sábado, 25 de maio de 2019

ARTIGO: O necropoder e as políticas neoliberais ( Padre Carlos )


O necropoder e as políticas neoliberais

            Nestes últimos dias, venho intensificando minhas leituras em um tema que tenho certeza que está relacionado com os fatos políticos e econômicos que vem dominando nossa agenda. Esta temática tem como abordagem filosófica a necropolíticas.
            Necro é o termo grego para ‘morte’. As políticas neoliberais são políticas de morte, políticas públicas de extermínios. Não tanto porque os governos nos matam com sua polícia, mas porque deixam morrer pessoas com suas políticas de austeridade e exclusão. A fase mais perversa do neoliberalismo vem acompanhada da filosofia do soberano, nela o estado exerce o controle sobre a mortalidade e seu papel é definir a vida como a implantação e manifestação de poder. Logo, neste sentido, a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é descartável e quem não é.
             Só assim, podemos entender porque as políticas públicas não chegam aos excluídos, e choca qualquer analista ao constatar, porque o governo deixa morrer os dependentes, os sem-teto, os doentes crônicos, as pessoas nas listas de espera. Porque os corpos que não são rentáveis para o capitalismo neoliberal, que não produzem nem consomem, são deixados para morrer. Não podemos esquecer que este conceito do soberano, se encontra no biopoder (M. Foucault) que remete para o poder de gerir a vida e a morte, separando biologicamente os que merecem viver e os que merecem morrer, neste sentido, numa economia do biopoder a função do racismo do ódio aos excluídos e as minorias é regular a distribuição da morte e tornar possível a função assassina do Estado. 
            O poder neoliberal faz com que os incluídos não confiem nos Excluídos, que os vejam como estranhos, diferentes, desagradáveis e não se solidarizem com eles.
            Queremos chamar atenção para a semelhança desta filosofia com algumas propostas de estrema direitas do início do século passado. A grande dificuldade de enfrentar as propostas necropolíticas dos governos é devido à exclusão, porque as pessoas que ainda não estão excluídas não se identificam com os excluídos. Pensam “este não sou eu”, “isso não vai acontecer comigo. Não se deixam identificar com aquele que sofre, não tem empatia radical. Na realidade, quando você fecha os olhos para as mortes que são produzidas por este sistema, se torna a mão do carrasco com a sua neutralidade e omissão. Não podemos esquecer jamais, que as consequências das políticas da necropolíticas afetam a todos.

Padre Carlos









ARTIGO: Quando não há mais amor


Quando não há mais amor



            Não é de um momento para  outro que  percebemos que o amor morreu. Sabemos e sentimos desde o primeiro instante, mas fechamos os olhos, fechamos o coração, fechamos a alma e à dor como se quiséssemos deletar, apagando assim, estas certezas das nossas vidas.
            E pouco a pouco o silêncio vai se  instalando na nossa mesa e na nossa cama. O afastamento de dois seres que um dia foram um só, vai se apagando como uma vela, como uma vida que foi exaurida. E neste silêncio cabe tudo! As memórias que foram boas e que vão se transformando em decepções, e as que foram más terminam se tornam terríveis.
            Não há mais espaço para nada! O amor só sobrevive se houver carinho, trocas de palavras às vezes em tom elevado, outras ao ouvido. O amor precisa de justiça como de oxigénio. Temos que dar e receber. Necessitamos do ombro do outro de forma que ele  fica sabendo  sem que eu precise falar qualquer palavras.
            E quando morre, o amor não deixa migalhas, não deixa doçura, só mesmo uma raiva surda que vai crescendo diariamente  e consumindo todas as nossas energias. Só o silêncio se mantém. Como se ambos estivessem em um velório onde o incómodo de não saber o que fazer com este corpo que um dia foi doce, profundo,  desejando com todo o instinto possuir aquela carne..
            Com um sorriso na cara, nos apresentamos perante os outros, todos os outros. Porque na verdade não há nada para dizer que alguém possa compreender.
            Os dias passam. Arrastam-se. Cumprem-se as obrigações familiares e sociais.
            E, um dos dois, por vezes ambos, têm cada vez mais os olhos opacos, sem vida, sem esperança.
            As pessoas dizem que com a idade o amor se transforma em amizade.
            Que disparate! O amor é amor! É a urgência do corpo do outro, do sorriso do outro, da história em comum que só eles sabem. Quantas pessoas neste país não vivem neste inferno, unicamente porque não têm condições financeiras para se separarem? Ou condições sociais porque há sempre o peso que vem de fora e julga sem conhecer e entender a realidade do outro.
            Porque somos todos iguais. Apenas alguns fingem melhor do que os outros.
Padre Carlos

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Não é só justiça, tem que ter algo de misericórdia!




Não é só justiça, tem que ter algo de misericórdia!

            Existe hoje um consenso entre os teólogos. que  Jesus de Nazaré foi nesta terra , talvez o único homem , que conseguiu vivenciar e saber fazer uma  experiência verdadeira  do Deus Pai, sem alterar devido ao medos, ambições e fantasmas que, constantemente , as diversas religiões projetam sobre a divindade. Se me perguntasse hoje qual o nome de Deus, eu dia para essa pessoa: O seu nome é misericórdia. E a compaixão é o modo de ser de Deus.
            Foi dentro de uma espiritualidade da misericórdia, que Jesus passa a contar histórias que abalam uma Igreja clericalizada, centrada no culto. Lá está, por exemplo, o bom samaritano. Um homem foi espancado e roubado, ficando meio morto à beira da estrada. E passou por ali um sacerdote, que se desviou para nem olhar para o rosto daquele coitado. O mesmo fez um levita que servia no Templo. Mas um samaritano, estrangeiro e considerado pecador pelos judeus, que não frequentava o Templo, comoveu-se, aproximou-se, cuidou dele e pagou adiantadamente na estalagem, para o tratarem, prometendo que, na volta, pagaria o que faltasse. O doutor da Lei tinha perguntado: "Quem é o meu próximo." Agora, é Jesus que lhe pergunta: "Quem foi o próximo daquele desgraçado?" "O samaritano." E Jesus: "Vai e faz o mesmo." Não o mandou para o Templo. De que vale o culto (Missa a minha oração) desligado da justiça e da misericórdia, da proximidade do excluído e do pobre?
            Para a salvação da nossa alma, Ele não fala de religião, templo e culto, mas de justiça e de misericórdia: "Tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo." E vai haver um espanto: "Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?" E o Deus de Jesus responde: "Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes. Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.”.
            É arrasador: em primeiro lugar o que decide a salvação não são atos de culto, mas os que contribuíram para um mínimo de dignidade humana. Por isso, Jesus, com escândalo de muitos, porque comia com publicanos e pecadores, coloca na boca de Deus as palavras do profeta: "Quero misericórdia e não sacrifícios." O teólogo José M. Castillo comenta de modo frontal: "Jesus afirma aqui que Deus quer que os seres humanos se comovam com bondade e misericórdia para com os outros, mesmo que sejam maus e até se a prática da bondade implicar a violação de uma lei religiosa. Isto, embora seja um escândalo para os mais puritanos, é o que o Evangelho diz", indo até mais longe, ao estabelecer uma "antítese" entre a "misericórdia" e o "sacrifício", isto é: "O que Jesus diz é que, se for preciso escolher entre a "ética" e o "culto" (entre a "justiça" e a "religião"), o que vem primeiro é a ética, a honradez, a defesa da justiça e os direitos das pessoas. Deus não quer que as nossas consciências fiquem tranquilas com missas, rezas, devoções e coisas do género." É preciso restituir a todas as pessoas o seu bem maior: a dignidade.
            E aqui estão as chamadas obras de misericórdia. Misericórdia quer dizer, etimologicamente, olhar com o coração para a miséria do outro, com compaixão, o que significa, também a partir da origem desta palavra pode entender como, sofrer com o outro, fazendo seu o sofrimento dele. A partir daí, há uma comoção e uma reação, que levam a comprometer-se com a erradicação do sofrimento ou, pelo menos, com o seu alívio, de forma imediata.

Padre Carlos


quarta-feira, 15 de maio de 2019

ARTIGO: O Pacto das Catacumbas


O Pacto das Catacumbas
Minha juventude teve a sorte de contar com uma Igreja dedicada a formação dos seus quadros e foi justamente nestes movimentos da ( ACO ), que comecei minha militância política. Desta forma, quando tinha dezessete anos, já participava de forma intensa do movimento sindical através da JOC ( Juventude Operária Católica ).
Em uma palestra no CEAS, o Pe. Confa, que era orientador do movimento, passou a relatar para os presente, como foi concebido a proposta de Igreja Pobres, para os Pobres.
Segundo o jesuíta, durante o Concílio, em resposta à proclamação de João XXIII, um significativo grupo de bispos, entre os quais se encontravam dom Helder Camara, constituiu o movimento “Igreja dos Pobres”. Ao final do Concílio, em 16 de novembro de 1965, este grupo celebrou uma missa na Catacumba de Santa Domitila, em Roma, e firmou o documento que se tornou conhecido como “Pacto das Catacumbas por uma Igreja Serva e Pobre”. Entre outros compromissos, os signatários afirmavam: “Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Nem ouro nem prata.”
Os Bispos Latino-Americanos reunidos em Medellín em 1968 proclamaram um documento de vital importância para a Igreja Católica na América Latina, onde assumiram a chamada “opção pelos pobres”, que depois será reafirmada nas Conferências de Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). O número XIV do Documento de Medellín intitula-se “Pobreza da Igreja” e nele se faz a recepção dos principais pontos do “Pacto das Catacumbas”.
É em profunda sintonia com as posições de Mendellín que Bergoglio exerce o seu ministério episcopal em Buenos Aires. Vive de forma austera, usa os meios de transporte comuns, vai ao encontro dos pobres, estimula seus padres para que se dirijam à periferia. Eleito Papa, mantém os mesmos compromissos. Exorta a Igreja a ir à periferia do mundo e aos pastores a terem um estilo de vida austero como sinal do compromisso evangélico. Os pobres ocupam uma posição central em seu ministério.
Uma Igreja pobre, para os pobres. Papa Francisco nos convoca a viver o Evangelho na solidariedade concreta com o pobre, indo ao seu encontro, sabendo que neles se encontra o próprio Cristo. Como o Samaritano da parábola de Jesus, que nós sejamos capazes de sentir compaixão pelos excluídos, empobrecidos e explorados, vencendo a globalização da indiferença, construindo novas estruturas econômico sociais que não tenham apenas o lucro como objetivo, mas sim o bem viver e o bem-estar de todos, hoje e no futuro.
Padre Carlos.











sexta-feira, 10 de maio de 2019

O Dia das Mães


O Dia das Mães

            A ideia de dedicar um dia às mães nasceu nos Estados Unidos, mas é antiga a forma como todas as culturas e religiões dedicam homenagem àquela que é responsável pelo milagre da vida. Em Portugal e na Espanha, já foi comemorado no dia 8 de dezembro – o significado, no entanto, mantém-se ligado à Virgem Maria.
             “O Dia das Mães” é celebrado no nosso país, no segundo domingo de maio – este domingo. Na Roma Antiga homenageava durante três dias Cibele, mãe de todos os deuses. Na Grécia clássica, a festa era dedicada à deusa Reia – mais ou menos o equivalente a Cibele, também era mãe de todos os deuses gregos –, com a particularidade de Reia ser mulher de Cronos, o deus que trouxe a palavra “cronologia” às culturas latinas, já que regia o tempo que passa. Tal como outras festas religiosas – como o Natal – também o dia das mães se tornou um grande momento para o comércio.
            Nesta data, gostaria de colocar nas minhas orações As Mães brasileiras que perderam seus filhos para a ditadura civil militar e em nome de Zuzu, quero homenagear todas as mães.  Elas que não ponderam segurar os filhos mortos nos braços, enxugar o suor e o sangue de seus poros e dar o beijo da despedida. Não jogou flores sobre o caixão, nem teve uma sepultura para visitar quando a saudade doeu fundo na alma. Também gostaria de lembrar As Mães da Praça de Maio (Madres de Plaza de Mayo) são mulheres que se reúniam na Praça de Maio, em Buenos Aires, para exigirem notícias de seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar na Argentina (1976-1983). Alguns pais, considerados subversivos, tiveram seus filhos retirados de sua guarda e colocados para a adoção durante os sete anos de ditadura.
            Para as mães brasileiras e argentinas que sofreram toda esta paixão e morte, só Maria pode entender esta dor, porque é impossível entender a dor de uma mãe, diz o papa Francisco.
            Ouvindo relatos de algumas mães, este me chamou atenção: Eu gostaria de ver pelo menos o corpo, os ossos da minha filinha, para saber onde ela foi enterrada. Tem que existir nem que seja na nossa memória, algum lugar em que possamos vivenciar estes companheiros e companheiras desaparecidos.
            O memorial que existe na nossa cidade aos desaparecidos políticos, tem o caráter também de explicar a angústia e o sofrimento destas mães.
            O desespero das mães brasileiras foi terrível, não podendo fazer nada além de morrer um pouco a cada dia buscando pelos seus meninos e meninas que não retornaram jamais.

Padre Carlos



quarta-feira, 8 de maio de 2019

A Igreja e sua estrutura de poder


A Igreja e sua estrutura de poder


Vivemos tempos de esperança. A Igreja tem uma "oportunidade de ouro", já que é, sociologicamente falando, católica, espalhada por todo o planeta, e a única instituição mundial que está estruturada, hierarquizada e que forma uma unidade. Não há outra. E é a única com capacidade de opor-se ao capitalismo financeiro dominante, que faz do dinheiro autêntico bezerro de ouro. Desde os tempos de Constantino, nunca a Igreja esteve tão livre do poder. Mas apesar de está vivendo esta primavera de praga, não se libertou ainda do modelo piramidal, com o Papa no vértice e um protagonismo excessivo, para a descentralização em rede, com um nó central que é o papado. “Se houvesse mesmo estas mudanças, entraríamos verdadeiramente na idade de ouro do cristianismo”.


Este é o sonho, nossa utopia concretizável, do sociólogo católico Javier Elzo, expresso e desenvolvido numa obra importante, que obriga a refletir, com o título "Quem manda na Igreja? Um estudo mais profundo sobre a sociologia do poder na Igreja Católica do século XXI".
Evidentemente, a missão da Igreja é que os seus membros e os seus grupos sejam "testemunhas do invisível e ao serviço dos mais pobres e necessitados", aplicando o amor, a denúncia profética de um mundo injusto, a proposta de outro mundo mais justo.
Mas a Igreja é também terrena e precisa de organização. Ora, a sua presente estrutura não se adequa aos tempos atuais nem ao Evangelho, já que "a Igreja somos todos nós". De fato, o que é que se constata? "A voz que se ouve na Igreja é a voz de homens celibatários, enquanto a voz das mulheres e a dos homens casados quase não se ouve. Temos de reconhecer que um organismo que se diz católico, portanto, universal, onde mais da metade dos seus membros, as mulheres, e a grande maioria da outra metade, homens casados ou solteiros, mas não celibatários, quase não têm voz, é um organismo um pouco estranho. Raro. Preocupante." Afinal, quem decide na Igreja e como? Poucos, homens celibatários e de idade muito avançada, de tal modo que, para eleger o seu responsável máximo, o Papa, entre um grupo seleto de pouco mais de cem homens, foi decretado que tenham direito a voto apenas os que não ultrapassaram os 80 anos de idade. Sim, a Igreja, que representa a sexta parte dos habitantes do planeta, é "uma Igreja piramidal, com um Papa com poderes praticamente ilimitados" ("monarca absoluto", diz o teólogo J. M. Castillo), "uma Igreja gerontocrática, masculina, clerical, europeia, Igreja que é governada, em última instância, por poucas pessoas: o Papa, os bispos em exercício e a burocracia da Cúria Romana". O modo de tomada de decisões na Igreja é "hierárquico, vertical, onde não brilha a transparência, e com exclusão da maioria".

Impõe-se um novo modelo de Igreja e de governança, no sentido da sinodalidade, pois o que a todos diz respeito deve ser participado e decidido por todos. A sinodalidade (caminhar em conjunto) é o modelo a seguir em todos os níveis: paroquial, diocesano, provincial, nacional, continental, planetário. Para que a Igreja se afirme como comunhão, Povo de Deus, com a participação de todos.
J. Elzo começa por criticar, aliás na linha do Papa Francisco, que na Filadélfia declarou que o futuro da Igreja passa pelos leigos e pelas mulheres, a clericalização da Igreja. E acentua fortemente que os cargos na Igreja, nomeadamente o papal e o episcopal, devem ser temporários, o que permitiria, por exemplo, eleger um Papa ou bispo mais jovens, já que não haveria o perigo da eternização no cargo.
Pensando na Igreja universal, contra uma Igreja piramidal, centralizada e clerical, propõe uma Igreja em rede, com um Sínodo universal enquanto estrutura permanente, que se reúne periodicamente e não necessariamente em Roma. "Outro modelo de Igreja para o século XXI: uma Igreja em rede, à maneira de um gigantesco arquipélago que cubra a face da Terra, com diferentes nós em diferentes partes do mundo, inter-relacionados entre si e todos religados a um nó central, que não centralizador, que, na atualidade, está no Vaticano. No Vaticano ou noutras partes do planeta, todos os anos se reuniria uma representação universal de bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos, leigos (homens e mulheres), todos sob a presidência do Papa, para debater a situação da Igreja no mundo e adotar as decisões pertinentes.” 
Num mundo globalizado, o Papa tem um papel crucial como líder supremo da Igreja Católica, continuando a ter a última palavra. Mas, com um Sínodo universal, no qual também os leigos têm direito a voto, se ele adotar uma decisão com uma maioria clara (dois terços?), o Papa deveria aceitá-la e "agir em consequência" ou demitir--se. Por outro lado, é preciso atender às diversas culturas, com a inculturação, e não confundir, pois isso seria "um erro mortal", como já tinha prevenido J. Maritain, por exemplo, "latinidade e catolicismo ou ocidentalismo e catolicismo". 
Padre Carlos.


Apologia do terrorismo de Estado


Apologia do terrorismo de Estado

É constrangedor a pretensão do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, em querer criar um memoriai para a data do golpe que implantou o regime militar em 31 de março de 1964. Na ótica deste governo, temos que comemorar um regime que tinha como linha mestra o arbítrio, cassação de direitos como habeas corpus, a tortura de homens e mulheres por discordarem de toda aquela barbárie. Não há menor possibilidade de defesa ética, moral e histórica dessa data, que na referência em nível mundial, não nos engrandece; pelo contrário, nos coloca numa página obscura, numa página que temos, na pior das hipóteses, tentá-la esquecer. Mas como esquecer tal agressão? Como comemorar um golpe inconstitucional ao Estado Democrático de Direito?
Durante o período foram presas mais de 5 mil pessoas, além de vários casos de civis que sofreram com brutalidade e torturas. Não podemos esquecer que entre os anos de 1964 e 1973, 4.841 pessoas foram punidas com perdas de diretos políticos, cassação de mandatos, aposentadorias e demissões. 513 políticos tiveram seus mandatos cassados, 35 dirigentes sindicais perderam direitos políticos. Sei o que estou falando, porque vivi na pele o período de chumbo, como sei que muitos militares nunca aceitaram a democracia, se o Estado Maior pensa deste jeito é um direito dos militares pensarem dessa forma, mas utilizar o dinheiro público ministerial é inconstitucional.
Não podemos negar, que este governo, está na contramão da história, o poder público brasileiro constrange a sua cidadania. O que se homenageia e resgata ao querer resgatar, foi um dos regimes mais sangrentos de toda a história do país, uma verdadeira ditadura. Se isto ocorresse na Argentina, país onde a Justiça se incorporou à recuperação das responsabilidades dos crimes cometidos durante a ditadura, uma homenagem como essa seria punida por apologia do terrorismo de Estado. No Brasil, um fato como esse se reduz à mera discussão política. Que uma iniciativa como essa não gere um escândalo imediato mostra o grau de despolitização ou de desconhecimento que ainda impera no conjunto da sociedade brasileira. No Brasil, infelizmente a indignação com tal proposta ficou restrita a certos setores da sociedade civil, e a situação ainda não foi revista.
O conhecimento é a chave para a melhor compreensão do cotidiano das ditaduras, suas formas de controle, a ausência de proteção estatal, a conexão regional de segurança nacional, a participação de funcionários públicos e de estruturas estatais (que, em vez de proteger seus cidadãos, por motivações políticas os perseguiram). Essas práticas e experiências estimulam reflexões sobre conceitos como democracia, autoritarismo, liberdade, direitos humanos, justiça, cidadania ou crimes de lesa humanidade. Em síntese, a dimensão política desta luta aprofunda uma percepção cidadã sobre o papel das instituições, dos protagonistas sociais e os limites da tolerância política. Pode-se dizer que tal constatação é o resultado, mais do que a ausência de “políticas de memória”, da aplicação deliberada de “políticas de esquecimento”, ou seja, a proposição de ações de “esquecimento: sonegação de informação e difusão de informações ambíguas”.
Como foi afirmado antes concluo com a convicção de que a sociedade brasileira - e particularmente a juventude -, não é alienada, omissa ou descomprometida diante do passado imediato. Bem pelo contrário, quando ela se apropria de informação, de forma criteriosa, reflexiva, sedenta por mais informação. A palavra indignação é uma boa medida para expressar o que sentimos com a iniciativa do governo brasileiro. Desta forma, muitos já começam a ter uma dimensão mais realista do que foram aqueles fatos; a legítima indignação que motiva escraches e denúncias de impunidade. A indignação de gerações que foram alvo de uma política de desconexão histórica, tanto a geração que teve seu protagonismo interditado, apagado ou deturpado pela “história e pelo silêncio oficial”, quanto as mais novas, atingidas no seu processo de formação social, cultural e político, pelas ausências e sequelas daquele apagamento.
Assim, gostaríamos de afirmar que a pretensão do Presidente é a sacralização de uma história e de uma memória e narrativa oficial. Também, precisa-se reafirmar a intenção do fechamento do espaço para outras memórias e versões históricas.
Ditadura nunca mais, todos de preto no dia 31 de março!
Padre Carlos
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ARTIGO - A geração que fez a diferença! (Padre Carlos)

A geração que fez a diferença!      Decorridos tantos anos do fim da ditadura, observa-se que a geração da utopia está partindo e a nova...