Miserere (ter compaixão), e Cordis (coração).
Outro dia conversando com uma
amiga falei que se nosso Deus fosse justo em vez de misericórdia, estávamos dentro
d’água. Naquela hora, me lembrei do Pe. Bruno e das aulas de latim, ele possuía uma
relevância muito rica e importante, pois tinha a capacidade de transformar as
vidas dos seus alunos, através da educação. Desta forma dizia: miserere (ter compaixão), e cordis (coração). "Ter compaixão do coração". Hoje entendo o que ele queria dizer. O que
muita gente não percebe é que a militância política e a luta por um mundo melhor
terminou nos tornando em uma pessoa cartesiana. A inflexibilidade de a nossa geração pensar e
agir sempre da mesma forma nos remete para as lutas por justiça, direitos humanos, da justa
distribuição dos bens, de legalidade em nível local e nas relações entre os
povos, e considera o discurso sobre a misericórdia como diferente do discurso
da justiça e de qualquer modo menos importante.
A diferença do militante para o cristão
termina sendo a mesma que separa a justiça da misericórdia. A justiça exige que
se dê a cada um aquilo que lhe é devido, isto é, se você tem direito é seu; já a
misericórdia, porém, pede que se dê ao outro também aquilo que não lhe é devido.
Esta vai além do direito, ela olha se você esta precisando, não se tem direito.
A misericórdia pede o perdão pelo dano recebido e pela injustiça sofrida.
A justiça sozinha não basta para entendermos as necessidades dos mais
pobres; precisa-se também da misericórdia. É claro que precisamos de códigos e
leis de um sistema de justiça para que a misericórdia possa se basear na justiça,
que é o primeiro degrau do amor.
Na nossa história, a
revelação de um Deus que é Pai e misericordioso vai se dando de forma lenta e progressiva
e se desenvolve junto com o crescimento cultural dos povos e da sua humanidade.
As imagens de Deus
misericordioso, no Novo Testamento, levam vantagem sobre a imagem de um Deus de
justiça, aquele que julga e puni ligado à primazia da lei apresentado no Velho
Testamento. Deus é um Pai que nos ama gratuita e indistintamente. Desta forma,
podemos afirmar que a misericórdia não é contrária à justiça, mas exprime o
comportamento de Deus para os pobres oprimidos e pecadores. A observância da
lei é necessária, mas é preciso superar uma visão meramente legalista. A
misericórdia não é uma espécie de ‘bondade’, alternativa à justiça. Exprime, ao
contrário, a necessidade do encontro entre réu e vítima, que vai além do
legalismo e oferece a ocasião para o réu admitir e superar o mal feito e para a
vítima superar o mal recebido, perdoando. A Igreja não pode nem deve substituir
o Estado, mas ela não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Todos
são chamados a nos preocupar com a construção de um mundo melhor.
O amor verdadeiro a Deus
passa pelo compromisso com a justiça social e com a promoção do pobre, que
sofre injustiça e é marginalizado. O pobre preciso da nossa misericórdia para
com ele. A opção preferencial pelos pobres faz com que nos assemelhemos ao Pai
misericordioso e sejamos sinal e fermento para encontrar a justiça e o amor nas
relações entre as pessoas. Precisamos ter coragem de dar pequenos passos para a
construção da civilização do amor, como dizia o Papa Paulo VI. É o próprio
Jesus quem nos ensinou que tudo o que fizermos ao pobre, estamos fazendo a Ele
mesmo.