Calígula ao Johnny Bravo
Calígula, e a sua loucura e total
indiferença pelas vidas alheias continuam a ser o modelo no qual encontramos
todos os fascistas.
Faz alguns anos que li a peça de
teatro Calígula, de Albert Camus, estreada no ano de 1945, mas revendo meus
apontamentos fiquei surpreso com a semelhança de certas figuras do nosso cotidiano.
Quando o escritor existencialista
estreou, este espetáculo, dois Calígulas modernos, saiam da cena
política: Hitler e Mussolini, inicialmente apoiados pelo povo alemão e pelo
povo italiano – sinal inquietante –, foram finalmente derrotados pelos Aliados,
ao cabo de mais de 50 milhões de mortos. O que nos remete uma preocupação com o
novo personagem daquela peça de Camus:
Assim como o nosso Johnny Bravo, Calígula
“inflamava o coração dos romanos procurando a popularidade por todas as
formas”. A mesma preocupação que têm, 20 séculos depois de Calígula, o nosso
presidente busca através dos novos coliseus e utilizando das grandes
concentrações legitimar seu projeto de governo autoritário. Onde seus
projetos neoliberais prosperam, quer de forma imposta quer com uma roupagem de
democracia, tudo parece ser permitido. Com o crescente desdém pelas normas
éticas, sem dúvida, a sinistra progressão dos baixos instintos, quer na
política nacional, quer na política mundial, com óbvia influência nos conflitos
que assolam o planeta.
Sem esquecer os contextos históricos
tão distintos, bem podemos dizer, hoje, que as terríveis atrocidades cometidas
por Calígula durante os três anos, dez meses e oito dias (do séc. i d.c.) em
que reinou como imperador – até ser assassinado quando tinha 29 anos – só muito
dificilmente poderia ser comparadas com as carnificinas cometidas durante o
séc. xx, Holocausto incluído, e mesmo com as carnificinas já cometidas, ou
ainda em curso, no séc. XXI. Mas, Calígula tem como companheira, a sua loucura e a total indiferença
pelas vidas alheias, estes continuam sendo o modelo no qual se pode rever,
indubitavelmente este nosso presente. Bolsonaro também despreza a vida e a
dignidade dos adversários, mas, além de ser, de longe, o mais desfavorecido
pela inteligência, ainda não passou à prática o que nele há de pior. No
entanto, há em quase todos estes políticos brutais – assim como no Calígula
caracterizado por Suetónio – “dois vícios absolutamente opostos: uma insolência
extrema e, por outro lado, uma extrema covardia”. E não nos iludamos em relação
ao seu amigo e atual Presidente dos EUA. Bolsonaro está disposta a ignorar
todas as violações dos direitos humanos, ou todos os assassínios cometidos por
um Estado, desde que este tenha boas relações pessoais com Donald Trump – que é
mais evidente e repugnante.
Desfazendo acordos, pactos e
tratados internacionais – com o perverso prazer de um menino mimado que vai
colocando abaixo uma construção de valores e patrimônios que o pai ou o avô
ergueu pacientemente para entreter –, Trump e os EUA”.
Além do Brasil e dos EUA, podemos
constatar que é cada vez mais presente na Europa a presença desta “nova
“ordem”“. Estamos vivenciando uma forte presença destes Calígulas na Hungria
como na Polónia, mas também em França e, sobretudo na Itália. Estes são capazes
de assumir claramente as suas origens históricas e ideológicas, sem nenhum
constrangimento. Com isto, presenciamos alguns jornalistas (também aqui no
Brasil,) que acham incorreto atribuir aos movimentos populistas de direita
antecedentes fascistas ou nazis, porque se trata – dizem eles – de um fenómeno
político novo (?) que nem eles sabem ainda no que vai dar (!). Ou seja: há
palavras que revelam ou escandaliza e que, por isso, não devem ser usadas na
imprensa supostamente “nas grandes mídias do país”. Todavia, não é nada difícil
– nem sequer tabu – identificar não só a nostalgia dos autoritarismos da
primeira quadra do século passado, mas também as raízes desses populismos
autoritários em ascensão na Europa, no Brasil e na EUA, claramente neofascistas
e neonazis.
Padre
Carlos