A esquerda de coerências e
perfeições
Falar de perfeição
e coerência se torna um mantra na esquerda brasileira. Todas as correntes se
acham o berço da coerência e da perfeição, em momentos de crises as esquerdas
se fecham em suas convicções e não percebem o que esta transcendendo ao seu
conjunto de certezas. Ora, não existem
partidos, correntes ou agrupamentos perfeitos, porque são compostos por homens
e ninguém é perfeito ou sempre coerente o tempo todo. Mesmo as pessoas que se
distinguem por serem modelos de atuação com um elevado grau de coerência são
capazes de nos surpreender com uma reação ou um comportamento que não
esperaríamos. Nesses momentos sentimo-nos traídos, sentimos que os outros são
tão humanos quanto nós e não há nada de que gostemos menos do que perceber a
imperfeição do ser humano, logo a nossa própria imperfeição.
A palavra coerência vem do latim cohaerentia, é aquilo que tem relação entre uma coisa e outra. É um conceito que é usado se referindo a algo que é lógico. Desta forma, somos condicionados a acreditar que tudo em nossa vida deve ter coerência. Foi através da filosofia grega que passamos a ver a logica como medida de conduta. Assim podemos entender Aristóteles quando afirma que «Não se pode dizer de algo que é e que não é no mesmo sentido e ao mesmo tempo». Mas, parece-me que a contradição mais óbvia no mundo é achar que possamos banir a contradição das nossas vidas.
Ora, a
contradição é uma característica inerente ao ser humano. Independente de ser de
direita ou de esquerda temos nossa individualidade e às vezes somos violentados
pelo coletivo por discordar do conjunto. Os maniqueístas acreditavam que o bem o mal
eram duas forças absolutas e irreconciliáveis. E isto afetava também as
pessoas. A prática é outra. Mesmo os projetos individuais tendo os seus
pecados não podemos esquecer em momento algum que o pecador tem lá suas
virtudes e em decorrência disto não deveríamos expulsar do nosso campo ou do paraíso.
Não deveríamos ser julgados por atos isolados, mas por um Projeto de Vida e
Político, direcionado para o bem ou para o mal.
Fica claro, que
as características de que não gostamos, passamos a rejeitá-la e assim, é
difícil aceitar as nossas próprias contradições e, como tal, optamos por
criticar o comportamento dos outros. Exorcizar os nossos defeitos, apontando-os
nos outros é a nossa forma predileta de fingir que somos perfeitos. Este é o
fator sobra que é descrito por Jung.
Nesses momentos sentimo-nos traídos,
sentimos que os outros são tão humanos quanto nós e não há nada de que gostemos
menos no campo da esquerda do que perceber a imperfeição do ser humano, logo a
nossa própria imperfeição.
Olhar os companheiros das outras
correntes que não é a minha, olhar os companheiros dos outros partidos, olhar
todos estes mundos e as suas utopias sem filtros de expectativas
sobrevalorizadas é algo que pouco praticamos. Mas é talvez a melhor forma de
equilibrarmos o que em nós ecoa a nossa humanidade, porque a imperfeição é o
grande milagre que nos torna verdadeiramente humanos. Como diz o verso de um
monge medieval: “É preciso ir além da banal perfeição”. É isso mesmo: a
perfeição pode ainda ser um caminho que trilhamos pela superfície ou constituir
uma ilusão que nos impede de aceder ao verdadeiro e paradoxal estado da vida.
Levamos tanto tempo até perder a mania das coisas perfeitas, até nos curarmos
do impulso que nos exila no aparente conforto das idealizações, ou finalmente
vencermos o vício de sobrepor à realidade um cortejo de falsas imagens!».
Colocarmos o vaso quebrado com a sua
imperfeição para trás, tentando esconder a sua falha e aparentando uma falsa
perfeição, saibamos, sem medo, mostrar as nossas imperfeições e, com elas,
aceitarmo-nos e redescobrirmo-nos. Como diz Leonard Cohen: «Em tudo há uma
falha, é por ela que entra a luz».
Padre Carlos