sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

ARTIGO - Ciro e o coronelismo moderno (Padre Carlos)


Ciro e o coronelismo moderno

O último acontecimento ocorrido na cidade de Sobral no Ceará chama atenção de toda a nação para dois comportamentos inaceitável em um Estado Democrático. O primeiro tem haver com o comportamento das lideranças da Polícia Militar local. O segundo com a atitude do Senador Cid Gomes e a forma como esta liderança tentou acabar com o motim da Polícia do “seu” Estado. Não estou querendo com este artigo justificar o comportamento miliciano dos policias cearense neste episódio. Nosso objetivo é avaliar a atitude de um Senador da República em um conflito local.

Não somos críticos à esquerda e não estamos acusando a Família Ferreira Gomes de ser representante do “coronelismo” do Estado do Ceará. Mas, quando um clã passa a ocupar diversos cargos políticos em uma determinada região, termina chamando a atenção dos cientistas políticos seja de direita ou de esquerda. Ciro foi Governador, seu irmão Cid Gomes também, e seu outro irmão Ivo Gomes é Prefeito de Sobral, cidade de origem e reduto eleitoral dos Ferreira Gomes. Além disso, o Governador até 2022, Camilo Santana, foi eleito com o apoio de Ciro, bem como o Prefeito de Fortaleza até 2020, Roberto Cláudio. Por outro lado, não podemos negar que o voto é centro vital de todo o sistema coronelista e que a influência dos coronéis está no seu poder de mando, de coerção junto à população local. É desta forma que a família Ferreira Gomes, mantém sua força, ou seja, o voto. No entanto, gostaria de chamar a atenção do leitor, que a base de sustentação do coronelismo está na sua estrutura poder, fornecendo subsídios necessários para as outras forças que possa compor a nível nacional.
Quando presenciamos Ciro Gomes criando um show em matéria de direito constitucional e dizendo, hora que Lula é inocente, hora que é culpado; entendemos os verdadeiros motivos. O papel do coronel não necessariamente deve ser daquele que possui bem capital ou terras, podendo ser uma pessoa que possua ensino superior, já que esta prática se difunde muito no Brasil, formando advogados e médico e criando uma cultura que distancia o povo das elites. Nesta, encontramos a defesa  da formação acadêmica para ocupar posições de mando, que política é pra gente rica e que existem famílias na elite local que defende o pobre e podem fazer o confronto com o coronel da Primeira República.
Mas de onde vem esta tradição política da família Ferreira Gomes? Podemos afirmar que esta vocação foi herdada do pai deles, José Euclides Ferreira Gomes, que foi Prefeito de Sobral na passagem dos anos 1970/80.  José Euclides era um funcionário público e não um coronel proprietário de terras, ou outro meio que lhe desse a proeminência social característica do coronelismo. Apesar de uma brilhante carreira, podemos avaliar esta trajetória de sucesso desta família, com novos elementos da ciência política para tentar entender como e quando surge este projeto político e como chegaram de fato ao poder em seu estado.  Seria possível caracterizar Ciro e a Família Ferreira Gomes como representantes de um suposto “coronelismo moderno”?  É preciso analisar esta trajetória e as propostas políticas defendidas por eles.
Pode-se concordar ou não com o projeto que Ciro Gomes vem apresentando nos últimos anos, como alternativa para o Brasil, no entanto, é preciso analisar corretamente o significado de sua biografia, sua participação como gestor público, e as idéias que defende, para julgá-lo pelo que realmente é, ainda que sua guinada para o centro, abandonando a esquerda, tenha arranhado seus prestígios e alimentado uma divisão dentro deste campo, não podemos negar sua importância no plano nacional. Este comportamento dos Ferreira Gomes, apontam para um novo fenômeno na cena política brasileira: uma parcela significante da esquerda está se deslocando para o centro. Parece paradoxal, e é; trata-se de uma tendência pela adesão a itens da pauta conservadora, com o intuito pragmático de conquistar os setores das classes médias que se opõem a forma de governar e a falta de postura ética do bolsonarismo. 
Para se opor, mas não com base em preconceitos, mas com conceitos da filosofia política, podemos afirmar que sabíamos o tempo todo que se tratava de um coronelismo moderno com característica semelhante do que surgiu, na região da baixada fluminense, mais especificamente no município de Duque de Caxias no período compreendido entre 1952 e 1964, a partir da construção da figura mítica de Tenório Cavalcante, conhecido como o Homem da Capa Preta. Assim Ciro, com um programa claramente desenvolvimentista, focado na industrialização, ampliação dos direitos sociais, distribuição de renda e modernização da educação pública encantou uma esquerda que achava que tinha desaparecido com o golpe de 64. Leonel Brizola do PDT foi um dos maiores entusiastas da candidatura de Ciro, apoiando-o em 2002. Brizola se aproximou de Ciro pela afinidade histórica com a tradição nacional-desenvolvimentista e trabalhista representada por Getúlio Vargas e João Goulart: na campanha de 2002 a coligação de Ciro com o PDT de Brizola chamava-se “Frente Trabalhista” usados de forma distorcida como meros adjetivos não-históricos.
Assim, acredito que ao subir naquela retro escavadeira e tentava furar um bloqueio feito por policiais no 3º Batalhão da Polícia Militar do município, o Senador carrega um simbolismo de está disposto a lutar e dar a vida se for preciso pelo povo, mas o povo não pode fazer sozinho, precisa da elite local que esta do seu lado.
Como disse Bertolt Brecht Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis.

Padre Carlos






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