Como será o Lula que sairá da prisão?
Por sentirmos que está próximo a libertação do ex-presidente Lula,
resolvemos voltar ao assunto sobre este grande personagem da política
brasileira. Sabemos que o cenário é cada vez mais favorável à soltura de Lula.
Não dá para prever quando ele sairá; pode ser em dias ou semanas. Mas, seja
quando for, e como for, ele irá imediatamente para as ruas falar a seguidores
em comício; quer sair da prisão como entrou, no braço de populares.
Como militante político há mais de quarenta e cinco anos e professor de
filosofia, posso afirmar que Lula há muito tempo deixou de ser homem e se
tornou uma narrativa ou como costumamos chamar
no campo filosófico, um mito. Do grego mythos (“conto”), um mito remete
para um relato de feitos maravilhosos cujos protagonistas são personagens
sobrenaturais extraordinários (heróis).
Diz-se que os mitos fazem parte do sistema de
crença de uma cultura, que os considera como histórias verdadeiras. Têm a
função de proporcionar um apoio narrativo às histórias centrais de uma
comunidade.
Sendo assim, Lula se tornou um
mito, não pertence mais este plano e seus feitos transcenderam fronteiras e
podemos dizer que já entrou para história. Ao constatar, que esta afirmação é um consenso que vai da
direita à esquerda, temos assim que ter clareza sobre o que está em jogo, em
disputa, é o significado desta narrativa, o que ela representa.
A direita brasileira trabalha tentando provar que
Lula é o maior corrupto da história do Brasil. Já a esquerda, declara que este
homem é a principal liderança popular que este país já teve?
Esta é a
verdadeira luta que vem se travando no cenário brasileiro. A disputa está aí. Se
não existisse a rede de computadores se não houvesse uma imprensa alternativa, poderíamos
dizer que a batalha já estaria perdida. Sabemos que não pode haver duas
narrativas para a mesma história. Ou é uma coisa ou é a outra. Cada um que
escolha seu lado.
Quando o antropólogo Claude Lévi-Strauss afirma que
todo o mito deve obedecer a três atributos: tratar de uma questão existencial, ser constituído por contrários irreconciliáveis e
proporcionar a reconciliação desses polos para acabar com a angústia, ele
termina explicando para a gente porque todo gesto de Lula tem dimensão simbólica, Lula
pega o microfone e o país paralisa em frente à TV. Os admiradores choram. Os
jornalistas a serviço da mídia hegemônica silenciam. Ninguém fica indiferente as
suas palavras e a personalidade que incorpora.
Ele tem consciência
do seu papel na história, diferente dos seus algozes, sabe perfeitamente que
está sendo observado, conhece muito bem o tamanho que tem e explora com extrema
habilidade sua capacidade de fabricar símbolos.
As horas em
que Lula esteve no sindicato dos metalúrgicos, sob os olhares do mundo, foi
fundamental para construção da narrativa de seu próprio martírio, ele sabia que
o seu destino, já estava selado. Todos os brasileiros já sabiam que Lula seria
preso e que dependeria do seu povo a sua libertação.
Penso mesmo que Lula fez mais que resistir,
já que a resistência seria irresponsável. Lula pautou a própria prisão, saiu da
posição de simples condenado pela Justiça para se tornar o dono da narrativa.
Lula foi sujeito do próprio encarceramento, deu um nó nas forças do golpe
neoliberal.
Lula sabe que já viveu muito, sabe que não
lhe sobra muito tempo de vida. O que resta agora é a consolidação da biografia,
o retorno às origens, seu renascimento como ícone da esquerda brasileira.
Padre Carlos