, 35 dirigentes sindicais perderam direitos políticos. Sei o que estou falando, porque vivi na pele o período de chumbo, como sei que muitos militares nunca aceitaram a democracia, se o Estado Maior pensa deste jeito é um direito dos militares pensarem dessa forma, mas utilizar o dinheiro público ministerial é inconstitucional. 

    

    Não podemos negar, que este governo, está na contramão da história, o poder público brasileiro constrange a sua cidadania. O que o Vice-presidente tentava homenagear, era um dos regimes mais sangrentos de toda a história do país, uma verdadeira ditadura. Se isto ocorresse na Argentina, país onde a Justiça se incorporou à recuperação das responsabilidades dos crimes cometidos durante a ditadura, uma homenagem como essa seria punida por apologia do terrorismo de Estado. No Brasil, um fato como esse se reduz à mera discussão política. Que uma iniciativa como essa não gere um escândalo imediato mostra o grau de despolitização ou de desconhecimento que ainda impera no conjunto da sociedade brasileira. No Brasil, infelizmente a indignação com tal discurso ficou restrita a certos setores da sociedade civil, e a situação ainda não foi revista. 

    O conhecimento é a chave para a melhor compreensão do cotidiano das ditaduras, suas formas de controle, a ausência de proteção estatal, a conexão regional de segurança nacional, a participação de funcionários públicos e de estruturas estatais (que, em vez de proteger seus cidadãos, por motivações políticas os perseguiram). Essas práticas e experiências estimulam reflexões sobre conceitos como democracia, autoritarismo, liberdade, direitos humanos, justiça, cidadania ou crimes de lesa humanidade. Em síntese, a dimensão política desta luta aprofunda uma percepção cidadã sobre o papel das instituições, dos protagonistas sociais e os limites da tolerância política. Pode-se dizer que tal constatação é o resultado, mais do que a ausência de “políticas de memória”, da aplicação deliberada de “políticas de esquecimento”, ou seja, a proposição de ações de “esquecimento: sonegação de informação e difusão de informações ambíguas”. 

    

    Como foi afirmado antes concluo com a convicção de que a sociedade brasileira - e particularmente a juventude -, não é alienada, omissa ou descomprometida diante do passado imediato. Bem pelo contrário, quando ela se apropria de informação, de forma criteriosa, reflexiva, sedenta por mais informação. A palavra indignação é uma boa medida para expressar o que sentimos com a iniciativa do governo brasileiro. Desta forma, muitos já começam a ter uma dimensão mais realista do que foram aqueles fatos; a legítima indignação que motiva escraches e denúncias de impunidade. A indignação de gerações que foram alvo de uma política de desconexão histórica, tanto a geração que teve seu protagonismo interditado, apagado ou deturpado pela “história e pelo silêncio oficial”, quanto as mais novas, atingidas no seu processo de formação social, cultural e político, pelas ausências e sequelas daquele apagamento. 

    Assim, gostaríamos de afirmar que a pretensão do Vice-presidente de tentar reescrever a história do país através de uma narrativa manipulada sobre a ditadura militar, tem por objetivo mascarar e profanar os cadáveres que este regime produziu. Também, precisa-se reafirmar a intenção do fechamento do espaço para outras memórias e versões históricas. 
Ditadura nunca mais,  

    Padre Carlos 

 
 


sábado, 28 de março de 2020

ARTIGO - DIÁRIO DA QUARENTENA (Padre Carlos)



DIÁRIO DA QUARENTENA 





Ler novamente um bom livro é como um reencontro de amigos, você fica muito feliz. Em tempos de quarentena e isolamento social, por causa da PANDEMIA, a leitura tem sido uma companheira de viagem. São estas releituras que nos permitem descobrir que há livros que podem ser lidos de várias formas, permitindo diversos níveis de interpretação - sem nunca perderem o fascínio que exercem sobre o leitor. É o caso deste romance de Albert Camus sobre uma cidade no norte da África - Orão, na então Argélia francesa - sitiada devido à peste. 
A cidade de Oran, uma possessão francesa na costa da Argélia, norte da África, é atingida pela peste bubônica. De repente, ratos começam a morrer aos montes. Rapidamente, a população da cidade é atingida. Camus fala como é viver numa cidade sitiada pela peste.   
O grande romance de Albert Camus - publicado em 1947 - libertava-se do seu significado literário aos meus olhos de leitor, surgindo como uma assombrosa metáfora de um tempo de trevas e de um espaço submetido ao bacilo mortal do totalitarismo. Camus, ele próprio membro da resistência e jornalista envolvido no combate quotidiano às forças ocupantes, nunca teve dúvidas sobre a missão que deve caber aos intelectuais nas encruzilhadas do mundo contemporâneo: a defesa intransigente da liberdade, sabendo que esta é inseparável da justiça. Nenhum sistema ideológico está autorizado a capturar a liberdade em nome de causas que a sufoquem nem neutralizar a justiça a pretexto de bandeiras que a violentem. 
 A vida imita a ficção, como tantas vezes sucede. Dando ainda mais relevância à lucidez das palavras finais d' A Peste. Se o novo vírus se assemelha em muito à peste bubónica europeia de 1343-53, que matou cerca de 200 milhões de pessoas, creio ser importante tirar proveito do que temos hoje para fazer a diferença no combate a este inimigo.  
Com relação ao outro vírus, Camus sabia que "o bacilo não morre nem desaparece nunca" e que "viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a ‘peste’ acordaria os seus ratos estão vivos, sobreviveram ao pós-guerra e seu discurso é que a  morte está presente numa cidade feliz". Oran, conflagrada pela peste, com o mundo em que vivemos sitiado pelos dois vírus mais perigosos dos dias de hoje: o coronavirus e a ignorância deste governo e seus seguidores. 



quinta-feira, 26 de março de 2020

ARTIGO - O pobre de direita (Padre Carlos)



O pobre de direita 



  Durante algumas décadas de militância política e de alguns anos de formação acadêmica, confesso aos senhores que nunca tinha lido ou tomado conhecimento de uma abordagem tão direta e honesta como esta que o compositor Tim Maia expressou: “Um país onde traficante é viciado, prostituta se apaixona, cafetão tem ciúmes e pobre é de direita não pode mesmo vir a dar certo”. Quem sabe estes não foram os verdadeiros motivos da sociedade brasileira não ter dado certo como projeto político?  
Esse país é uma onda mesmo. Tem pobre que se diz classe média; Tem classe média que se diz rica. Pense numa muvuca desta! Antes do Impeachment da Presidente Dilma, um conceituado jornal do Estado de São Paulo levantou os seguintes dados: Um terço dos brasileiros que pertence à classe alta se considera pobre. E quase a metade daqueles que têm menor poder de consumo e renda (classes C e D) acham que são brasileiros de classe média. Além disso, tinha aumentado o número de pessoas, entre os vários estratos sociais, que acreditavam que estavam num situação financeira mais estável e que tinha melhorado de vida.   
Seria cômico se não fosse trágico. A gente ri chora e se arrepende dos nossos próprios erros. E um dele foi não ter politizado as conquistas sócias. Deixamos o pobre de direita acreditar nas mentiras do Estado mínimo, na meritocracia, no individualismo, na competição etc. provenientes da ideologia liberal que pregava essas mentiras como contraponto do sucesso que foi os governos petistas. Sabíamos que este adestramento pela ideologia liberal se encontrava a anos presentes no inconsciente da população pobre deste país.  
O pobre de direita não tem consciência de classe, assim ele age de maneira condicionada. Age já por reflexo condicionado, como os cães de Pavlov, em relação a todo e qualquer problema complexo histórico e social. Hannah Arendt escreveu em “Origens do Totalitarismo — Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo”: A aliança entre a ralé e o capital está na gênese de toda política imperialista. Essa sua obra deixa explícita a promiscuidade existente entre o que ele chama de ralé se referindo àqueles que são excluídos pela sociedade burguesa/capitalista e o poder. É assim que vejo nosso governo hoje e seus fiéis apoiadores e também com a ralé, segundo Hannah Arendt, que apoia a ambos. Ficam na ilusão que chegarão a algum lugar e/ou serão beneficiados por políticas que só satisfazem às elites.  
O problema é que o pobre de direita não se vê pobre, não sabe que é ralé, não se acredita ralé. Esta massa deixa-se manipular, habilmente iludida e fortemente explorada. O novo componente no cenário político e responsável em grande parte por esta situação são os religiosos, estes que deveriam lutar contra esta estrutura de poder, terminam vendendo suas ovelhas. Parafraseando Jung, acredito que o pobre de direita enquanto não tomar consciência da sua situação de manipulado e explorado, o seu inconsciente permanecerá dirigindo suas vidas e eles chamarão o triste mal que se abaterá sobre eles em destino.  
“ Que Deus tenha misericórdia desta nação”.  

Padre Carlos  

ARTIGO - A geração que fez a diferença! (Padre Carlos)

A geração que fez a diferença!      Decorridos tantos anos do fim da ditadura, observa-se que a geração da utopia está partindo e a nova...