Nostalgia de um padre sem ministério
Não. Não vou falar da falta que faz o
Ministério Sacerdotal na minha vida. Não vou falar das amizades que eu achava
que eram minhas e não do pároco. Não vou falar da dificuldade que é reconstruir
a vida aqui fora depois de dedicar boa parte da sua vida a instituição. Também
não vou falar do preconceito que os próprios leigos têm com os padres que deixaram
o ministério. Não vou falar em nada disto porque as crônicas estão cheias destas
constatações, os comentários a respeito destes assuntos proliferam, as análises
sobrepõem-se e resta aguardar que as mudanças propostas por Francisco se
confirmem e esperar que a realidade das coisas nos surpreenda.
Hoje vou falar do sentimento da perda
que registei com particular evidência. A exclusão do clero é evidente agora,
você depois de alguns anos percebe que aqueles camaradas lhe esqueceram e você
não faz mais parte nem do passado delas. Quantos anos morei com aquelas
pessoas, dividir o espaço do quarto, da sala, do refeitório e hoje você constata
que tudo aquilo não representa mais nada. O carinho que você sente por estes, suas lembranças da filosofia e da teologia, são na verdade seus fantasmas
que ficam povoando suas memórias.
A irmandade, a amizades de
décadas e as histórias de vida se perderam no tempo, só você é que não percebeu.
Mesmo sentindo a indiferença, confesso a vocês que não posso negar que me alegra ao ver aqueles
companheiros. É uma geração que vai dando sinal que está envelhecendo e, com
ela, um certo jeito de ser Igreja, de se relacionar, de celebrar, de
cantar.
No fundo,
acho que sublimei o conceito de clero e de presbitério , esse conceito de irmandade,
transcende aquele outro mais comum: a de que irmão é alguém com quem temos
afinidade, alguma forma de amor não sexual, alguém com quem podemos contar no
infortúnio, na tristeza, pobreza, doença ou desconsolo. Claro que isso é também
irmandade, mas o sentido profundo desse sentimento desafiador chamado amizade é
proveniente de pessoas, conhecidas e que você partilhou boa parte da sua vida,
elas podem estar distantes ou próximas, mas com seu carinho, nos levam ao
melhor de nós. Precisamos ter a capacidade, de refazer percursos e vidas – privilégio
de alguns, poucos, abençoados – hoje fui tocado pela orfandade, fiquei mais frágil
e desamparado nesta época estranha em que a imagem dos que partiram realmente
destoava.
Dei por mim a ouvir obsessivamente
Cohen. Como se eu quisesse reencontrar um mundo que parece ter acabado. Como se
conseguisse rebobinar a vida e reencontrar-me com uma certa forma de ser e de
estar que estes últimos 30 anos de tanta voracidade consumiram. E ressuscitar
tempos, valores, sentimentos, modelos de sociedade que sucumbiram a esta
loucura cujo destino ignoramos, mas tememos!
Padre Carlos