terça-feira, 24 de agosto de 2021

ARTIGO - Porque os Talibãs são a representação do mal? (Padre Carlos)

 

“A luta do bem contra o mal”.

 






Quando estudamos a história da Igreja e a cristandade, terminamos não mais conseguindo, resumir a humanidade à partilha dos nossos valores, mesmo que se trate de direitos humanos. Existe quem não queira viver nesse crivo e quem não se reveja nele. Qual a nossa legitimidade para impor os nossos valores ou mesmo uma democracia? A resposta não é simples


        


As pessoas gostam de ler as notícias que se identificam com suas verdades para que possam reforçar o que já pensavam. Não gostam muito de contraditórios. Por outro lado têm a certeza absoluta da sua razão e preferem defendê-la sem a pôr em causa.

Existe um consenso na opinião pública sobre a maldade dos Talibãs e é transversal da esquerda à direita, das mulheres aos homens. Esse consenso só é quebrado quando alguém da esquerda se refere aos Talibãs como sendo extrema-direita ou quando surge a questão do acolhimento a refugiados ou a da análise da oportunidade e do mérito da intervenção dos Estados Unidos.

Várias razões impedem-me de participar no consenso. Uma delas são a própria história do ocidente e como a cristandade impôs sua cultura dizimando civilizações ao longo da história. Assim, ficamos com um lado mouro. Reconheço valores nos Talibãs e reconheço motivos para terem chegado aonde chegaram, causas para serem o que são.

Os guerrilheiros Talibãs cresceram nos campos de refugiados junto à fronteira do Afeganistão, no Paquistão, quando os soviéticos invadiram o país, durante a guerra e no período que se seguiu. Foram dezesseis anos. Eram campos sujos, de miséria extrema. Os Talibãs cresceram privados de qualquer estímulo ou entretenimento que não a leitura do Alcorão ou o planejamento da luta contra os opressores. A crueldade das suas leis e suas práticas é uma evidência de tudo que este povo tem vivido. Não podemos negar que eles nunca esconderam este comportamento e seus códigos de éticas: enforcamentos, amputações, execuções de mulheres, como castigos para os comportamentos contrários aos que resultavam da sua interpretação do Alcorão.

Chegaram ao poder sete anos depois da saída da União Soviética, tendo sido um período marcado pela violência, crueldade e radicalismo islamita. Como dizia Robert Fisk, a visão política de governo dos talibãs era muito mais do que uma tentativa de Teocracia, ela tem como base a recriação ou continuação da vida que conheceram nos campos de refugiados.

Foi em 2001, na seqüência dos ataques do 11 de setembro e da intervenção militar dos Estados Unidos no Afeganistão, que os talibãs foram afastados do poder e começaram, até agora, um período de luta e de resistência.

Qual a relação entre a intervenção militar dos Estados Unidos e os atentados do 11 de setembro? Continua por esclarecer. A justificação dada foi a do acolhimento que os Talibãs davam à rede terrorista Al Qaeda e a Osama Bin Laden. Na verdade, a justificação dada por George W. Bush foi: “A luta do bem contra o mal”. Ora aqui está um conceito muito talibã. O povo afegão, martirizado por sucessivas guerras, não merecia tal destino. O povo afegão foi tão mártir como os mártires que estavam nas torres gêmeas no dia 11 de setembro. Cerca de cinqüenta mil civis perderam a vida nesta guerra. Estas vidas não podem ser menos valorizadas que as outras. Partir desta base de entendimento será o mínimo de honestidade do Ocidente para qualquer raciocínio a seguir. De igual modo não devem ser anunciadas as atrocidades cometidas pelos Talibãs durante a guerra e ignoradas as do outro lado, também as que precederam a guerra. Não é justo. Sobretudo este procedimento internacional – e refiro-me ao de reforçar todas as crueldades cometidas por muçulmanos e o de desvalorizar as cometidas pelos Estados Unidos ou por forças aliadas – tem sido uma base da perpetuação do ódio e de um conflito de civilização.


Esse conflito vai continua existindo enquanto formos incapazes de reconhecer os erros próprios e enquanto nossos olhos estiverem vedados para a possibilidade de olharmos para quem está no outros lados com vontade de entender e com disponibilidade para admitir o que têm de bom não chegarão a lugar algum. Alinhar na narrativa simplista da maldade dos Talibãs e na da loucura dos milhões que, no mundo árabe, clamam justiça já começa a dar sinais de que tem alguma coisa errada nas verdades ocidentais.

 

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