domingo, 10 de abril de 2022

ARTIGO - O pastor trabiqueiro e Moreira da Silva (Padre Carlos)

 


1 kg de ouro para educação

 


Quando recebi de um amigo de Salvador de forma carinhosa e cômica um vídeo de Moreira da Silva fazendo alusão ao pastor trambiqueiro do samba e o mais novo escândalo do governo Bolsonaro no Ministério da Educação, me chamou a atenção para este problema que não só teológico, mas que tem muito haver com uma antropologia e a nossa cultura. Naquela hora, imaginei um mundo em que a teologia não fosse utilizada para ganhar dinheiro e poder. Um cenário em que os pastores, padres e sacerdotes — que se dizem enviados por Deus — não utilizassem a boa-fé dos cristãos e tementes a Deus para enriquecer. Infelizmente este é um universo paralelo e fictício, muito diferente daquele que encontramos na vida real.

Assim, ao ler a matéria do jornal o Estado de S. Paulo, revelando suposto tráfico de influência para liberação de verbas do Ministério da Educação para as prefeituras, fiquei triste ao constatar que tinha como protagonista, um dos pastores que negociam transferências de recursos federais para prefeituras. Segunda a matéria, o pastor pediu ao prefeito de Luis Domingues (MA), Giberto Braga (PSDB), 1 kg de ouro para conseguir liberar verbas de obras de educação para a cidade.

Estes operadores da fé são colocados em posições estratégicas no governo e servem acima e tudo os interesses das bancadas evangélicas que transformam a fé das suas ovelhas em bases eleitorais. Ou seja, há um ciclo vicioso que traz mútuos ganhos para as empresas da fé e para os governos, sejam de esquerda ou de direita.

De facto, as empresas da fé precisam tanto de fiéis como os governos autoritários ou populares precisam de seguidores que não questionem nem se interessa por política. Demonstrando, assim, que a fé dos brasileiros tem servido, sobretudo, para encontrar um caminho para a salvação eterna individual, sem provocar qualquer ato de transformação política, remetendo muitos brasileiros para a condição de súdito de uma fé cega, ou de não sujeitos.


sábado, 9 de abril de 2022

ARTIGO - O Clube Português e a Revolução dos Cravos (Padre Carlos)

 



Como os Cravos chegaram em minha casa

 



 

Eu sempre celebrei a queda do Estado Novo no 25 de Abril por se tratar de uma data importante para o povo português e para todos os povos de língua portuguesa. Em geral, o Estado Novo caracterizou-se como um período autoritário, nacionalista, tradicionalista e corporativista. Em razão disso, é comum encontrarmos autores que associam o fascismo italiano ao salazarismo. De outro lado, o Estado Novo assumiu determinadas posições que lembram bastante o governo Getúlio Vargas, no Brasil, e de Juan Perón, na Argentina. Tal como nos regimes sul-americanos, o Estado Novo português preocupou-se em moldar ideologicamente a sociedade da época em diversos planos: social, econômico, jurídico e cultural.

Um dos aspectos essencial do Estado Novo e que proporcionou a diáspora de muitos portugueses neste período foi o seu componente autoritário. Visto que a oposição interna continuava a existir, dada à complexidade e os problemas da sociedade portuguesa, o regime ocupou-se da organização de uma verdadeira estrutura visando o controle político-social. Polícia política, prisões, censura campos de deportação de adversários do regime - tudo isso fez parte daquele período.

Neste aniversário da Revolução dos Cravos, vou homenagear todos aqueles que lutaram contra este regime autoritário, contando pra vocês como este dia refletiu na minha família, aqui no além mar.

Muitas associações portuguesas espalhadas pelos quatro cantos do mundo serviram para acolher centenas de refugiados políticos e uma destas foram com certeza os Clubes portugueses espalhados pelo Brasil. Fundado em 1946 e funcionando no antigo gabinete português de leitura até o início da década de sessenta quando teve sua sede de praia inaugurada no bairro da Pituba, o Clube Português da Bahia passou a ser administrado por portugueses recém-chegados. Assim, chamou à atenção de meu pai a forma como seu coordenador tratava os funcionários sobre a sua supervisão. Varias vezes ouvir elogiada a forma humanista daquele chefe de trabalho. Tinha um carinho e preocupação não só com seus funcionários mais com toda a sua família, principalmente nas festas natalinas e na Semana Santa. Sentia uma admiração por parte de meu pai por aquele homem tão diferente das chefias e relação de poder que até então ele conhecia.

        Certo dia meu pai chegou em casa triste e com uma sensação que tinha se despedido de um irmão. Era final de abril de 1974, aquele homem que coordenava o setor que meu pai trabalhava era um refugiado político e com a Revolução dos Cravos ele estava retornando a Portugal. Ficamos sabendo depois que se tratava de um engenheiro, ligado a PCP e tinha uma relação próxima com Álvaro Cunhal. A mudança fez com que meu pai não permanecesse no trabalho e o que ficou dos cravos foi um sentimento de saudade e de um coordenador que soube ser companheiros de seus liderado

terça-feira, 5 de abril de 2022

ARTIGO - A Esquerda Deixou de Ser Esquerda (Padre Carlos)

 


José Saramago e a esquerda brasileira

 


Nunca as palavras de José Saramago, tiveram tanto sentido. Ao estudarmos as correlações de força no Brasil podemos entender o que o pensador português queria dizer: “A direita nunca deixou de ser direita, mas a esquerda deixou de ser esquerda”. A explicação pode parecer simples de mais para nossa elite política e acadêmica, mas é a única que contempla todos os acontecimentos que desembocaram nesta frente que se formou entre o PT a direita e a esquerda brasileira.

Para serem palatável politicamente e não passar uma imagem de velho e ultrapassado, a esquerda busca mudar o nome dos partidos histórico e centenário para ser aceitos nos jogos do poder, quando não correm todos para o centro, abrindo mão de suas convicções. Só assim, eles podem compor com outros seguimentos da direita política e económica que sempre esteve presente sem precisarem se camuflar alegando uma política de centro. Vivemos um daqueles bailes de mascaras, ou então, de uma farsa carnavalesca, e desta forma, passa a surgir às caricaturas com as designações de centro-esquerda ou centro-direita. Como diz Saramago, Pá, assim como em Portugal, no Brasil também se vive esta realidade.

Quando a esquerda foi demonizada pela turma do Bolsonaro, MBL,  Olavo de Carvalho e outras, pudemos perceber que nem todos tiveram a capacidade de se manterem integro e na luta. De 2016 a 2020, pudemos constatar que para uma parte da população, a esquerda tinha virado tudo o que não prestava, seja lá o que for. Às vezes esquerda e comunismo e marxismo viravam uma coisa só no discurso repetitivo e feito para a repetição. Hoje apesar das coisas terem mudado e a população entenderem que foram manipuladas, não se viu até o momento uma mudança e defesa de projetos de esquerda que justifique a existência deste bloco.

O problema é que está muito difícil saber o que a esquerda é dentro deste contexto. E o que a esquerda propõe que seja claramente diferente da direita. E quando falo na direita, não me refiro ao bolsonarismo, mas a direita democrática. O PT não se corrompeu no poder, mas tem perdido ao longo da sua existência, o eixo ideológico da sua essência e abraçado um projeto social democrata como se fosse seu. E isto é um fato. Pode se discutir bastante se o PT é um partido de esquerda. Eu, pessoalmente, acho que foi de esquerda só até a Carta ao Povo Brasileiro, durante a campanha de 2002. Outros encontram marcos anteriores de rompimento com um ideário de esquerda.

O paradoxo da esquerda é não saber o seu papel na história e na política brasileira. Com exceção do ultimo pleito, ela costuma vencer as eleições no Brasil, mas não governa. Para seus dirigentes, nas democracias modernas, não há inconsistência entre uma coalizão de esquerda e o capitalismo. E desta forma, a história se repete quando na experiência brasileira a esquerda de fato vence as eleições, mas não governa.


segunda-feira, 4 de abril de 2022

ARTIGO - A guerra nada mais é que a incapacidade de diálogo e de entendimento entre os homens. (Padre Carlos)

 


Por quem os sinos dobram?

 



Só quem tem uma consciência pacifica e um humanismo latente, pode entender a obra de Hemingway, qualquer perda humana, mesmo num país longínquo, seja na América Latina, na África, na Ásia ou na Europa é também uma pequena morte para cada um de nós.

Quando no início da década de 40 o escritor norte-americano Ernest Hemingway lançou uma das suas mais famosas obras literárias que viria a ser à base do filme, com o mesmo nome: Por quem os sinos dobram, passamos a entender de forma mais claro como cada vida neste planeta que perdemos de forma banal ou violenta, pode impactar todo o conjunto do universo.

Este título me fez recordar o escritor inglês John Donne, que via a guerra como um absurdo, qualquer coisa sem sentido, onde vidas humanas se perdiam pela incapacidade de diálogo e de entendimento entre os homens. “Quando um homem morre, morremos todos, pois somos parte da humanidade”, escrevia. E no livro de Hemingway – apesar de se tratar de um romance, tendo como pano de fundo a Guerra Civil da Espanha – está presente a mesma ideia. 

Este é apenas um exemplo, e muitos mais podiam citar. De fato, não deve haver ninguém na face da Terra que não condene veementemente este tipo de conflito armado entre povos. Guerra é o apelo ao lado mais cruel do coração do homem, dos que querem conquistar pela força o que não conseguiram por meios pacíficos. 

A História, infelizmente, está repleta destes conflitos, com a consequência inevitável de muitas vidas humanas que se perderam, muitas delas sem nada terem feito nem contribuído para tal desfecho. 

Apesar de estarmos vivendo uma guerra na Europa, com as imagens chocantes que a toda hora chegam até os nossos lares, não podemos esquecer que as vidas perdidas em todos os continentes são importantes. As tiradas pelas bombas atômicas no Japão, as dos iraquianos e dos palestinos, bem como as dos judeus e todos que foram mortos por regimes totalitários ou em “nome da liberdade”.

 


domingo, 3 de abril de 2022

ARTIGO - Um dedo de prosa com os meninos da Pituba (Padre Carlos)

 Um dedo de prosa com minha geração

 


Prezado amigo,

Quando a velha Fazenda Pituba, foi adquirida no início do século passado pelo baiano Manoel Dias da Silva e pelo seu cunhado mineiro, Joventino Pereira da Silva, já havia na localidade uma colônia de pescadores  que poderíamos hoje identificar como remanescentes de quilombos, esta área passou a ser na época disputada a partir da primeira metade do século passado por uma população de renda média que passaram a construir casas de veraneio. Quem tinha carro poderia chegar à antiga fazenda através de uma estrada de chão batido que terminava nas imediações do Costa Azul, devido ao rio que impedia a passagem para o Jardim de Alá. Quem não possuía transporte próprio, descia no terminal do bonde no largo de Amaralina e seguia a pé tendo como referência uma casa em formato de   navio, esta era o marco da divisão entre o bairro de  Amaralina e a Pituba.

Com a expansão imobiliária, cada vez mais avançando no litoral e a construção de uma avenida que cortava toda a faixa litorânea até o aeroporto, substituindo assim o antigo acesso pelo subúrbio. Desta forma, o setor imobiliário viu aí uma oportunidade de grandes negócios, já que eram praias praticamente virgens e até então a antiga estrada de Ipitanga, era o único acesso ao bairro de Itapoá. Na medida em que estas novas praias foram se consolidando, as placas com os novos loteamentos e outras propagandas ganhavam o litoral. No final da década de cinquenta as montadoras começaram a chegar ao país e a Ford lança à primeira camionete fabricada no Brasil. A propaganda desta camionete em uma placa passou a ser a referencia de uma das praias mais linda e virgem daquela época. Como diziam: vou para a praia da placa da Ford e com o tempo, passou a ser chamada Praia de Placaford.

 

Em momentos importantes da nossa vida, percebemos uma grande necessidade de resgatar o passado da nossa cidade.  A História de Salvador tem muito haver como seu povo vive e expressa a sua cultura.  Precisamos resgatar estas informações para que as novas gerações possam de fato entender o seu presente e quem sabe conseguir planejar meu futuro.

Seja bem vindo a praia de  “Xing Ling”.

 


sábado, 2 de abril de 2022

ARTIGO - O teólogo que influenciou Francisco reformar a Igreja (Padre Carlos)

 


Um ano sem Hans Küng

 




Nesta quarta-feira vai fazer um ano que Hans Küng morreu, estamos falando do teólogo católico mais conhecido dos últimos anos e um pensador de influência mundial. Gostaria de deixar claro que é inegável a influência do seu pensamento nas reformas empreendidas por Francisco, não só por causa das suas investigações sobre o cristianismo primitivo, mas também da sua contribuição para o encontro da fé com o mundo moderno e pós-moderno e um ethos (nova atitude ética) global.

         Por isso, vale a pena voltar concretamente ao seu livro A Igreja ainda Tem Salvação? (1997), no qual confessa que foram sua consciência filosófica e teológica que o fez escrever. "Preferiria não ter escrito este livro. Não é agradável dirigir à Igreja, que foi e é a minha, uma publicação tão crítica", mas, "na presente situação, o silêncio seria irresponsável". De que sofre a Igreja? A Igreja Católica, a maior, a mais poderosa, a mais internacional Igreja, essa grande comunidade de fé, está "realmente doente", "mortalmente doente", "sofre do sistema romano de poder", que se caracteriza pelo monopólio da verdade, pelo juridicismo e clericalismo, pelo medo do sexo e da mulher, pela violência espiritual.

Este grande pensador da Igreja não foi só um teólogo eminente, mas também um verdadeiro cristão profundamente convicto, que nunca abandonou a Igreja que considerava sua.  É preciso voltar a Jesus Cristo, ao que ele foi, é, quis e quer. De fato, em síntese, a Igreja é a comunidade dos que creem em Cristo: "A comunidade dos que se entregaram a Jesus Cristo e à sua causa e a testemunham com energia como esperança para o mundo.
        A Igreja torna-se crível, se disser a mensagem cristã não em primeiro lugar aos outros, mas a si mesma e, portanto, não pregar apenas, mas cumprir as exigências de Jesus. Toda a sua credibilidade depende da fidelidade a Jesus Cristo." Como procederia Jesus nas atuais situações, quando pensamos no modo como agiu? Seria contra o preservativo, os anticonceptivos, excluiria as mulheres, obrigaria ao celibato, proibiria a comunhão aos recasados? Que diria sobre as relações sexuais antes do casamento? Como procederia em relação ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso?

A Igreja não pode ser encarada como um aparelho de poder ou uma empresa religiosa, mas como povo de Deus e comunidade do Espírito nos diferentes lugares do mundo. O papado não precisa desaparecer, mas o Papa não pode ser visto como poder absoluto e independente "um autocrata espiritual", mas como o bispo que tem o primado pastoral, vinculado colegialmente aos outros bispos e, poderia acrescentar aos representantes das congregações religiosas e de todo o Povo de Deus, homens e mulheres.

A Igreja, ao mesmo tempo em que tem de fortalecer as suas missões e instituição - precisa oferecer aos homens e às mulheres de hoje a mensagem cristã, de modo compreensível, sem um discurso arcaico nem dogmatismos escolásticos, e celebrar os sacramentos -, deve assumir as suas responsabilidades sociais, apresentando, sem partidarismos, à sociedade opções fundamentais, orientações para um futuro melhor.

Quando levanto esta questão, seria pra agradecer a Deus e a Dom Celso Jose, pelo privilégio de ter estudado na PUC de Belo Horizonte, no olho do furação teológico, assim era a capital mineira na década de noventa. Foram meus Mestres, que abriram nossa consciência e nos deram oportunidade de conhecer as correntes de pensamentos que embalaram a Igreja nos últimos anos.

 

 


sexta-feira, 1 de abril de 2022

ARTIGO - O velho militante e seus sonhos (Padre Carlos)

 


Arcana imperii – O segredo não pode ser a alma da política

 



 “Há homens que lutam um dia e são bons. Outros lutam um ano e são melhores. Outros, ainda, lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda uma vida: esses são imprescindíveis.”

Em um passado, já um tanto quanto distante, fui um militante de esquerda. Atuei no movimento estudantil e Organização Não Governamental, sempre representando o partido e a esquerda onde atuava. Há cinco anos, cansado de dar "murros em ponta de facas", deixei a militância, por acreditar que faltava algo de utopia que justificasse minha presença na vida partidária.  Sentia que estava repetindo enfaticamente os erros dos quais minha geração dizia combater, embora carregasse o velho militante em minha história e nos meus sonhos.

Sentir nestes quarenta e cinco anos de militância que um partido político democrático não pode mais se guiar pelos princípios dos arcana imperii, do poder oculto, misterioso. Precisa ser aberto, transparente, acessível, interativo, dialógico. O PT vem falhando nestes aspectos, tanto na comunicação com a sociedade, quanto com a militância. No que diz respeito à escolha da chapa majoritária, muitos militantes e ativistas não sabem o que acontece, sequer sabem como foi definida. Mesmo durante a crise que se instalou a militância não entendeu que o grande problema do partido é a precariedade da comunicação. Além de existir este grave problema de comunicação existe também erros políticos, no que diz respeito à campanha e a forma pragmática de fazer política. Uma das condições fundamentais do êxito político diz respeito a como saber lidar com o momento, com a ocasião, mas também, como preservar nossa luta e saga sem perder a referência histórica.

Em política o êxito depende também do respeito, da reputação e não do temor. Respeito e reputação se conquistam pelo exemplo da conduta, pela eficiência no agir e pala realização de feitos significativos. O temor conquista pela força através de dirigentes sobre sua liderança e quando seus liderados se tornam agentes do governo e detém uma estrutura de comando, passa a existir uma correis de transmissão de poder e interesse coletivo.

Precisamos voltar acreditar que a militância política em partidos progressistas é, portanto, resultado de necessidades de mudanças a serem realizadas. Será que entendemos que ela deve ser fruto da mobilização coletiva que se opõe às formas de dominação social? A militância política se reveste de grande importância, não somente pela atual situação em que se encontram os partidos e a política brasileira, mas também pelo quadro que vivemos no Brasil, com a desregulamentação das leis trabalhistas e aumento do desemprego, da inflação e da miséria, emergência do ódio explicitado de diferentes formas contra as causas coletivas e seus militantes,

 

        


ARTIGO - A geração que fez a diferença! (Padre Carlos)

A geração que fez a diferença!      Decorridos tantos anos do fim da ditadura, observa-se que a geração da utopia está partindo e a nova...