Memórias
que aqueceram a alma
Hoje acordei com uma saudade do meu pai.
Faz vinte e cinco anos que ele partiu. Não é fácil falar de Edézio, devido à
sua dependência do álcool, apesar de não saber que era doente. Esse problema,
junto com sua falta de instrução e uma cultura rígida, fizeram com que não
entendêssemos algumas situações. Mas hoje vou falar do Edézio que conheci e
aprendi a amar.
Meu pai era muito carinhoso e isso foi se
revelando quando ele foi envelhecendo. Ainda jovem, permaneceu ao lado da mãe,
só saindo de perto dela quando ela faleceu. Ele sofreu muito com a sua perda e
viajou para São Paulo. Estamos falando do início da década de cinquenta. E
apesar de poucos se lembrarem, nesse período houve uma seca muito grande no
Nordeste brasileiro, e a fome assolava os municípios nordestinos. Nessa época
ele deveria ter uns vinte e cinco anos. Como um bom baiano, sofreu muito com o
frio, pois no início ficou trabalhando em São Bernardo do Campo e só não
retornou logo porque um amigo o convidou para trabalhar em Santos. Ali ele se
adaptou muito bem. Lembro como hoje dele falando que morava perto do campo da
Portuguesa Santista. Ele me confidenciou muitas coisas que viveu nessa época.
Mas a saudade da Bahia era grande e ele
voltou. Naquela época a viagem era de trem. Ele fazia a rota de São Paulo a São
Roque, no Paraguaçu. No retorno um amigo que estava também retornando foi
roubado. Então ele e os colegas fizeram uma vaquinha e deram ao companheiro que
pode chegar a casa dele com algo para comer. Retornando à Bahia foi vender pão
em Itaparica, corria todo o povoado da ilha com um balaio de pão na cabeça. Mas
ele queria mesmo era ir para Salvador, parece que o destino o chamava para ele
cumprir a sua missão.
Foi então que surgiu a oportunidade de
trabalhar no Instituto de Cegos, onde havia uma fábrica de vassouras que era
administrada pelas irmãs da congregação mercedária. Curiosamente, minha mãe era uma noviça dessa
congregação, e o destino os uniu. Eles se conheceram e foram morando juntos no
bairro da Vasco da Gama.
Nesse período, minha tia Domingas, que
também tinha ingressado no convento junto com minha mãe, residia na casa das
freiras na Pituba. Ela intercedeu junto à superiora para ajudar Edézio a
encontrar um lugar para ficar. Assim, ele passou a cuidar da casa de Dona
Lavínia e Jaime Machado, na Pituba, encontrando um lar e uma família que o
acolheu. Eu acredito que meu pai não entrou na justiça contra esta família,
porque foi acolhido no momento que mais precisava.