Uma narrativa manipulada sobre a ditadura militar
Em plena crise do coronavírus, o governo de Jair Bolsonaro não deixa de, mais uma vez, tentar reescrever a história do país através de uma narrativa manipulada sobre a ditadura militar. O vice-presidente Hamilton Mourão aproveitou o aniversário do golpe de 1964, neste 31 de março, para exaltar a ditadura que se alastrou no país e que perseguiu, torturou e matou minorias e opositores.
Na ótica deste governo, temos que comemorar um regime que tinha como linha mestra o arbítrio, cassação de direitos como habeas corpus, a tortura de homens e mulheres por discordarem de toda aquela barbárie. Não há menor possibilidade de defesa ética, moral e histórica dessa data, que na referência em nível mundial, não nos engrandece; pelo contrário, nos coloca numa página obscura, numa página que temos, na pior das hipóteses, tentá-la esquecer. Mas como esquecer tal agressão? Como comemorar um golpe inconstitucional ao Estado Democrático de Direito?
Durante o período foram presas mais de 5 mil pessoas, além de vários casos de civis que sofreram com brutalidade e torturas. Não podemos esquecer que entre os anos de 1964 e 1973, 4.841 pessoas foram punidas com perdas de diretos políticos, cassação de mandatos, aposentadorias e demissões. 513 políticos tiveram seus mandatos cassados, 35 dirigentes sindicais perderam direitos políticos. Sei o que estou falando, porque vivi na pele o período de chumbo, como sei que muitos militares nunca aceitaram a democracia, se o Estado Maior pensa deste jeito é um direito dos militares pensarem dessa forma, mas utilizar o dinheiro público ministerial é inconstitucional.
Não podemos negar, que este governo, está na contramão da história, o poder público brasileiro constrange a sua cidadania. O que o Vice-presidente tentava homenagear, era um dos regimes mais sangrentos de toda a história do país, uma verdadeira ditadura. Se isto ocorresse na Argentina, país onde a Justiça se incorporou à recuperação das responsabilidades dos crimes cometidos durante a ditadura, uma homenagem como essa seria punida por apologia do terrorismo de Estado. No Brasil, um fato como esse se reduz à mera discussão política. Que uma iniciativa como essa não gere um escândalo imediato mostra o grau de despolitização ou de desconhecimento que ainda impera no conjunto da sociedade brasileira. No Brasil, infelizmente a indignação com tal discurso ficou restrita a certos setores da sociedade civil, e a situação ainda não foi revista.
O conhecimento é a chave para a melhor compreensão do cotidiano das ditaduras, suas formas de controle, a ausência de proteção estatal, a conexão regional de segurança nacional, a participação de funcionários públicos e de estruturas estatais (que, em vez de proteger seus cidadãos, por motivações políticas os perseguiram). Essas práticas e experiências estimulam reflexões sobre conceitos como democracia, autoritarismo, liberdade, direitos humanos, justiça, cidadania ou crimes de lesa humanidade. Em síntese, a dimensão política desta luta aprofunda uma percepção cidadã sobre o papel das instituições, dos protagonistas sociais e os limites da tolerância política. Pode-se dizer que tal constatação é o resultado, mais do que a ausência de “políticas de memória”, da aplicação deliberada de “políticas de esquecimento”, ou seja, a proposição de ações de “esquecimento: sonegação de informação e difusão de informações ambíguas”.
Como foi afirmado antes concluo com a convicção de que a sociedade brasileira - e particularmente a juventude -, não é alienada, omissa ou descomprometida diante do passado imediato. Bem pelo contrário, quando ela se apropria de informação, de forma criteriosa, reflexiva, sedenta por mais informação. A palavra indignação é uma boa medida para expressar o que sentimos com a iniciativa do governo brasileiro. Desta forma, muitos já começam a ter uma dimensão mais realista do que foram aqueles fatos; a legítima indignação que motiva escraches e denúncias de impunidade. A indignação de gerações que foram alvo de uma política de desconexão histórica, tanto a geração que teve seu protagonismo interditado, apagado ou deturpado pela “história e pelo silêncio oficial”, quanto as mais novas, atingidas no seu processo de formação social, cultural e político, pelas ausências e sequelas daquele apagamento.
Assim, gostaríamos de afirmar que a pretensão do Vice-presidente de tentar reescrever a história do país através de uma narrativa manipulada sobre a ditadura militar, tem por objetivo mascarar e profanar os cadáveres que este regime produziu. Também, precisa-se reafirmar a intenção do fechamento do espaço para outras memórias e versões históricas.
Ditadura nunca mais,
Padre Carlos
Nenhum comentário:
Postar um comentário