O
que eu ganhei e o que eu perdi ao sair do clero
A saudade do presbitério
Hoje vou falar do
sentimento da perda que registei com particular evidência. A exclusão do clero
é evidente agora, você depois de alguns anos percebe que aqueles camaradas lhe
esqueceram e você não faz mais parte nem do passado delas. Quantos anos morei
com aquelas pessoas, dividir o espaço do quarto, da sala, do refeitório e hoje
você constata que tudo aquilo não representa mais nada. O carinho que você
sente por estes, suas lembranças da filosofia e da teologia, são na verdade
seus fantasmas que ficam povoando suas memórias. A irmandade, a amizades de
décadas e as histórias de vida se perderam no tempo, só você é que não
percebeu.
Mesmo sentindo a
indiferença, confesso a vocês que não posso negar que me alegra ao ver aqueles
companheiros. É uma geração que vai dando sinal que está envelhecendo e, com
ela, um certo jeito de ser Igreja, de se relacionar, de celebrar, de cantar. No
fundo, acho que sublimei o conceito de clero e de presbitério , esse conceito
de irmandade, transcende aquele outro mais comum: a de que irmão é alguém com quem
temos afinidade, alguma forma de amor não sexual, alguém com quem podemos
contar no infortúnio, na tristeza, pobreza, doença ou desconsolo.
Claro que isso é também
irmandade, mas o sentido profundo desse sentimento desafiador chamado amizade é
outro. Amizade é algo que se constrói com o tempo, com a convivência, com a
partilha, com a confiança. Amizade é algo que se mantém mesmo na distância,
mesmo na divergência, mesmo na mudança. Amizade é algo que se renova a cada
encontro, a cada abraço, a cada palavra.
Eu sei que muitos dos meus
antigos colegas ainda me consideram um amigo. Eu sei que eles não me excluíram
por malícia ou por indiferença. Eu sei que eles têm suas vidas ocupadas e seus
problemas para resolver. Eu sei que eles também sentem saudades de mim. Mas eu
também sei que eles não me procuram mais como antes. Eu também sei que eles não
me convidam mais para os seus eventos. Eu também sei que eles não me incluem
mais nos seus planos. Eu também sei que eles não me veem mais como um igual. E
isso dói.
Dói saber que eu perdi
algo tão precioso quanto a amizade de quem eu tanto admirei e respeitei. Dói
saber que eu deixei de fazer parte de um grupo ao qual eu dediquei tanto amor e
serviço. Dói saber que eu me tornei um estranho para quem eu chamei de irmão.
Eu não quero voltar ao ministério sacerdotal. Eu não quero voltar à instituição
eclesiástica. Eu não quero voltar ao presbitério. Eu só quero voltar a sentir
que eles ainda são meus amigos. Eu só quero voltar a ter um espaço na vida
deles. Eu só quero voltar a ser lembrado e valorizado.
Eu sei que isso pode parecer egoísmo ou ingratidão da minha
parte. Eu sei que fui eu quem escolheu sair do ministério e da Igreja. Eu sei
que fui eu quem rompeu com o vínculo que
me unia a eles.
Mas eu também sei que não fiz isso por capricho ou por
rebeldia. Eu também sei que não fiz isso por falta de fé ou de vocação. Eu
também sei que não fiz isso por desamor ou por traição.
Eu fiz isso por coerência. Eu fiz isso por honestidade. Eu
fiz isso por liberdade.
Eu não me arrependo da minha decisão. Eu não me sinto
culpado pelo meu caminho. Eu não me lamento pela minha situação.
Eu só me sinto triste pela minha solidão.
Eu sei que há muitas pessoas que me amam e me apoiam aqui
fora. Eu sei que há muitas pessoas que me respeitam e me admiram aqui fora. Eu
sei que há muitas pessoas que me querem bem e me fazem bem aqui fora.
Mas nenhuma delas pode substituir aqueles que eu deixei lá
dentro. Nenhuma delas pode entender o que eu vivi lá dentro. Nenhuma delas pode
compartilhar o que eu aprendi lá dentro.
Por isso, eu sinto falta do presbitério. Por isso, eu sinto
falta do clero. Por isso, eu sinto falta dos meus amigos.
Eles foram uma parte importante da minha vida. Eles foram
uma parte importante de mim.
E eu espero que eles saibam disso.
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