terça-feira, 5 de julho de 2022

ARTIGO - Tudo poderá ser diferente se nós acreditarmos! (Padre Carlos)

 

A espiritualidade e a procura de um sentido para a vida.

 


Existe doença que tem o poder de nos tornar mais grato pela vida e mais atento aos outros. Foi pensando nisso e na fé que tem invadido as enfermarias e a falta de padres e religiosos neste ambiente que passei entender que esta dor precisa ser escutada e de uma pastoral que a escute.

Precisamos de vocações sacerdotais, diaconal e religiosa que possa ter uma vida dedicada ao acompanhamento espiritual nos hospitais, ao lado do sofrimento e da reconciliação com a vida e com a fé. Temos que entender de uma vez por toda, que cuidados de saúde e espiritualidade, isto é, a assistência espiritual e religiosa é uma necessidade essencial dos doentes. ·.

Quando exerci o ministério sacerdotal, tive algumas experiências de ir ao hospital, de visitar doentes, amigos. Sempre tive um profundo respeito pelo trabalho que alguns leigos desenvolvem nesta área. O sofrimento e a dor do outro, termina criando na gente este sentimento. Para mim, as pessoas que mais respeito é aquelas em que o sofrimento é mais dramático, que por vezes vejo até inconscientes. Corta-me o coração, não no sentido de perguntar porquê tanto sofrimento, mas de perguntar o que posso fazer para aliviar um pouco, ajudar aquela pessoa, estar com ela. É isso que me motiva.

A misericórdia e a vontade de Deus sempre será uma questão para ser elaborada dentro de todos nós. A razão das coisas não está aí. Temos sempre de encontrar uma razão para as coisas e a minha relação com Deus, desde criança, sempre foi muito bonita. Nunca tive a noção de Deus punidor, sempre tive a noção de Deus-amor. O modo como a minha mãe me transmitiu a fé era esse. Sim, era, mas o modo como ela falava sobre Deus, sobre os santos, sobre padres, a alegria com que o fazia sempre me transmitiu esse Deus-amor e, portanto, para mim, a doença não era um castigo de Deus, por isso tinha de encontrar a resposta. E encontrei posteriormente.

A resposta é simples. Sofremos porque é a nossa condição humana. O nosso corpo é frágil, vulnerável. Somos terra – a palavra homem quer dizer humus, terra. O grande problema é perceber para que serve o sofrimento. O nosso sofrimento só nos mete pavor quando é absurdo, quando não serve para nada. Quando uma mãe dá à luz sabe para que serve o sofrimento; quando ralava na faculdade, a dor de barriga que sentia face aos exames, sabia para que servia. Quando percebemos para que serve, damos um sentido ao sofrimento.

Entramos no campo da espiritualidade, da procura de um sentido para a vida. Descobrimos que a nossa vida é mais do que o sofrimento e o importante é saber integrar o sofrimento e a doença no contexto do sentido da vida.

A religião tem uma função de lutar e reunir forças, são as estratégias interiores que temos para enfrentar situações estressantes: pode ser a morte de alguém, a minha própria morte, a doença, o sofrimento. A nossa alma, o nosso corpo e o nosso espírito estão ligados entre si, somos um só, não há divisões. Eu tenho um amigo que invoca o santo do dia com a seguinte oração: fazei com que a esperança venha nos lembrar de que amanhã tudo poderá ser diferente se nós acreditarmos! Quando ele manda estas mensagens ele quer que eu crie um sentido para minha espiritualidade, que eu tenha uma perspectiva de futuro, se na relação com Deus perco a fé, se estou zangado, isso leva a um vazio que, por sua vez, leva a um desânimo face à luta. Se num dado momento preciso de todas as minhas energias físicas e espirituais para lutar contra uma doença, se estou diante de um diagnóstico terrível e me falha uma delas, a minha luta não é total. E, aqui, a espiritualidade tem um sentido lato: está ligada às questões do sentido da vida, da transcendência, mas também da relação com o outro, da reconciliação da vida com passado, presente e futuro.

Não podemos negar que existem fatores pelos quais a religião pode  interferir na nossa saúde. Um deles tem a ver com os comportamentos. A religião, ao dizer que é pecado, cria critérios para comportamentos saudáveis. Depois existe a função da luta. Se tenho a noção de que Deus é amor e está comigo no sofrimento, que tenho amigos e uma comunidade atrás de mim, há uma mobilização maior. Às vezes encontro pessoas que me dizem: “A minha comunidade está a rezar por mim, não estou sozinho”. A pessoa tem um sentimento de pertença, de esperança e de ser amado que é uma força acrescida para a sua luta. É isto que me faz este povo aguentar o sofrimento. Além da capacidade de lutar, a religião tem uma função de promoção de emoções positivas e de fomento de emoções, mas também de mecanismos internos  que capacitam as pessoas para a luta. Assim, como diz meu amigo: fazei com que a esperança venha nos lembrar de que amanhã tudo poderá ser diferente se nós acreditarmos!

 

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