O caráter festivo da Celebração Eucarística
Sabendo que estava próximo à sua morte, Jesus entendeu que era
necessário oferecer uma ceia, a Última Ceia. Nela, abençoou o pão e o vinho,
que significam a entrega da sua pessoa por amor a todos e disse: "Fazei
isto em memória de mim." Os primeiros cristãos reuniam-se e, recordavam
com carinho este grande acontecimento: essa Ceia, o que Jesus fez. Assim, repetiam celebrando um ágape, o
"partir do pão", uma refeição festiva e fraterna em sua memória,
abertos a um futuro novo de Vida. E desta forma, aconteceu o que ninguém poderia
prever, talvez a maior revolução nestes dois mil anos de história: se algum
senhor se convertia verdadeiramente à fé cristã, sentava-se agora na mesma mesa
que os seus escravos, em fraternidade.
Todos estes acontecimentos de caráter festivo não podem se perder
devido uma mudança de mentalidade do Mystérion ao
Sacramentum. Em memória de mim, recordem tudo isto! E como dizia o Irmão
Michel de Taizé, recordar é uma palavra muito rica, pois significa voltar
a passar pelo coração.
Infelizmente, ao longo dos séculos, a Missa foi perdendo esse carácter
de banquete festivo e fraterno e começou a ser concebida como sacrifício. Foi a
partir desta transformação, que resultaram nos equívocos que presenciamos até
os dias de hoje. Foi introduzido na Celebração, uma concepção cultual
sacrificial, que contradiz desta forma, a revelação essencial de Jesus:
"Deus é amor incondicional." Portanto, não precisa de sacrifícios
expiatórios.
Com este entendimento de sacrifício, embora o Novo Testamento tenha
evitado a palavra, apareceu o sacerdote que oferece o sacrifício. Com a
celebração diária da Missa enquanto sacrifício, impõe-se a obrigação do
celibato, pois o sacerdote está separado, à parte, e, tocando no Corpo do Senhor,
não pode tocar a profanidade impura do corpo da mulher. Precisamente por esta
razão, a mulher é excluída do sacerdócio, já que é naturalmente impura. Esta
visão, beira o ridículo! Certa vez ouvir de um bispo conservador: como é que a
mulher, feita para ser mãe, poderia sacrificar o Filho de Deus?
Diante de tais fatos, os sacerdotes acabaram adquirindo um poder
divino: o de "trazer Cristo à Terra", realizando o milagre da
transubstanciação do pão e do vinho. Se se casarem, são "reduzidos"
ao estado laical, como se ser clérigo fosse um estado mais nobre dentro da
Igreja. Nesta situação de "redução", existe hoje mais de cem mil,
que, em uma outra conjuntura ou um novo quadro de compreensão, poderiam prestar
grandes serviços à Igreja e ao mundo.
Foi assim, que a Eucaristia deixou de ser celebração festiva em que
todos participavam ativamente, para tornar-se um sacrifício objetivo autónomo,
que o padre até podia celebrar sozinho e que oferecia pelas almas do purgatório
e outras intenções.
Hoje me pergunto: é possível ir à Missa e não comungar? A celebração da memória de Jesus deve implicar
uma real conversão ao seu projeto. E aí estão os católicos "não
praticantes": foram batizados, mas não vão à Missa. Pergunta-se: mas
praticam a justiça e a fraternidade, aliviando a cruz de tantos?
E, depois, esta distorção: as "Missas oficiais", a que
assistem agnósticos, ateus, indiferentes, patifes e políticos que fazem mal a milhões
de pessoas e entram na fila da Eucaristia sem arrependimento.
Quando me perguntam se os católicos acreditam na presença real de Jesus
Cristo na Eucaristia? A resposta é sim. Mas é preciso distinguir entre presença
física e coisista e a presença real pessoal. Um homem e uma mulher, pela
relação sexual, estão fisicamente presentes, mas, se não houver amor, estão
realmente ausentes como pessoas. Também pode acontecer que tenham de estar
fisicamente ausentes, mas, se houver amor, continua a presença real entre eles.
Enquanto houver a síndrome de Corinto, não haverá Eucaristia: Corinto representa
as nossas contradições: enquanto uns comem para se lambuzar e se embebedam,
outros irmãos passam fome.
Padre Carlos
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