LAWFARE e as novas formas de golpes
Uma das grandes dificuldades dos
cientistas políticos e dos analistas tem sido a forma como a política e o
direito vêm estreitando suas relações.
Estudar e teorizar conceitos, desenvolvidos por juristas e estrategistas
militares norte-americanos, passou a ser uma constante no Brasil e na América
Latina. O conceito que deu origem este artigo nasceu, terminologicamente, da conjunção
da palavra Law com a palavra Warfare: significa, portanto, a possibilidade de
atingir objetivos bélicos por via do recurso ao Direito e aos sistemas de
justiça.
Mas o que venha ser realmente Lawfare e
como está sendo aplicados estes conceitos? Lawfare na verdade é o uso
estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o
inimigo. No fundo, trata-se, de um uso indevido do Direito – pois,
supostamente, este tem como função restabelecer a paz e não operar como
instrumento de agressão – que, assim, é utilizado para realizar objetivos
exatamente contrários à sua essência.
Como professor de filosofia e não operador
do direito chama a atenção do leitor para visão autopoiética do tema, mas não
podemos deixar de chamar a atenção para o perigo que representa estas vertentes
de pensamento. Mesmo não comungando com tal concepção do Direito, teremos de
reconhecer que esta se constituindo uma corrente hegemônica, com efeitos
positivos, na história recente da humanidade, contribuindo, assim, de algum modo,
para o surgimento de um relativismo que abre mão da hermenêutica e do legalismo.
O grande perigo desta teoria, além de
cínica e programática é o uso do Direito, não apenas - como normalmente
acontece - para regular a tensão gerada pelo desenvolvimento material e
cultural de uma dada sociedade, ante as aspirações que ele gera nas forças
sociais que, para tal desenvolvimento, foram determinantes, mas, justamente,
para desequilibrar os pratos dessa mesma balança.
E, no entanto, é disso que a «lawfare»
trata: do uso do Direito para desequilibrar e esmagar o adversário. Por isso, a
lawfare é, precisamente, uma arma apenas ao dispor dos mais poderosos.
Não podemos achar que a luta contra a
corrupção, buscando os instrumentos legais nacionais e internacionais com que ela
é desenvolvida no plano judicial e – tem de está conectado - a questão da
jurisdição universal e a dos problemas e abusos que ela permite na guerra de
interesses entre regimes políticos.
O simples termo «luta contra a corrupção»,
empregados, de forma vulgar, como se fosse um mantra para chegar ao
inconsciente da população, pelos operadores judiciais, mostra bem como a
intervenção da justiça se move hoje, mesmo que inconscientemente, numa perspectiva
cada vez menos pacífica e pacificadora.
Este tema deveria ser obrigatório nas faculdades
de Direito e nos cursos de jornalismo. Só uma leitura crítica e autocrítica das
funções – e práticas - que juristas e jornalistas exercem poderá evitar a sua
manipulação fácil pelos estrategistas da lawfare, impedindo assim, também, a
deslegitimação do Direito, dos aparelhos judiciais nacionais e internacionais
e, ainda, a da função informativa.
É que, destruída a credibilidade destes,
não se tratará mais de lawfare, mas do Estado de Direito. Não podemos esquecer que a lei é a última fronteira entre a
barbárie da civilização, a linha que separa o livre-arbítrio e o abuso da regra
comum a todos os cidadãos, o laço que, em última instância, nos torna todos
iguais e nos protege do abuso do poder.
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