terça-feira, 17 de setembro de 2019

ARTIGO - Nossa ideia de justiça (Padre Carlos)






Nossa ideia de justiça





            A justiça existe para garantir a aplicação da lei e tem como razão de ser a proteção das relações jurídicas e da defesa  dos menos protegidos. Através dela, e do reconhecimento da sua existência, as sociedades tornam-se socialmente mais justa e os cidadãos são tratados de forma igual perante a lei.

            No Brasil, caminhamos em sentido contrário. O sentimento comum é o da extrema dificuldade no acesso, da morosidade sempre crescente, do clima de disputa ou conluio entre os diferentes órgãos do sistema judiciário ou mesmo entre juízes e, talvez o mais grave, os cidadãos não compreendem as decisões dos tribunais e normalmente associam-nas à condição socioeconómica dos envolvidos. Há uma justiça para os ricos e poderosos e outra, bem diferente, para os mais pobres e desfavorecidos.

     
       Quando legitimamos esta ideia de justiça e comportamento dos membros das nossas instituições no que diz respeito à parcialidade, passamos a entender que o Estado brasileiro precisa de reformas e instâncias que possam investigar seus pares e aplicar sem corporativismo as penalidades por desvio de função e abuso de autoridade. Como cidadão fico indignado com alguns órgãos da imprensa que de forma irresponsável, sem qualquer exame da veracidade, ou de jornalistas e comentaristas especializados na arte de desfazer o jornalismo, somos levados a comportarmo-nos diariamente como se fôssemos juízes, decidindo sobre a culpabilidade ou a inocência de tudo e de todos. É a justiça popular feita à medida de cada um que, muito embora não tenha como consequência a imposição de uma pena legal, traz consigo sanções que podem ser bem mais pesadas do que as aplicadas pelos tribunais.

            Paga o justo pelo pecador, diz o povo e com razão. Se olharmos apenas para os últimos anos, não houve dia em que a "justiça" não tenha estado nas primeiras páginas. Os juízes e Promotores se tornaram da noite para o dia, celebridades e como acontece no palco da vida, o mocinho a qualquer momento pode ser o vilão. Nos últimos meses temos presenciado um dos maiores espetáculos midiático com todos os requisitos de uma trama apresentada pela televisão brasileira, já que de novela ela entende. Quando o site The Intercept Brasil passou a revelar os bastidores da força-tarefa da Lava Jato, passamos a acompanhar a cada dia, toda a trama contra a democracia e as Instituições da República que esta sendo revelada agora pelas conversas vazadas, o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol se tornam nesta tragédia que não é grega, mas, muito brasileira, protagonistas de uma trama que revela não apenas o funcionamento da maior operação contra corrupção do país, mas também zonas cinzas do funcionamento do Judiciário, onde as linhas que separam o que é ilegal, imoral e legítimo sob os olhos da Justiça se confundem.

            Sabemos que estamos no terreno perfeito para as habituais frases feitas.  A justiça é a bondade medida ao milímetro. Verdades ou discurso de classe. Estas falácias terminam encerrando mentiras profundas. O tempo é a medida da justiça e é aos políticos que cabe estabelecer os princípios orientadores e dar os meios aos que estão constitucionalmente encarregados de julgar.

            A procura do justo e do correto parece ficar apenas nos manuais de direitos e nos preâmbulos da legislação. Para além da falta de responsabilidade e impunidade. É revoltante com que hoje alguns membros da justiça pautam suas decisões de acordo com a opinião pública. Em decorrência deste comportamento, assistimos à destruição de pessoas, de carreiras, de legados, ao mesmo tempo em que vão deixando arrastar decisões sobre casos em que ninguém tem dúvidas sobre a existência de crimes. Num país que parece que perdeu o rumo e a esperança, gostaríamos de acreditar que justiça perante cada acusação tem a imparcialidade de dizer se estamos na presença de um culpado ou de um inocente. É que nos dias de hoje, por ação ou por omissão do poder político e do poder judicial, isso parece que não interessa mais no jogo da justiça e da verdade…



Padre Carlos





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