domingo, 4 de agosto de 2019

ARTIGO - A meritocracia brasileira ( Padre Carlos )




A meritocracia brasileira

            Um dos grandes defeitos dos governos do PT, foi não fazer com que as pessoas que estavam sendo beneficiadas pelos programas de governo que buscavam diminuir a desigualdade, entendessem que a melhora da qualidade de vida estava relacionada a estas ações governamentais. É justamente quando estas medidas passam a ter resultados e estas diferenças começam a ser constatada de forma clara, que as pessoas passaram a acreditam na meritocracia. E o que mais nos impressiona e contraria todas as analise critica é constatar que é justamente onde há maiores diferenças entre ricos e pobres, isto é no sul e sudeste do país, que encontramos mais pessoas que aceitam que o mundo é justo e que com esforço qualquer um consegue chegar ao sucesso.
            Quando tomamos consciência que vivemos num mundo dominado por um enorme individualismo, que valoriza a autodeterminação e a independência, todas estas coisas passam a ter sentido para gente. O ser capaz de ter sucesso por si próprio, o ser “special one”, diferente dos outros. Por isso, afirmar que se deve aos outros o sucesso pessoal seria um gesto de coragem e enfrentamento a ideologia burguesa vigente, mas foi à pura verdade. A psicologia social mostra que muitas das nossas escolhas e mesmo a ideia que fazemos de nós próprios são determinadas em grande parte pelas relações que mantemos com as outras pessoas. Como é que um jovem negro, que estudou em escola pública a vida toda, chega a uma universidade federal através de cotas é recebido pelo conjunto de alunos oriundos de camadas abastardas e de alguns professores que reproduzem uma ideologia de classe, é justamente nesta hora que passamos a entender a importância do Movimento Negro e das ONGS que fazem este trabalho para que os jovens negros possam construir uma autoestima positiva diante de tanta “diversidade”.  
  
          Não, não somos tão autónomos ou independentes como pensamos. Somos o resultado de muitas experiências, todas elas experiências sociais. Sem o ambiente social em que nos movemos – ou em outro ambiente social – seríamos pessoas diferentes. E chegamos mesmo a ser pessoas diferentes em diferentes contextos sociais.  Somos capazes de exprimir opiniões contraditórias em grupos diferentes, como por exemplo, de concordar num contexto com as “barrigas de aluguer” e em outro discordar. Para não ferir sensibilidade, para não provocar divergências, para não sermos vistos como diferentes – tudo isto é claro, com boas razões, mas onde esta mesmo a nossa tão proclamada independência e “personalidade”?
            A crença no individualismo é mais que uma certeza é uma ideologia que perpassa todas as camadas da nossa sociedade burguesa e tem como primícias que, com força de vontade, cada um consegue superar as dificuldades que enfrenta e ter sucesso, estão profundamente enraizadas. E está associada outra crença muito difundida e que não prestamos atenção como governo: a da meritocracia. Acredita-se que o mundo é justo e que o sucesso se alcança através do mérito pessoal. Que quem se esforça sempre alcança que quem merece irá ser bem-sucedido, e que quem é pobre, alguma coisa fez para isso, alguma culpa tem.
            Estas ideias de sucesso – ou de insucesso – pressupõem pensar nas pessoas como indivíduos isolados, vivendo num vacum social, como se todos fôssemos iguais e não houvesse barreiras ou incentivos às nossas ações. É uma ideia profundamente falsa, porque sabemos que o jogo é de carta marcada e que o juiz é parcial, que os pilares da nossa sociedade foram assentados em desigualdades que não têm nada haver com justiça. Que não é necessariamente quem merece que tem mais, que nem sempre o esforço ou a bondade são recompensados.
            Desta forma, de acordo um estudo de uma equipa de psicólogos sociais e sociólogos com dados recolhidos junto de amostras representativas da população brasileira, as ideias meritocracias estão muito difundidas entre nós. Só cerca da metade das pessoas discordam de afirmações como a de que, “de uma maneira geral, as pessoas merecem aquilo que lhes acontece”, o que mostra que existe ainda uma grande adesão a estas ideias meritocracias.
     
       E não se trata “apenas” de ideias feitas. Estas ideias têm consequências negativas. A primeira é a validação das desigualdades sociais. A investigação na psicologia social mostra que as crenças individualistas e meritocracias são um dos principais mecanismos cognitivos que mantêm a tolerância ou mesmo a cegueira face às desigualdades sociais. Apesar de o Nordeste brasileiro ser uma região pobre, é nas regiões mais ricas, isto é, no sul e sudeste do país em que encontramos uma maior desigualdade e em decorrência disto, encontra um terreno fértil para as pessoas acreditarem na meritocracia. É justamente onde há maiores diferenças entre ricos e pobres que encontramos mais pessoas que aceitam que o mundo é justo e que com esforço qualquer um consegue chegar ao sucesso.
            Enquanto continuarmos acreditando que merecemos e conquistamos tudo sozinhas, sentiremos menos que devemos algo e, em decorrência disto poderemos continuar com a nossa neutralidade em decorrências as lutas que se travam na sociedade. 

Padre Carlos



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