Nossa ideia de justiça
A justiça existe para
garantir a aplicação da lei e tem como razão de ser a proteção das relações
jurídicas e da defesa dos menos
protegidos. Através dela, e do reconhecimento da sua existência, as sociedades
tornam-se socialmente mais justa e os cidadãos são tratados de forma igual
perante a lei.
No Brasil, caminhamos
em sentido contrário. O sentimento comum é o da extrema dificuldade no acesso,
da morosidade sempre crescente, do clima de disputa ou conluio entre os
diferentes órgãos do sistema judiciário ou mesmo entre juízes e, talvez o mais
grave, os cidadãos não compreendem as decisões dos tribunais e normalmente
associam-nas à condição socioeconómica dos envolvidos. Há uma justiça para os
ricos e poderosos e outra, bem diferente, para os mais pobres e desfavorecidos.
Paga o justo pelo
pecador, diz o povo e com razão. Se olharmos apenas para os últimos anos, não
houve dia em que a "justiça" não tenha estado nas primeiras páginas. Os
juízes e Promotores se tornaram da noite para o dia, celebridades e como
acontece no palco da vida, o mocinho a qualquer momento pode ser o vilão. Nos últimos meses temos presenciado um
dos maiores espetáculos midiático com todos os requisitos de uma trama
apresentada pela televisão brasileira, já que de novela ela entende. Quando o site The Intercept Brasil passou a revelar os bastidores da força-tarefa da Lava Jato, passamos a
acompanhar a cada dia, toda a trama contra a democracia e as Instituições da
República que esta sendo revelada agora pelas conversas vazadas, o ex-juiz Sergio Moro e o
procurador Deltan Dallagnol se tornam
nesta tragédia que não é grega, mas, muito brasileira, protagonistas de uma
trama que revela não apenas o funcionamento da maior operação contra corrupção
do país, mas também zonas cinzas do funcionamento do Judiciário, onde as linhas
que separam o que é ilegal, imoral e legítimo sob os olhos da Justiça se
confundem.
Sabemos que estamos no
terreno perfeito para as habituais frases feitas. A justiça é a bondade medida ao milímetro. Verdades ou discurso de
classe. Estas falácias terminam encerrando mentiras profundas. O tempo é a
medida da justiça e é aos políticos que cabe estabelecer os princípios
orientadores e dar os meios aos que estão constitucionalmente encarregados de
julgar.
A procura do justo e do
correto parece ficar apenas nos manuais de direitos e nos preâmbulos da
legislação. Para além da falta de responsabilidade e impunidade. É revoltante com
que hoje alguns membros da justiça pautam suas decisões de acordo com a opinião
pública. Em decorrência deste comportamento, assistimos à destruição de pessoas,
de carreiras, de legados, ao mesmo tempo em que vão deixando arrastar decisões
sobre casos em que ninguém tem dúvidas sobre a existência de crimes. Num país
que parece que perdeu o rumo e a esperança, gostaríamos de acreditar que
justiça perante cada acusação tem a imparcialidade de dizer se estamos na
presença de um culpado ou de um inocente. É que nos dias de hoje, por ação ou
por omissão do poder político e do poder judicial, isso parece que não interessa
mais no jogo da justiça e da verdade…
Padre Carlos