Um
mito da esquerda morreu em Recife
Em um quarto de apartamento em Recife, morreu
neste final de semana um homem que marcou a história da resistência à ditadura
militar brasileira (1964-1985): Theodomiro Romeiro dos Santos, 70 anos.
Acometido por vários AVCs, em decorrência das torturas sofridas nos primeiros
anos de prisão e das péssimas condições que vivia na carceragem. As sequelas fizeram com que ele perdesse a
memória e dependesse dos cuidados e carinho de familiares e amigos próximos.
Theodomiro foi o primeiro civil condenado à
pena de morte no período republicano brasileiro, com base na Lei de Segurança
Nacional. Sua imagem de jovem imberbe, aos 19 anos, no julgamento em 1971,
comoveu a opinião pública, dentro e fora do país, e tornou-se uma poderosa
bandeira na luta contra o regime autoritário.
Em uma entrevista inédita, concedida em
abril de 1979, dentro de sua cela na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador,
de onde fugiria quatro meses depois de forma espetacular, Theo revelou: “Depois
de preso, o primeiro momento que tive a certeza de que não seria morto foi
quando ouvi a sentença de morte”.
Nesses tempos de redes sociais, fake news,
patrulhas ideológicas e cancelamentos, vale lembrar quem foi, o que fez e qual
a herança histórica que deixou esse personagem único, que deu seu recado com
exemplos de destemor e sonhos por um mundo melhor e mais justo.
Theodomiro foi um dos milhares de jovens
que se engajaram na luta contra a ditadura militar no Brasil, um regime que se
instaurou em 1964 por meio de um golpe que derrubou o presidente João Goulart.
O golpe contou com o apoio dos Estados Unidos e dos setores conservadores da
sociedade brasileira, que temiam o avanço das reformas sociais propostas por
Jango.
A ditadura militar durou 21 anos e foi
marcada pelo autoritarismo, pela censura à imprensa e às artes, pela restrição
aos direitos políticos e pela perseguição policial aos opositores do regime.
Muitos foram presos, torturados e mortos nos porões da repressão. Outros foram
exilados ou desapareceram.
Diante desse cenário, surgiram diversas
formas de resistência à ditadura, tanto armadas quanto pacíficas. Os jovens
tiveram um papel fundamental nesse processo, pois se organizaram em movimentos
estudantis, partidos clandestinos, grupos guerrilheiros e manifestações
culturais. Eles buscavam denunciar as arbitrariedades do regime e reivindicar a
volta da democracia.
Theodomiro foi um desses jovens que se
arriscaram pela causa da liberdade. Ele era militante do Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário (PCBR), uma das organizações de esquerda que
defendiam a luta armada contra a ditadura. Em 1970, ele participou de uma ação
que resultou na morte de um agente do Doi-Codi baiano. Preso e torturado, ele
foi condenado à morte pelo Conselho Especial da Aeronáutica.
Sua sentença causou indignação nacional e
internacional e mobilizou campanhas pela sua libertação. Em 1971, sua pena foi
comutada para prisão perpétua. Em 1979, ele conseguiu fugir da prisão com a
ajuda de outros presos políticos e se exilou na França. Ele só voltou ao Brasil
em 1985, após a expiração da sua condenação.
Theodomiro se formou em Direito e se tornou
juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco. Ele se aposentou em 2012 e
recebeu anistia, mas nunca pediu indenização por motivações ideológicas. Ele
morreu em 14 de maio de 2023, aos 70 anos, em Recife.
Theodomiro foi um exemplo de coragem e
idealismo, que lutou por um Brasil mais justo e democrático. Ele foi um dos
protagonistas da história da resistência à ditadura militar brasileira, que
deixou marcas profundas na sociedade e na memória nacional. Sua trajetória é
uma inspiração para as novas gerações que buscam defender os direitos humanos e
a cidadania.