Uma variante do
vírus na democracia brasileira
Podemos afirmar com segurança
que o Brasil, 36 anos depois do fim do Regime Militar, está em fase de
consolidação da democracia, alicerçado num Estado coerente e funcional? Muitas
vezes me pergunto quando o Brasil vai acordar e entender que perdeu a
oportunidade que a história lhe presenteara no início deste século. A categoria de “país totalmente democrático”
deixou de existir no nosso imaginário e lamento dizer, a culpa não foi só dos
bolsonaristas e da Lava jato. Um país empenhado na preservação da qualidade das
suas instituições, e para quem a Democracia e a Liberdade fossem realmente
importantes, teria reagido de forma pronta e responsável quando os liberais
deram o golpe junto com um grupo de centro esquerda. Infelizmente, o mesmo país
cujas elites - e não só os populistas que quebraram o consenso nacional quando
retiraram do poder uma presidente eleita legitimamente. Assim, Dilma foi vítima de um
golpe parlamentar, orquestrado por deputados, senadores e empresários. Para
completar, o Judiciário entendeu que pelo menos do ponto de vista
institucional, o processo de Dilma seguiu as regras e os ritos previstos pela
Constituição Federal.
O Brasil foi o primeiro país
latino americano. A entender a necessidade e importância da criação da formação de blocos como o
Brics e o Ibas, vistos como estratégicos na construção de articulações
contra-hegemônicas e para a reforma da ordem internacional vigente e de suas
instituições.
No campo da política interna vale a pena
enumerar algumas questões: qualquer país afastando-se de uma ditadura pode
considerar-se em transição democrática; a democratização tende a ocorrer em
três fases – abertura, avanço e consolidação; a importância decisiva de eleições;
a convicção de que qualquer país, independentemente do seu passado, pode
transitar para a democracia; e de que as transições democráticas estão alicerçadas
em Estados de Direito.
Havia no Brasil antes do golpe, uma certeza
inequívoca que estávamos no bom caminho. Simplificando: podíamos afirmar com segurança
que o Brasil, depois, da implantação da Nova República, estava em fase de
consolidação à democracia, alicerçada com base no Estado de
Direito.
Se for verdade que temos um
país com espaço para partidos de oposição, para uma sociedade civil
independente, com eleições regulares e uma constituição democrática, poderemos afirmar também que temos fraca representação dos interesses e baixa
participação política dos cidadãos nas eleições, abusos da Lei por parte do
Governo, e uma confiança cada vez menor num Estado com um desempenho cada vez
mais fraco. Esta descrição, que estou tentando ilustrar da realidade brasileira,
é na verdade o diagnóstico do que estamos vivendo.
Nossa democracia poderia ser
definida como, se por um lado, temos liberdade política significativa, eleições
regulares, alternância entre partidos no poder, mas por outro, por participação
política deficiente, elites corruptas, governos ineficazes com fraco desempenho
e sociedades divididas e desiguais. Temos também, um grupo político dominante,
uma fronteira tênue entre o Estado e o bolsonarismo, poder judiciário não
independente, processos eleitorais ambíguos, participação política deficiente,
oposição liderada pela mídia com sede no estrangeiro, uma burocracia estagnada,
corrupção de larga escala e usa
um LAWFARE como formas de golpes.
Diria que o Brasil, na sua
singularidade, exibe características misturadas de ambas as síndromes; uma
espécie de, para usar a terminologia da moda, variante brasileira do vírus. Temos uma participação política
deficiente, praticamente só em torno de partidos, e com taxas de abstenção
crescentes em todas as eleições; vários casos de corrupção das elites, não só
políticas, que tardam em transitar em julgado; governos ineficientes com
fraquíssimo desempenho, que têm afastado o país da média de riqueza mundial,
marcados por nepotismos e clientelismos vários; um centrão - vocacionado para
se tornar no pivot de
uma tragédia; uma fome insaciável um assalto impune aos cargos do Estado, não
apenas nos cargos administrativos, mas também nos órgãos independentes e
reguladores; uma tentação de politização da justiça com processos pouco transparentes
como estamos tomando conhecimento através da vasa-jato e um Supremo suspeito de
ter sido influenciado pelas Forças Armadas.
Com
este diagnóstico vale a pena, no Brasil de 2021, voltar a 1985. Como disse um
velho político: “uma democracia que não se defende vigorosamente não tem o
direito de sobreviver.” Essa defesa cabe-nos a todos. Cabe-nos sempre. Seria
bom que não desistíssemos da Democracia e da Liberdade. A alternativa é sempre
pior.