segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

ARTIGO - LAWFARE e as novas formas de golpes (Padre Carlos)

 


LAWFARE e as novas formas de golpes

 


Uma das grandes dificuldades dos cientistas políticos e dos analistas tem sido a forma como a política e o direito vêm estreitando suas relações.  Estudar e teorizar conceitos, desenvolvidos por juristas e estrategistas militares norte-americanos, passou a ser uma constante no Brasil e na América Latina. O conceito que deu origem este artigo nasceu, terminologicamente, da conjunção da palavra Law com a palavra Warfare: significa, portanto, a possibilidade de atingir objetivos bélicos por via do recurso ao Direito e aos sistemas de justiça.


Mas o que venha ser realmente Lawfare e como está sendo aplicados estes conceitos? Lawfare na verdade é o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o inimigo. No fundo, trata-se, de um uso indevido do Direito – pois, supostamente, este tem como função restabelecer a paz e não operar como instrumento de agressão – que, assim, é utilizado para realizar objetivos exatamente contrários à sua essência.

Como professor de filosofia e não operador do direito chama a atenção do leitor para visão autopoiética do tema, mas não podemos deixar de chamar a atenção para o perigo que representa estas vertentes de pensamento. Mesmo não comungando com tal concepção do Direito, teremos de reconhecer que esta se constituindo uma corrente hegemônica, com efeitos positivos, na história recente da humanidade, contribuindo, assim, de algum modo, para o surgimento de um relativismo que abre mão da hermenêutica e do legalismo.

O grande perigo desta teoria, além de cínica e programática é o uso do Direito, não apenas - como normalmente acontece - para regular a tensão gerada pelo desenvolvimento material e cultural de uma dada sociedade, ante as aspirações que ele gera nas forças sociais que, para tal desenvolvimento, foram determinantes, mas, justamente, para desequilibrar os pratos dessa mesma balança. 

E, no entanto, é disso que a «lawfare» trata: do uso do Direito para desequilibrar e esmagar o adversário. Por isso, a lawfare é, precisamente, uma arma apenas ao dispor dos mais poderosos.

 

Não podemos achar que a luta contra a corrupção, buscando os instrumentos legais nacionais e internacionais com que ela é desenvolvida no plano judicial e – tem de está conectado - a questão da jurisdição universal e a dos problemas e abusos que ela permite na guerra de interesses entre regimes políticos.

O simples termo «luta contra a corrupção», empregados, de forma vulgar, como se fosse um mantra para chegar ao inconsciente da população, pelos operadores judiciais, mostra bem como a intervenção da justiça se move hoje, mesmo que inconscientemente, numa perspectiva cada vez menos pacífica e pacificadora.

Este tema deveria ser obrigatório nas faculdades de Direito e nos cursos de jornalismo. Só uma leitura crítica e autocrítica das funções – e práticas - que juristas e jornalistas exercem poderá evitar a sua manipulação fácil pelos estrategistas da lawfare, impedindo assim, também, a deslegitimação do Direito, dos aparelhos judiciais nacionais e internacionais e, ainda, a da função informativa.


É que, destruída a credibilidade destes, não se tratará mais de lawfare, mas do Estado de Direito.  Não podemos esquecer que a lei é a última fronteira entre a barbárie da civilização, a linha que separa o livre-arbítrio e o abuso da regra comum a todos os cidadãos, o laço que, em última instância, nos torna todos iguais e nos protege do abuso do poder.

 

 

 

 

 

 

 

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