A guerrilha do Araguaia e minha geração
Hoje estava pensando nos
companheiros de militância e uma frase que ouvir de um amigo que viveu parte de
sua juventude na clandestinidade me chamou atenção para entender o sentimento
de perda que os poucos sobreviventes do Araguaia vivenciaram: “a metade de mim
que arrancaram, não sei se foi do corpo ou da alma que foi mutilado, só sei que
dói e esta dor, não tem prazo de validade”. Afinal, a “saudade é o revés de um
parto” Ela é a única dor que não tem nenhum remédio que a faça parar de doer.
Ela tem cheiro, tem voz, tem endereço e até um nome e sobrenome.
Acredito que estas lembranças estão associadas
à leitura que acabei de fazer do livro Borboletas e Lobisomens, de Hugo
Studart. Confesso que esta obra me surpreendeu e fez suscitar emoções que eu
acreditava que tinha ficado no passado, este excelente trabalho jornalístico teve
como objetivo a Guerrilha do Araguaia; o livro de Studart descreve a aventura
de jovens da cidade embrenhados na selva amazônica, lutando para sobreviver e
devido à superioridade do adversário, o Comitê Central, sabia que aqueles
meninos e meninas não teriam nenhuma chance de sair daquele conflito com vida.
Não se tratava de soldado, eram jovens sonhadores, sim, 71
guerrilheiros, entre homens e mulheres que sonhavam em derrotar um poderoso
exército, fazer uma revolução e derrotar a ditadura militar.
Um dos pontos que fizeram a gente
questionar a direção do partido e criar as condições para que pudéssemos rachar
com o Comitê central, foi à necessidade de levantar qual a nossa parcela de
culpa em todo o processo. Na medida em
que eles lutavam, suas ideologias eram consumidas por um novo mundo que estava
se formando. Suas ideias de revoluções ficavam cada vez mais velhas, nesse meio
tempo em que eles lutavam por elas. Enquanto lia aquele livro, veio à tona a
imagem de muitos militantes que tombaram naquela selva e em especial de uma
líder estudantil Helenira Resende, Preta, como era carinhosamente chamada pelos
amigos, estudava na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Ativista
no movimento estudantil era uma líder que encantava com sua oratória e sua
capacidade de organização, foram estas qualidades que levaram esta jovem
militante a vice-presidente da UNE. Ao integrar às Forças Guerrilheiras do
Araguaia, Preta animava os companheiros e levantava a moral daqueles militantes
promovendo saraus de poesia e música ao redor da fogueira. Contudo, em 29 de
setembro de 1972, tombou heroicamente em combate e seu corpo até hoje continua
desaparecido. São casos como este que levaram muitas das divergências
que nosso grupo, travava com o Comitê Central, sobre a guerrilha do
Araguaia e a consolidação do movimento estudantil como política de massa.
No mesmo tempo em que eles lutavam
pela revolução social, outros jovens em universidades ao redor do mundo faziam
a revolução pelas vias democrática tentavam transformar sua realidade e fazia
críticas às ideias do Partido Comunista da URSS e dos líderes chineses. Estes
já se preparavam para novos tempos: globalização e a crise das utopias. Acima daqueles
militantes existia uma direção partidária com pessoas experientes que tinham
como avaliar como era desproporcional as forças em combates e aqueles jovens na
verdade só queriam fazer história, sem perceber o perigo e o rumo que ela
tomava, independentemente deles e dos militares que enfrentavam. Estes gestos e
coragem mostram também o heroísmo e a capacidade de sonhar dos guerrilheiros.
Eles nos deram o exemplo de heroísmo
e de luta a ser seguido hoje, com novas ideias e novos métodos. Não mais as
armas, mas as urnas; não mais estatizar a economia e a sociedade, mas promover
a liberdade, construindo uma economia eficiente e assegurando igualdade no
acesso à educação e à saúde, respeitando o meio ambiente e com democracia.
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