domingo, 23 de janeiro de 2022

ARTIGO - A guerrilha do Araguaia e minha geração (Padre Carlos)

 



       A guerrilha do Araguaia e minha geração



 

 

 Hoje estava pensando nos companheiros de militância e uma frase que ouvir de um amigo que viveu parte de sua juventude na clandestinidade me chamou atenção para entender o sentimento de perda que os poucos sobreviventes do Araguaia vivenciaram: “a metade de mim que arrancaram, não sei se foi do corpo ou da alma que foi mutilado, só sei que dói e esta dor, não tem prazo de validade”. Afinal, a “saudade é o revés de um parto” Ela é a única dor que não tem nenhum remédio que a faça parar de doer. Ela tem cheiro, tem voz, tem endereço e até um nome e sobrenome.

Acredito que estas lembranças estão associadas à leitura que acabei de fazer do livro Borboletas e Lobisomens, de Hugo Studart. Confesso que esta obra me surpreendeu e fez suscitar emoções que eu acreditava que tinha ficado no passado, este excelente trabalho jornalístico teve como objetivo a Guerrilha do Araguaia; o livro de Studart descreve a aventura de jovens da cidade embrenhados na selva amazônica, lutando para sobreviver e devido à superioridade do adversário, o Comitê Central, sabia que aqueles meninos e meninas não teriam nenhuma chance de sair daquele conflito com vida. Não se tratava de soldado, eram jovens sonhadores,  sim,  71 guerrilheiros, entre homens e mulheres que sonhavam em derrotar um poderoso exército, fazer uma revolução e derrotar a ditadura militar.

Um dos pontos que fizeram a gente questionar a direção do partido e criar as condições para que pudéssemos rachar com o Comitê central, foi à necessidade de levantar qual a nossa parcela de culpa em todo o processo.  Na medida em que eles lutavam, suas ideologias eram consumidas por um novo mundo que estava se formando. Suas ideias de revoluções ficavam cada vez mais velhas, nesse meio tempo em que eles lutavam por elas. Enquanto lia aquele livro, veio à tona a imagem de muitos militantes que tombaram naquela selva e em especial de uma líder estudantil Helenira Resende, Preta, como era carinhosamente chamada pelos amigos, estudava na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Ativista no movimento estudantil era uma líder que encantava com sua oratória e sua capacidade de organização, foram estas qualidades que levaram esta jovem militante a vice-presidente da UNE. Ao integrar às Forças Guerrilheiras do Araguaia, Preta animava os companheiros e levantava a moral daqueles militantes promovendo saraus de poesia e música ao redor da fogueira. Contudo, em 29 de setembro de 1972, tombou heroicamente em combate e seu corpo até hoje continua desaparecido. São casos como este que levaram muitas das divergências que nosso grupo, travava com o Comitê Central, sobre a guerrilha do Araguaia e a consolidação do movimento estudantil como política de massa.

 

No mesmo tempo em que eles lutavam pela revolução social, outros jovens em universidades ao redor do mundo faziam a revolução pelas vias democrática tentavam transformar sua realidade e fazia críticas às ideias do Partido Comunista da URSS e dos líderes chineses. Estes já se preparavam para novos tempos: globalização e a crise das utopias. Acima daqueles militantes existia uma direção partidária com pessoas experientes que tinham como avaliar como era desproporcional as forças em combates e aqueles jovens na verdade só queriam fazer história, sem perceber o perigo e o rumo que ela tomava, independentemente deles e dos militares que enfrentavam. Estes gestos e coragem mostram também o heroísmo e a capacidade de sonhar dos guerrilheiros.

 

Eles nos deram o exemplo de heroísmo e de luta a ser seguido hoje, com novas ideias e novos métodos. Não mais as armas, mas as urnas; não mais estatizar a economia e a sociedade, mas promover a liberdade, construindo uma economia eficiente e assegurando igualdade no acesso à educação e à saúde, respeitando o meio ambiente e com democracia.

 


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