“A luta do bem contra o mal”.
Quando estudamos a história da
Igreja e a cristandade, terminamos não mais conseguindo, resumir a humanidade à
partilha dos nossos valores, mesmo que se trate de direitos humanos. Existe
quem não queira viver nesse crivo e quem não se reveja nele. Qual a nossa
legitimidade para impor os nossos valores ou mesmo uma democracia? A resposta
não é simples
Existe um consenso na opinião pública sobre a maldade dos
Talibãs e é transversal da esquerda à direita, das mulheres aos homens. Esse consenso
só é quebrado quando alguém da esquerda se refere aos Talibãs como sendo
extrema-direita ou quando surge a questão do acolhimento a refugiados ou a da
análise da oportunidade e do mérito da intervenção dos Estados Unidos.
Várias razões impedem-me de participar no consenso. Uma
delas são a própria história do ocidente e como a cristandade impôs sua cultura
dizimando civilizações ao longo da história. Assim, ficamos com um lado mouro.
Reconheço valores nos Talibãs e reconheço motivos para terem chegado aonde
chegaram, causas para serem o que são.
Os guerrilheiros Talibãs cresceram nos campos de
refugiados junto à fronteira do Afeganistão, no Paquistão, quando os soviéticos
invadiram o país, durante a guerra e no período que se seguiu. Foram dezesseis
anos. Eram campos sujos, de miséria extrema. Os Talibãs cresceram privados de
qualquer estímulo ou entretenimento que não a leitura do Alcorão ou o planejamento
da luta contra os opressores. A crueldade das suas leis e suas práticas é uma
evidência de tudo que este povo tem vivido. Não podemos negar que eles nunca esconderam
este comportamento e seus códigos de éticas: enforcamentos, amputações,
execuções de mulheres, como castigos para os comportamentos contrários aos que
resultavam da sua interpretação do Alcorão.
Chegaram ao poder sete anos depois da saída da União
Soviética, tendo sido um período marcado pela violência, crueldade e
radicalismo islamita. Como dizia Robert Fisk, a visão política de governo dos
talibãs era muito mais do que uma tentativa de Teocracia, ela tem como base a
recriação ou continuação da vida que conheceram nos campos de refugiados.
Foi em 2001, na seqüência dos ataques do 11 de setembro e
da intervenção militar dos Estados Unidos no Afeganistão, que os talibãs foram
afastados do poder e começaram, até agora, um período de luta e de resistência.
Qual a relação entre a intervenção militar dos Estados
Unidos e os atentados do 11 de setembro? Continua por esclarecer. A
justificação dada foi a do acolhimento que os Talibãs davam à rede terrorista
Al Qaeda e a Osama Bin Laden. Na verdade, a justificação dada por George W.
Bush foi: “A luta do bem contra o mal”. Ora aqui está um conceito muito talibã.
O povo afegão, martirizado por sucessivas guerras, não merecia tal destino. O
povo afegão foi tão mártir como os mártires que estavam nas torres gêmeas no
dia 11 de setembro. Cerca de cinqüenta mil civis perderam a vida nesta guerra.
Estas vidas não podem ser menos valorizadas que as outras. Partir desta base de
entendimento será o mínimo de honestidade do Ocidente para qualquer raciocínio
a seguir. De igual modo não devem ser anunciadas as atrocidades cometidas pelos
Talibãs durante a guerra e ignoradas as do outro lado, também as que precederam
a guerra. Não é justo. Sobretudo este procedimento internacional – e refiro-me
ao de reforçar todas as crueldades cometidas por muçulmanos e o de desvalorizar
as cometidas pelos Estados Unidos ou por forças aliadas – tem sido uma base da
perpetuação do ódio e de um conflito de civilização.