sexta-feira, 5 de março de 2021

ARTIGO - Uma variante do vírus na democracia brasileira (Padre Carlos)

 

 

Uma variante do vírus na democracia brasileira



 

Podemos afirmar com segurança que o Brasil, 36 anos depois do fim do Regime Militar, está em fase de consolidação da democracia, alicerçado num Estado coerente e funcional? Muitas vezes me pergunto quando o Brasil vai acordar e entender que perdeu a oportunidade que a história lhe presenteara no início deste século.  A categoria de “país totalmente democrático” deixou de existir no nosso imaginário e lamento dizer, a culpa não foi só dos bolsonaristas e da Lava jato. Um país empenhado na preservação da qualidade das suas instituições, e para quem a Democracia e a Liberdade fossem realmente importantes, teria reagido de forma pronta e responsável quando os liberais deram o golpe junto com um grupo de centro esquerda. Infelizmente, o mesmo país cujas elites - e não só os populistas que quebraram o consenso nacional quando retiraram do poder uma presidente eleita legitimamente. Assim, Dilma foi vítima de um golpe parlamentar, orquestrado por deputados, senadores e empresários. Para completar, o Judiciário entendeu que pelo menos do ponto de vista institucional, o processo de Dilma seguiu as regras e os ritos previstos pela Constituição Federal.


O Brasil foi o primeiro país latino americano. A entender a necessidade e importância da criação da formação de blocos como o Brics e o Ibas, vistos como estratégicos na construção de articulações contra-hegemônicas e para a reforma da ordem internacional vigente e de suas instituições.  No campo da política interna vale a pena enumerar algumas questões: qualquer país afastando-se de uma ditadura pode considerar-se em transição democrática; a democratização tende a ocorrer em três fases – abertura, avanço e consolidação; a importância decisiva de eleições; a convicção de que qualquer país, independentemente do seu passado, pode transitar para a democracia; e de que as transições democráticas estão alicerçadas em Estados de Direito.

Havia no Brasil antes do golpe, uma certeza inequívoca que estávamos no bom caminho. Simplificando: podíamos afirmar com segurança que o Brasil, depois, da implantação da Nova República, estava em fase de consolidação à democracia, alicerçada com base no Estado de Direito.

Se for verdade que temos um país com espaço para partidos de oposição, para uma sociedade civil independente, com eleições regulares e uma constituição democrática, poderemos afirmar também que temos fraca representação dos interesses e baixa participação política dos cidadãos nas eleições, abusos da Lei por parte do Governo, e uma confiança cada vez menor num Estado com um desempenho cada vez mais fraco. Esta descrição, que estou tentando ilustrar da realidade brasileira, é na verdade o diagnóstico do que estamos vivendo.

Nossa democracia poderia ser definida como, se por um lado, temos liberdade política significativa, eleições regulares, alternância entre partidos no poder, mas por outro, por participação política deficiente, elites corruptas, governos ineficazes com fraco desempenho e sociedades divididas e desiguais. Temos também, um grupo político dominante, uma fronteira tênue entre o Estado e o bolsonarismo, poder judiciário não independente, processos eleitorais ambíguos, participação política deficiente, oposição liderada pela mídia com sede no estrangeiro, uma burocracia estagnada, corrupção de larga escala e usa um  LAWFARE como formas de golpes.

Diria que o Brasil, na sua singularidade, exibe características misturadas de ambas as síndromes; uma espécie de, para usar a terminologia da moda, variante brasileira do vírus. Temos uma participação política deficiente, praticamente só em torno de partidos, e com taxas de abstenção crescentes em todas as eleições; vários casos de corrupção das elites, não só políticas, que tardam em transitar em julgado; governos ineficientes com fraquíssimo desempenho, que têm afastado o país da média de riqueza mundial, marcados por nepotismos e clientelismos vários; um centrão - vocacionado para se tornar no pivot de uma tragédia; uma fome insaciável um assalto impune aos cargos do Estado, não apenas nos cargos administrativos, mas também nos órgãos independentes e reguladores; uma tentação de politização da justiça com processos pouco transparentes como estamos tomando conhecimento através da vasa-jato e um Supremo suspeito de ter sido influenciado pelas Forças Armadas.


Com este diagnóstico vale a pena, no Brasil de 2021, voltar a 1985. Como disse um velho político: “uma democracia que não se defende vigorosamente não tem o direito de sobreviver.” Essa defesa cabe-nos a todos. Cabe-nos sempre. Seria bom que não desistíssemos da Democracia e da Liberdade. A alternativa é sempre pior.

 

 

 


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