sábado, 10 de agosto de 2019

ARTIGO - Nostalgia ( Padre Carlos )




Nostalgia


       Não. Não vou falar do governo de Bolsonaro nem das suas maldades e das suas causas profundas. Não vou falar da crise da democracia e da representação dos poderes. Não vou falar do momento complexo que o Brasil vive pós-golpe e da falta de esperança no campo democrático. Também não vou falar da vergonha do Ministro Sergio Mouro e do Ministério Público com as revelações que estão vindo a público e das responsabilidades políticas e criminais de quem as cometeu e compactuou com todas as agressões a democracia e a nossa Constituição.     Não vou falar em nada disto porque os meios de comunicação estão cheios destes  artigos e os comentários proliferam, as análises sobrepõem-se e resta aguardar o seu desfecho – bons ou maus – se confirmem e esperar que a realidade das coisas nos surpreenda.
  
     Se vocês permitirem, hoje vou falar do sentimento de perda que esta semana registei ao encontrar no facebook a foto de um companheiro que a muito não tinha notícias, amigo e irmão dos anos de chumbo. É uma geração que vai desaparecendo e, com ela, certa forma de estar, de ser, de se relacionar, de escrever, de cantar, mas, também de lutar e acima de tudo de amar. Foi uma semana em que minhas lembranças da fundação do PT, da primeira campanha em 82 com voto vinculado, da propaganda politica que parecia uma página policial, afinal a maioria tinha sido preso político, do grupo de jovens, da militância e dos amigos da infância.
       Todo mundo tem momentos da vida que lembra com carinho, como os que eu descrevi nos primeiros parágrafos. Um lugar que você ia, coisas que fazia pessoas que já não convive mais. Lembro-me do que passou com ternura e muito emocionado. E muitas vezes desejamos que tudo aquilo voltasse, nem que só por alguns momentos. "Como era bom", pensamos.
     
  Como se quisesse reencontrar um mundo que parece ter acabado. Como se conseguisse rebobinar a vida e reencontrar-me com certa forma de ser e de estar que estes últimos 60 anos de tanta voracidade consumiram. E ressuscitar tempos, valores, sentimentos, modelos de sociedade que sucumbiram a esta loucura cujo destino ignoramos, mas tememos!
       Ao completar neste vinte e sete de janeiro sessenta anos, temos que agradecer a Deus por esta conquista! Outro fato inportante é poder festejar também neste dez de fevereito os quarenta anos do Partido dos Trabalhadores. Assim, convoco os menestréis   e os poetas para expressar o que eu sinto neste dia: “Chega de saudade
A realidade
É que sem ela não há paz
Não há beleza
É só tristeza
E a melancolia 
Que não sai de mim
Não sai de mim, não sai”.

Padre Carlos




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sexta-feira, 9 de agosto de 2019

ARTIGO - Calígula ao Johnny Bravo ( Padre Carlos )




Calígula ao Johnny Bravo
            


           Calígula, e a sua loucura e total indiferença pelas vidas alheias continuam a ser o modelo no qual encontramos todos os fascistas.
            Faz alguns anos que li a peça de teatro Calígula, de Albert Camus, estreada no ano de 1945, mas revendo meus apontamentos fiquei surpreso com a semelhança de certas figuras do nosso cotidiano.
            Quando o escritor existencialista estreou, este espetáculo, dois Calígulas modernos, saiam da cena política: Hitler e Mussolini, inicialmente apoiados pelo povo alemão e pelo povo italiano – sinal inquietante –, foram finalmente derrotados pelos Aliados, ao cabo de mais de 50 milhões de mortos. O que nos remete uma preocupação com o novo personagem daquela peça de Camus:
     
       Estamos agora no séc. XXI, no tempo de Calígulas pós-moderno e com capacidade de exterminar dez vezes maior e seus opositores e vitimas continuam acreditando na democracia e no Estado de Direito enquanto a fera é alimentada.  “Agora mandam os Johnny Bravo”.  Por mais que busquemos explicação sobre as razões que teriam feito o mundo entrar numa era de crueldade e de impunidade para os poderosos, não consigo encontrar uma resposta que justifique tal conjuntura.
            Assim como o nosso Johnny Bravo, Calígula “inflamava o coração dos romanos procurando a popularidade por todas as formas”. A mesma preocupação que têm, 20 séculos depois de Calígula, o nosso presidente busca através dos novos coliseus e utilizando das grandes concentrações legitimar seu projeto de governo autoritário.   Onde seus projetos neoliberais prosperam, quer de forma imposta quer com uma roupagem de democracia, tudo parece ser permitido. Com o crescente desdém pelas normas éticas, sem dúvida, a sinistra progressão dos baixos instintos, quer na política nacional, quer na política mundial, com óbvia influência nos conflitos que assolam o planeta.
            Sem esquecer os contextos históricos tão distintos, bem podemos dizer, hoje, que as terríveis atrocidades cometidas por Calígula durante os três anos, dez meses e oito dias (do séc. i d.c.) em que reinou como imperador – até ser assassinado quando tinha 29 anos – só muito dificilmente poderia ser comparadas com as carnificinas cometidas durante o séc. xx, Holocausto incluído, e mesmo com as carnificinas já cometidas, ou ainda em curso, no séc. XXI. Mas, Calígula tem como companheira, a sua loucura e a total indiferença pelas vidas alheias, estes  continuam sendo o modelo no qual se pode rever, indubitavelmente este nosso presente. Bolsonaro também despreza a vida e a dignidade dos adversários, mas, além de ser, de longe, o mais desfavorecido pela inteligência, ainda não passou à prática o que nele há de pior. No entanto, há em quase todos estes políticos brutais – assim como no Calígula caracterizado por Suetónio – “dois vícios absolutamente opostos: uma insolência extrema e, por outro lado, uma extrema covardia”. E não nos iludamos em relação ao seu amigo e atual Presidente dos EUA. Bolsonaro está disposta a ignorar todas as violações dos direitos humanos, ou todos os assassínios cometidos por um Estado, desde que este tenha boas relações pessoais com Donald Trump – que é mais evidente e repugnante.
            Desfazendo acordos, pactos e tratados internacionais – com o perverso prazer de um menino mimado que vai colocando abaixo uma construção de valores e patrimônios que o pai ou o avô ergueu pacientemente para entreter –, Trump e os EUA”.
            Além do Brasil e dos EUA, podemos constatar que é cada vez mais presente na Europa a presença desta “nova “ordem”“. Estamos vivenciando uma forte presença destes Calígulas na Hungria como na Polónia, mas também em França e, sobretudo na Itália. Estes são capazes de assumir claramente as suas origens históricas e ideológicas, sem nenhum constrangimento. Com isto, presenciamos alguns jornalistas (também aqui no Brasil,) que acham incorreto atribuir aos movimentos populistas de direita antecedentes fascistas ou nazis, porque se trata – dizem eles – de um fenómeno político novo (?) que nem eles sabem ainda no que vai dar (!). Ou seja: há palavras que revelam ou escandaliza e que, por isso, não devem ser usadas na imprensa supostamente “nas grandes mídias do país”. Todavia, não é nada difícil – nem sequer tabu – identificar não só a nostalgia dos autoritarismos da primeira quadra do século passado, mas também as raízes desses populismos autoritários em ascensão na Europa, no Brasil e na EUA, claramente neofascistas e neonazis.
   
         Estamos sob ataque  do domínio do narcisismo – patológico em Calígula – e que também parece afetar, hoje, elites arrogantes, aparentemente revoltadas, que desprezam o povo. É, aliás, o narcisismo que, quer na política quer na imprensa, sustenta as imagens tabloides de narcisistas do Sr. Jair Messias Bolsonaro, para só citar os exemplos mais óbvios, o Presidente do STF admitiu em uma revista de grande circulação, que o atual presidente esta brindado e existe um pacto para impor o seu projeto de governo.

Padre Carlos




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quinta-feira, 8 de agosto de 2019

ARTIGO - Quinhentos anos de lutas ( Padre Carlos )




Quinhentos anos de lutas




            Durante o mês de agosto, faremos seis artigos resgatando estes cinco séculos de luta do povo brasileiro. Nosso objetivo é tentar ajudar aos mais novos construir uma linha do tempo tendo as lutas e conquistas deste povo como tema central.
            Assim, trabalharemos os seguintes acontecimentos:
                        Descobrimento e o Brasil Colônia;
                        A chegada da Família Real e o Império;
                        A primeira República;
                        Revolução de trinta e a era trabalhista;
                        Golpe de 64 e a Ditadura;
                        Nova República aos dias de hoje;
            Quando estudamos a História, aprendemos que sua importância esta relacionada acima de tudo a compreensão dos fatos para não cometermos os mesmos erros do passado; mas acima de tudo, para que tenhamos a oportunidade de organizar o agora e o porvir de modo mais seguro. Sob tal perspectiva, o estudo dos fatos consumados sempre teve um valor estratégico. Em outras palavras, essa ideia sugere que a análise e a crítica do passado determinam o alcance de um futuro livre das mazelas que um dia nos afligiu.
            O termo História vem do grego e significa "historie", "conhecimento através da investigação “testemunha”. História é a ciência que estuda a vida humana através do tempo, analisando a ação do Homem no tempo e no espaço. Através dos variados testemunhos deixados pelos nossos ancestrais conseguimos reconstituir o passado, compreender o presente e precavermo-nos para o futuro. É o estudo do passado para entendermos o presente, mas de um passado vivo, que está presente em nós, uma vez que somos o resultado de tudo o que aconteceu.
            Não devemos esquecer as nossas memórias, porque um país sem memória caminha desorientado, pois não conhece seu passado, não tem consciência do seu presente, e não projeta perspectiva no futuro.
            Assim, só através da história poderemos entender como fomos constituídos como Nação, e que Ela representa um culto do solo, o gênio da língua, a inspiração da poesia, a música do patriotismo, a fé da religião, a força da ideologia, a vocação da liberdade e do direito; todos esses valores que as gerações memorizam e consagram movidas da esperança, e do propósito e do pensamento de fazê-los eternos e indestrutíveis como as forças supremas da natureza, sobre as quais não tem o homem jurisdição para aplicar a pena capital e extingui-las.
            Foi por entender a importância deste tema e apesar de ter a filosofia como formação, que tento buscar neste trabalho o debate e a compreensão dos desafios da nossa democracia, isto é não deixar que o esquecimento das nossas lutas e conquistas, que o sentimento de nação possa nos resgatar da nossa inercia diante daqueles que usam a falta de memória do nosso povo  como instrumentos demagógicos, exatamente, esse tipo de patologia que já Aristóteles, na velha Grécia, denunciava como sendo a mais grave doença da democracia. A memória curta, na história e na política.


Padre Carlos




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ARTIGO - A riqueza que não procuramos ( Padre Carlos )




A riqueza que não procuramos

            Na nossa vida há situações que nos marcam para sempre são estes casos que recordamos de vez em quando, devido a sua importância e seus gestos que fogem da rotina normal do nosso dia-a-dia. 
            De um modo geral, é curioso constatar que, apesar de nos marcarem muito, esses casos passam muitas vezes despercebidos e pouco falamos deles. Isto se deve a correria e as coisas que priorizamos em nossas vidas; são estas atitudes que nos desvia a atenção daquilo que é essencial. 

           Um dos grandes problemas é que não percebemos que estamos cegos para enxergar a beleza da vida à ação do humano e do sagrado no nosso cotidiano, somos levados pela corrente do ter a procura de um reconhecimento, num mundo que ‘vai girando ao sabor da fantasia’. Citando Antoine de Saint-Exupéry: « O essencial é invisível aos olhos.  Só se pode ver com o coração ».
            Este caso que vou apresentar a vocês hoje é um exemplo clássico que toda regra tem suas exceções.  Mostra precisamente os valores defendidos por um pobre homem, pobre aos olhos dos homens, mas rico no seu íntimo, que visitei em uma comunidade rural quando exercia o ministério sacerdotal. 
O dito senhor, através de outra pessoa, perguntou-me se  podia levar a Comunhão e se confessar na sua casa, visto já não podia deslocar-se até a igreja para receber os sacramentos. É importante aqui esclarecer que o sacramento da comunhão é assistido pelos ministros, mas, se tratando do sacramento da reconciliação, fiz algumas mudanças na minha agenda e fui atender aquele homem.
            Quando cheguei ao destino, o Sr. Joaquim – que participou de tantos encontros da CEB,s, tantas vezes participou das celebrações e que agora já não pode sair de casa devido a problemas de locomoção – recebeu-me de lágrimas nos olhos. E, em dada altura, disse-me isto: «Padre Carlos, sou um pobre, como vê, mas sou dono da maior riqueza que Deus me podia dar». «Como, sim?», perguntei-lhe, com curiosidade. «Fui eu que durante dez anos cuidei da minha irmã que não podia sair de casa e também tratei sozinho da minha mulher, nos últimos três anos de vida, aqui nesta casa. Esta dupla riqueza ninguém poderá me tirar ». Sem conseguir articular bem as palavras, disse-lhe apenas: «Que orgulho! Aprecio o seu exemplo! Fantástico!».
            Quando voltei para casa paroquial, aquelas palavras não me saíam da cabeça. Só pensava na lição que este grande homem me tinha dado e na quais todos devemos refletir. Por isso, aqui deixo mais este caso da vida real, especialmente à consideração dos que procuram ver «o essencial invisível aos olhos».
    
        Nos nossos dias, testemunhos como este é raro se encontrar. Ser rico à custa de bens materiais é fácil e termina sendo o nosso conceito. Mas quando se é rico na pobreza, os valores são outros, e pouco falamos sobre estas coisas. É um privilégio só para alguns.
             E nós? De que lados nos colocaram? 

Padre Carlos



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quarta-feira, 7 de agosto de 2019

ARTIGO - Uma Igreja de martírio ( Padre Carlos )




Uma Igreja de martírio


            Não podemos negar que os mártires, tiveram um papel fundamental na construção do pensamento coletivo da Igreja.  O modelo dos martírios confirma a Igreja de todas as épocas e nos ensina que a escolha por Jesus não é optar pelo caminho mais fácil, mas pelo caminho certo, independente do contexto histórico em que vivemos. A palavra mártir vem do grego mártys, mártyros, que significa testemunha. O mártir é uma testemunha qualificada que chega ao derramamento do próprio sangue.
   
         Não podemos entender este acontecimento como uma patologia, não contextualizar tal decisão e não compreender tal gesto como ação própria do seu tempo é descontextualizar esta quadra da história. Na verdade, desde o início da Igreja, muitos cristãos tiveram que testemunhar a sua fé ao preço do próprio sangue, pois havia forças hostis ao cristianismo, que se expressavam de forma radical no governo e na cultura. Lembremos aqui o testemunho comovente de Santo Estevão, Santo Inácio de Antioquia, São Policarpo, Santas Perpétua e Felicidade e tantos outros.
 O amor a Igreja e o testemunho da fé ainda em alguns lugares do planeta são pago com a própria vida. Hoje em todo o mundo, muitos são perseguidos e mortos por causa da fé que professam. Isso não só entre os cristãos, mas em várias confissões religiosas. O objetivo é mostrar, através de seus luminosos exemplos, que morrer confessando a fé não é algo incomum, nem tampouco inacessível para quem realmente ama Cristo. Qual a diferença entre o Coliseu em Roma e as Igrejas de São Paulo em Mosul e Sant'Elia em Aleppo na Síria, nenhuma, todos estes lugares foram tingido de vermelho, como o sangue dos mártires cristãos, este ultimo, no sábado, 24 de fevereiro de 2018.

           Hoje, podemos vivenciar este testemunho através de uma espiritualidade em que o martírio diário se faz presente. Diante disto, o essencial na vida do cristão passa a ser inspirado no mais puro amor, ajudando os irmãos, principalmente os mais pobres a terem forças suficientes para sobreviver à miséria imposta e as enfermidades através da Fé Católica.
            Enquanto não tomarmos consciência, do que isto quer dizer no vocabulário e na prática eclesial, continuaremos sem entender a missão da Igreja nem o papel que os mártires exerceram e exerce em nossas vidas.

Padre Carlos



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terça-feira, 6 de agosto de 2019

ARTIGO | “Vigiar e Punir” (Padre Carlos)



“Vigiar e Punir”




          Nem sempre é fácil destrinçar a linha, por vezes muito ténue, que separa a civilização da barbárie. A própria história da humanidade, nos revela múltiplas formas de barbárie. Há, porém, ocasiões em que essa demarcação se pode estabelecer com absoluta nitidez.
Quando assim é, tudo se torna simultaneamente mais simples e mais dramático. Podemos afirmar que esta fronteira pode ser bem representada com a situação em que se encontram os nossos presídios e a população carcerária.


            Com isto, queremos chamar a atenção da comunidade sobre esta questão e lembrar a sociedade, que estas pessoas infelizmente não fazem parte das políticas públicas de segurança e que os presídios são a válvula de escape para quando todo o resto falhar.


            O filósofo francês Michel Foucault descreve em sua obra clássica “Vigiar e Punir” como os Estados europeus foram, no século XIX, aprimorando seu direito de punir os que decidiam viver às margens da lei. Foucault nos mostra que os europeus foram fazendo o suplício desaparecer e definindo o caráter essencialmente corretivo da pena.




Descrição
Vigiar e punir: nascimento da prisão é um livro do filósofo francês Michel Foucault, publicado originalmente em 1975 e tido como uma obra que alterou o modo de pensar e fazer política social no mundo ocidental. Só foi publicado no Brasil traduzido em 1987.


            Eles modularam os castigos de acordo com as culpas. As punições passaram a ser menos físicas e mais mentais. Foucault diz ainda que se passou a ter uma “discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação”. Mas, isso foi lá na Europa. Aqui no Brasil não aconteceu nada disso.


            Importamos o modelo da masmorra medieval e com ele seguimos até hoje. Nós não temos presídios modernos para onde os transgressores da lei possam ser levados para purgarem suas culpas e poderem voltar ao convívio da sociedade. O que temos são esses deploráveis centros de ajuntamento de indesejáveis. Para lá mandamos aqueles que não queremos ao nosso lado. Enviamos com a esperança que, de lá, nunca mais saiam. E se tiverem que sair que, pelo menos, estejam mortos.


            Mas, criamos locais para que os transgressores bem-nascidos e a elite política e econômica possam ter alguma punição sem que sejam despojados de suas condições econômicas, sociais e políticas. Cuidamos bem da elite que vai parar atrás das grades, sempre com a esperança que ela possa retornar ao convício social como se nada tivesse acontecido.


            Já com os “Josés” e as “Marias” de sempre a coisa é diferente. Não queremos ressocializar ninguém. Para que mesmo vamos dar mais uma chance para aqueles que não merecem ter oportunidades, pois nasceram pobres e pobres devem morrer.


            Assim, nosso modelo de masmorra medieval nos serve bem, pois lá se pratica toda sorte de castigos corporais e mentais. Lá se aniquila aos poucos, e com requintes de crueldades, aqueles que nos achamos que, afinal de contas, merecem mesmo. O fato que demostra de forma claro o que estou falando, é só olharmos a nossa volta, somos de alguma forma responsável pelos 62 presos mortos no massacre no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará, na segunda-feira (29/07/2019), 26, ou 41%, ainda aguardavam julgamento, segundo informações divulgadas pelo sistema penitenciário do Estado. Entre os 58 detentos que perderam a vida no presídio, 25 eram provisórios, 26 condenados, e apenas sete foram julgados e respondiam pela pena.
            Quatro vítimas morreram durante a transferência, na quarta-feira (31/08/2019), para outras cadeias do Estado. Destes, um era provisório, um condenado e os demais já haviam sido condenados.
Quem não se lembra da chacina de 56 detentos no maior presídio do Amazonas e o que o poder público fez para tentar retomar o controle das cadeias.


            Como Padre e coordenador da Pastoral Carcerária, tive a oportunidade de visitar vários presídios e constatar que existe na verdade uma reprodução de um modelo que é nacional. Vimos que a questão carcerária não é parte das políticas públicas de segurança e que os presídios são a válvula de escape para quando todo o resto falhar.


            Os governos parecem nos dizer que não temos que nos preocupar se as políticas públicas nas áreas de educação, saúde e moradia falharem, pois sempre teremos as masmorras para atirar os que o Estado não conseguir atingir com seu enorme braço.


            Qualquer pessoa que conhece a realidade sabe que o sistema prisional brasileiro está falido e desestruturado. Segundo dados oficiais, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Dos presos, mais da metade é constituída por jovens menores de 30 anos, em sua maioria pobre e negra e com baixo grau de instrução escolar. Quase a metade está em situação provisória, constituída de pessoas que ainda não foram julgadas ou nem sequer ouvidas e indiciadas.


            Com isso tudo, não estou querendo dizer que devemos ser benevolentes para com os marginais vindos das camadas mais baixas. Também não acho que piorar o que já não presta é a solução. E, por favor, não me falem em pena de morte.


            Pois, num país onde ainda se morre por causa da picada de um mosquito e de disenteria e diarreia, por falta de esgotos, não é preciso mais utilizar esse expediente medieval, de um tempo em que o Estado ainda não tinha aperfeiçoado suas maneiras de punir.


            No decorrer dos séculos, homens e mulheres sinceros têm lutado para diminuir a injustiça e aumentar a justiça. Assim os Movimentos de Direitos Humanos vem buscando as reforma necessárias com o objetivo de agilizar o nosso sistema. Processos jurídicos e sistemas judiciais têm sido revisados e reorganizados. Ainda assim, a injustiça continua!


            Não podemos esquecer que antes de ser juiz, Deus é telespectador das nossas ações. Nenhuma atitude deixará de ser julgada. Para Ele, não existe justiça cega.


Padre Carlos





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segunda-feira, 5 de agosto de 2019

ARTIGO - A Teologia da Libertação é resgatada ( Padre Carlos )


A Teologia da Libertação é resgatada


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            Quando fiquei sabendo através da imprensa sobre o convite feito pala Pontifícia Comissão para a América Latina convidando o padre peruano Gustavo Gutiérrez para, no congresso comemorativo dos 40 anos da Conferência de Puebla (no Vaticano de 2 a 4 de outubro), falar sobre a opção preferencial pelos pobres, na hora passou um filme na minha mente e agradeci a Deus por ter me dado esta oportunidade de poder assistir o grande encontro da Igreja com os oprimidos.
          
  Este convite ao teólogo que é considerado um dos "pais da Teologia da Libertação" me deu alento e me fez acreditar, que se trata de um novo passo do Vaticano na reabilitação dessa corrente teológica.
            As coisas não acontecem por acaso, em setembro de 2013, o Papa já havia recebido Gustavo Gutiérrez na Casa de S. Marta e foi justamente naquele encontro ou poderia dizer, naquele abraço fraterno que o Pontífice lhe dera, que me chamou a atenção para a possibilidade deste fato. Na sua visita pastoral a Lima, voltou a se encontrar com este teólogo, no início de 2018. Ainda no ano passado, quando o teólogo peruano completou 90 anos, o Papa endereçou-lhe uma afetuosa carta: "Uno-me à tua ação de graças a Deus e agradeço-te pela tua contribuição à Igreja e à humanidade através do teu serviço teológico e do teu amor preferencial pelos pobres e descartados da sociedade", escreveu o Papa. Nessa carta auforia, Francisco agradeceu também a Gutiérrez os seus esforços e a sua "forma de interpelar a consciência de cada um, para que ninguém fique indiferente perante o drama da pobreza e da exclusão".
            O convite a Gutiérrez para falar em Roma põe fim a décadas de condenação do seu pensamento teológico e salvaguarda o aspeto mais relevante da Teologia da Libertação: a opção preferencial pelos pobres. Um conceito a que o Concílio Vaticano II abriu caminho e que as Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano consolidaram. A terceira delas decorreu em 1979, na cidade de Puebla de Los Angeles, no México.
            É verdade que a Teologia da Libertação, ao fazer uma leitura marxismo, defendeu postulados que a Igreja não podia acolher – é justamente daí que vinheram as sucessivas condenações por parte da Congregação da Doutrina da Fé. Nem tudo, porém, está errado nesta teologia. E essa parece ser a mensagem que o Vaticano e o Papa pretendem agora passar ao acolher e louvar um dos seus proeminentes teólogos.
            A Teologia da Libertação sempre deu muita relevância, para algumas ferramentas de pesquisas, são estas às ciências humanas e sociais. A antropologia, a psicologia, a sociologia foram durante anos olhadas com desconfiança ela instituição, mas a Igreja não pode descartar o seu interesse para a sua ação pastoral. Pelo contrário, deve acolher as suas contribuições e utilizar tudo aquilo que ajude a compreender melhor o homem, a cultura e a sociedade para melhor anunciar o Evangelho.
     
       Sabemos que o responsável por não aceitar a TL não o fazia por maldade, mas, o medo na guerra fria, era deixar corromper o anúncio do Evangelho com uma filosofia, psicologia ou sociologia. Este perigo não é de hoje. Já aconteceu com o platonismo, que introduziu na fé cristã o dualismo de alma e corpo, que não é cristão. Como falei esta semana em outro artigo, para Jesus Cristo, o corpo não era mau, sujo e pecaminoso, nem a alma pura, bela e encarcerada num corpo do qual tinha de se libertar.
            Diante disto tudo, podemos hoje afirmar, que a filosofia marxista tem conceitos válidos para serem utilizados pela teologia na proclamação do Evangelho, como tem também outros que são inaceitáveis. A Teologia da Libertação terá que entender que esta filosofia é mais uma ferramenta de estudo e interpretação. Só assim poderá ser útil a uma Igreja ao serviço dos pobres.

Padre Carlos



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ARTIGO - A geração que fez a diferença! (Padre Carlos)

A geração que fez a diferença!      Decorridos tantos anos do fim da ditadura, observa-se que a geração da utopia está partindo e a nova...