O livre-arbítrio não existe mais!
Como professor e amante da filosofia, venho
me questionando há algum tempo sobre a liberdade de escolha no nosso sistema de
representação e da própria democracia. Com o advento da pós-verdade, não
podemos negar que o livre-arbítrio não é mais que uma ilusão no nosso sistema
eleitoral, que tem sua crença baseada nestas “verdades”. Assim, não se pode
dissociar democracia e livre escolha que cada um faz de sua vida se de fato o
cidadão não poder exercê-la.
Achar que estas questões são temas acadêmicos
e sem nenhuma importância para a sociedade é um grande erro dos políticos e
cientistas, que deixam de utilizar esta ferramenta para entender a nova
ordem. Os temas filosóficos e a crença
no livre-arbítrio têm reflexos bastante concretos no “mundo real”. Ser livre para fazer escolhas é o fundamento
central da representação democrática no nosso sistema eleitoral, mostrando que
se trata de um governo representativo. Da mesma forma, a lei atribui
responsabilidade às pessoas ou punem criminosos, com base na certeza que somos
livres para tomar decisões, e, portanto devemos responder por elas.
Estes com certeza são alguns dos temas
centrais da filosofia e da teologia. Saber se somos capazes de fazer nossas próprias
escolhas, tem sido há séculos os grandes temas destas matérias. Apesar do
conhecimento filosófico e teológico que aprendi no seminário, foi na literatura
que encontrei o mais elabora discurso e a mais célebre defesa do livre-arbítrio,
Desta forma, quando na tragédia Júlio César, de William Shakespeare , o nobre
Brutus revela sua preocupação que o povo aceite César como rei, o que poria fim
à República, o regime adotado por Roma desde tempos imemoriais, ele hesita, não
sabe o que fazer. É quando Cássio procura induzi-lo à ação. Seu discurso contém
a mais veemente defesa do livre-arbítrio encontrada nos livros. “Há momentos”, diz ele, “em que os homens são
donos de seu fado. Não é dos astros, caro Brutus, a culpa, mas de nós mesmos,
se nos rebaixamos ao papel de instrumentos.”
Ao longo da
história, convencionamos que o livre arbítrio é o poder que cada pessoa tem de
decidir por si própria, de escolher por sua vontade o que fazer. O homem é
livre para tomar suas decisões pela força do livre arbítrio, assumindo conseqüências
e responsabilidades. Entretanto, esse livre arbítrio na atualidade vem se
esvaindo do poder e domínio do indivíduo, pelo controle que hoje tem governos e
corporações da vida das pessoas.
Eu acredito que
temos de alguma forma um arbítrio, mas ele não é livre. Estamos fazendo
escolhas, mas as nossas escolhas não estão mais sendo independentes. Porque
cada escolha que fazemos é dependente de muitas condições de naturezas
diversas, biológicas, sociais, pessoais. Não tem mais sentido as pessoas
dizerem “quem manda na minha vida sou eu”, ou “eu faço o que bem entender”,
porque suas decisões são determinadas em parte pelo seu contexto familiar, pela
sua bioquímica, pela cultura nacional, etc.
Herdado da
teologia cristã, o livre arbítrio que dava ao homem a alternativa de um caminho
reto ou de pecado, de salvação ou perdição, hoje se constitui um perigo. O
desenvolvimento da tecnologia já possibilita que “hackers” manipulem suas
escolhas, bastando apenas conhecer um pouco de cada uma das pessoas, como gostos,
costumes, lazer, compras, etc. Com essas informações, eles podem induzir as
pessoas a clicar em “links” que eles querem, pensando as pessoas que estão
fazendo isto pelo seu livre arbítrio quando, na verdade, estão sendo levadas a
isto por estarem “hackeadas”.
As forças ocultas
como diziam um velho político, analisam seu histórico na internet, seus itens
de consumo, as palavras e opiniões que exprimem nas suas convicções políticas,
os fluxos de contatos pelas redes sociais, enfim, já conseguem controlar os
desejos das pessoas para direcioná-los a uma forma de pensamento e visão de
mundo, a sensibilizar para doações, a votar em políticos, a absorver
ideologias, entre infinitas possibilidades.
Estamos, iludidos
com o nosso livre arbítrio, na verdade somos todos escravos inconscientes e não
tomamos conhecimento ainda da real situação. É uma pena que nossa elite
intelectual não acordou para esta grave realidade. Ficamos presos no século
vinte e ainda estamos discutindo questões antigas e passando ao largo dos
desafios da inteligência artificial. Foi este atraso intelectual, que
proporcionaram estas forças a transformarem o sentimento de ódio em plataforma
eleitoral e chegarem ao poder.