Lula, um democrata, um
estadista?
Era ainda a metade da década de 70 quando comecei a militar nos quadros
da Juventude Operária Católica (JOC), foi na luta que minha geração foi forjada
e por ter acompanhado um pouco da história recente do Brasil, passei a entender
que a saga
de um povo se confunde muito com a história do seu líder. Diante de tudo que
aconteceu com Lula desde as lutas no movimento operário até as masmorras de
Curitiba, podemos entender que não é fácil ficar do lado do povo e da justiça.
Como militante político há mais de quarenta e
cinco anos e professor de filosofia, posso afirmar que Lula há muito tempo
deixou de ser homem e se tornou uma narrativa
ou como costumamos chamar no campo filosófico, um mito. Do grego
mythos (“conto”), um mito remete
para um relato de feitos maravilhosos cujos protagonistas são personagens
sobrenaturais extraordinários (heróis).
Diz-se que os mitos fazem parte do sistema de
crença de uma cultura, que os considera como histórias verdadeiras. Têm a
função de proporcionar um apoio narrativo às histórias centrais de uma
comunidade.
Sendo assim, Lula se
tornou um mito, não pertence mais este plano e seus feitos transcenderam
fronteiras e podemos dizer que já entrou para história. Ao constatar, que esta afirmação é um
consenso que vai da direita à esquerda, temos assim que ter clareza sobre o que
está em jogo, em disputa, é o significado desta narrativa, o que ela
representa.
A direita brasileira criou uma narrativa
sem provas que Lula é o maior corrupto da história do Brasil. Já à esquerda,
declarou e vem conseguido manter seu projeto que este homem é a principal
liderança popular que este país já teve.
Esta é a verdadeira luta que vem se travando
no cenário brasileiro. A disputa está aí. Se não existisse a rede de
computadores se não houvesse uma imprensa alternativa, poderíamos dizer que a
batalha já estaria perdida. Sabemos que não pode haver duas narrativas para a
mesma história. Ou é uma coisa ou é a outra. Cada um que escolha seu lado.
Quando o antropólogo
Claude Lévi-Strauss afirma que todo o mito deve obedecer a três atributos:
tratar de uma questão existencial, ser constituído por
contrários irreconciliáveis e proporcionar a reconciliação desses pólos para
acabar com a angústia, ele termina explicando para a gente porque todo
gesto de Lula tem dimensão simbólica, Lula pega o microfone e o país paralisa
em frente à TV. Os admiradores choram. Os jornalistas a serviço da mídia
hegemônica silenciam. Ninguém fica indiferente as suas palavras e a
personalidade que incorpora.
Ele tem consciência do seu papel na história,
diferente dos seus algozes, sabe perfeitamente que está sendo observado,
conhece muito bem o tamanho que tem e explora com extrema habilidade sua
capacidade de fabricar símbolos.
O
certo, é que Lula é mais que uma idéia: é uma narrativa. Lula inventou e
praticou sentidos. Ele mostrou - pela - sua trajetória - que um mundo melhor é
possível. Lula é um mito. Não um mito do povo brasileiro, e sim, um mito -
agora - da humanidade. A prisão de Lula se tornou um escândalo depois das revelações
da Vasa Jato e da Operação Spoofing, ao mesmo tempo em que se realiza um dos maiores ataques a conquistas
sociais dos trabalhadores e das trabalhadoras, isto reforça a imagem de Lula e
do PT e seus aliados, como os únicos defensores dos trabalhadores e isto, com
certeza, terá grande impacto nas eleições 2022.