terça-feira, 29 de setembro de 2020

ARTIGO - A democracia latino-americana está ferida (Padre Carlos)

 


 

A democracia latino-americana está ferida

 


Em 2012, publiquei um artigo em um blog da nossa cidade, e para minha tristeza algumas das questões que tratei nele tornam-se realidade pelas mãos da direita latino-americana.

      


"Para Chico Buarque não existe pecado do lado de baixo do Equador! Ou seria crime contra a democracia? Caetano expressa muito bem o que gostaria de dizer:  "Será que nunca faremos senão confirmar/ A incompetência da América católica/ Que sempre precisará de ridículos tiranos/ Será, será, que será? / Que será, que será? /Será que esta minha estúpida retórica/ Terá que soar, terá que se ouvir/ Por mais mil anos". Quase não sofremos influência dos moralistas anglo-saxões, nosso inconsciente coletivo não foi formado na criação de um mundo capitalista-presbítero. A tal ética protestante e o espírito capitalista weberianos chegaram até nós atrasados e distorcidos ao ponto de, como diria Ruy Barbosa, sentirmos “... uma saudável nostalgia da escravidão”. Foi por isto que o modelo tocquevilliano de democracia – onde igualdade e liberdade são complementares, aqui se tornou excludentes – chegou na terra das palmeiras desvirtuado e um pouco tosco.

Nossa história revela toda esta vocação: ditaduras e autoritarismos de toda sorte; repúblicas coronelísticas e militarizadas, populistas e/ou nacionalistas; revoluções e guerrilhas; democracias tuteladas e agora o novo componente, as milícias. A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas. Testada nas Honduras e no Paraguai, ela mostrou-se eficaz e lucrativa para eliminar presidentes (muito moderadamente) de esquerda. Foi com esta nova fermenta sem derramar sangue, que a direita Latino Americana, varreram todos os governos de esquerda nos últimos tempos.  

Com um discurso moralista este novo governo de direita vem tentando cooptar os militares e as Instituições da Republica.  A visão autoritária na condução do processo político sem foi uma característica da burguesia. Convém não esquecer que Bolsonaro tem uma profunda inserção nos meios militares, até por ser originário deles. E bem sabemos por que presidentes latino-americanos tentam manter boas relações com os militares. Já dizia Jânio Quadros: “Só tem uma coisa pior do que depender dos militares é não tê-los por perto quando necessário”.

 Citando Hegel, Marx escreveu no 18 de Brumário de Luís Bonaparte que os acontecimentos históricos repetem-se duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Isso aplica-se perfeitamente aos golpes de estado que a direita tem dado na América latina. Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Dilma no (Brasil), etc, em uma cruzada patrocinado pelo EUA. Segundo pesquisas realizadas pelos meios de comunicação, existem cerca de 140 países no mundo vivendo sob regimes democráticos. No entanto, só em cerca de 60 pode-se considerar que há uma consolidação da democrática. Ou seja, em menos da metade as possibilidades de haver reverses autoritários reduziram-se quase a zero. No último tempo, muitos governos de direita eleitos democraticamente apresentam uma acentuada tendência a manterem sua autoridade com métodos não democráticos. Utilizam-se de vários expedientes: modificam as constituições de seus países para benefício próprio, intervém nas eleições, restringem a independência dos outros poderes, além de exercerem controle sobre os militares.


A democracia não pode ser reduzida ao ato eleitoral, em que pese ele ser condição necessária para se tê-la. Ela requer eficiência, transparência e equidade na atuação das instituições políticas. Exige, também, uma cultura política que aceite a legitimidade da oposição e que reconheça os direitos de todos. Não será negando estas condições em nome da luta contra a corrupção ou perseguindo as oposições através de um judiciário partidário, que vamos abater as debilidades das democracias latino-americanas.


 


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