A espiritualidade e a procura de um sentido para a
vida.
Existe doença que tem o poder de nos tornar mais
grato pela vida e mais atento aos outros. Foi pensando nisso e na fé que tem
invadido as enfermarias e a falta de padres e religiosos neste ambiente que
passei entender que esta dor precisa ser escutada e de uma pastoral que a
escute.
Precisamos de vocações sacerdotais, diaconal e
religiosa que possa ter uma vida dedicada ao acompanhamento espiritual nos
hospitais, ao lado do sofrimento e da reconciliação com a vida e com a fé.
Temos que entender de uma vez por toda, que cuidados de saúde e
espiritualidade, isto é, a assistência espiritual e religiosa é uma necessidade
essencial dos doentes. ·.
Quando exerci o ministério sacerdotal, tive algumas
experiências de ir ao hospital, de visitar doentes, amigos. Sempre tive um
profundo respeito pelo trabalho que alguns leigos desenvolvem nesta área. O
sofrimento e a dor do outro, termina criando na gente este sentimento. Para
mim, as pessoas que mais respeito é aquelas em que o sofrimento é mais
dramático, que por vezes vejo até inconscientes. Corta-me o coração, não no
sentido de perguntar porquê tanto sofrimento, mas de perguntar o que posso
fazer para aliviar um pouco, ajudar aquela pessoa, estar com ela. É isso que me
motiva.
A misericórdia e a vontade de Deus sempre será uma
questão para ser elaborada dentro de todos nós. A razão das coisas não está aí.
Temos sempre de encontrar uma razão para as coisas e a minha relação com Deus,
desde criança, sempre foi muito bonita. Nunca tive a noção de Deus punidor,
sempre tive a noção de Deus-amor. O modo como a minha mãe me transmitiu a fé
era esse. Sim, era, mas o modo como ela falava sobre Deus, sobre os santos,
sobre padres, a alegria com que o fazia sempre me transmitiu esse Deus-amor e,
portanto, para mim, a doença não era um castigo de Deus, por isso tinha de
encontrar a resposta. E encontrei posteriormente.
A resposta é simples. Sofremos porque é a nossa
condição humana. O nosso corpo é frágil, vulnerável. Somos terra – a palavra
homem quer dizer humus, terra. O grande problema é perceber para que serve o
sofrimento. O nosso sofrimento só nos mete pavor quando é absurdo, quando não
serve para nada. Quando uma mãe dá à luz sabe para que serve o sofrimento;
quando ralava na faculdade, a dor de barriga que sentia face aos exames, sabia
para que servia. Quando percebemos para que serve, damos um sentido ao
sofrimento.
Entramos no campo da espiritualidade, da procura de
um sentido para a vida. Descobrimos que a nossa vida é mais do que o sofrimento
e o importante é saber integrar o sofrimento e a doença no contexto do sentido
da vida.
A religião tem uma função de lutar e reunir forças,
são as estratégias interiores que temos para enfrentar situações estressantes:
pode ser a morte de alguém, a minha própria morte, a doença, o sofrimento. A
nossa alma, o nosso corpo e o nosso espírito estão ligados entre si, somos um só,
não há divisões. Eu tenho um amigo que invoca o santo do dia com a seguinte
oração: fazei com que a esperança venha nos lembrar de que amanhã tudo poderá
ser diferente se nós acreditarmos! Quando ele manda estas mensagens ele quer
que eu crie um sentido para minha espiritualidade, que eu tenha uma perspectiva
de futuro, se na relação com Deus perco a fé, se estou zangado, isso leva a um
vazio que, por sua vez, leva a um desânimo face à luta. Se num dado momento
preciso de todas as minhas energias físicas e espirituais para lutar contra uma
doença, se estou diante de um diagnóstico terrível e me falha uma delas, a
minha luta não é total. E, aqui, a espiritualidade tem um sentido lato: está
ligada às questões do sentido da vida, da transcendência, mas também da relação
com o outro, da reconciliação da vida com passado, presente e futuro.
Não podemos negar que existem fatores pelos quais a
religião pode interferir na nossa saúde.
Um deles tem a ver com os comportamentos. A religião, ao dizer que é pecado, cria
critérios para comportamentos saudáveis. Depois existe a função da luta. Se
tenho a noção de que Deus é amor e está comigo no sofrimento, que tenho amigos
e uma comunidade atrás de mim, há uma mobilização maior. Às vezes encontro
pessoas que me dizem: “A minha comunidade está a rezar por mim, não estou
sozinho”. A pessoa tem um sentimento de pertença, de esperança e de ser amado
que é uma força acrescida para a sua luta. É isto que me faz este povo aguentar
o sofrimento. Além da capacidade de lutar, a religião tem uma função de
promoção de emoções positivas e de fomento de emoções, mas também de mecanismos
internos que capacitam as pessoas para a
luta. Assim, como diz meu amigo: fazei com que a esperança venha nos lembrar de
que amanhã tudo poderá ser diferente se nós acreditarmos!