segunda-feira, 17 de agosto de 2020

ARTIGO - Delação premiada é um instituto do Estado fascista. (Padre Carlos)



Delação premiada é um instituto do Estado fascista.



Durante uma palestra sobre conjuntura política, um jovem me perguntou o que eu achava sobre a utilização da ‘delação premiada’ no combate à corrupção.
As opiniões sobre este tema dividem-se muito, mas de uma forma geral a esquerda sempre foi contra e a direita a favor, o que não deixa de ser surpreendente. Diante disto, poderíamos supor que o ataque à corrupção seria uma ‘causa’ mais da esquerda do que da direita o que não é verdade.
A minha opinião e das pessoas de bom senso, está claro: a delação premiada é uma prática abominável, que qualquer Estado de direito deveria sumariamente rejeitar.
Quando falamos em denúncia, estamos nos referindo a algo de desagradável, de eticamente duvidoso, principalmente quando elas são apresentadas sem provas. Esta colaboração, só poderia ser aceita em casos extremos – quando se trata de crimes de morte ou situações em que estão em perigo vidas humanas – a denúncia não é uma prática saudável. E, quando o denunciante pode receber favores pela denúncia, esta pode conter o que existe de mais absurdo no seu delírio para se salvar.
Temos que admitir, que esta prática se torna um prémio ao criminoso por denunciar os cúmplices para conseguir uma redução da pena. Isto nada mais é, que estimular o que há de pior na natureza humana. O seu lado negro, a sua natureza vil, como fazia os nazistas com suas vítimas.
Foi a adesão desta modalidade de se conseguir provas, que a Operação Lava Jato partiu da ideia de que os fins justificam os meios. De que todos os meios são legítimos desde que os fins sejam bons. Ora, não é assim e o Juiz e o Procurador do Ministério Público, deveria saber, por uma razão simples: os meios contaminam os fins e as provas. Através de meios condenáveis, de meios obscuros, de meios ilegítimos, nunca se atinge um ‘bom fim’. O ‘fim’ fica manchado pelos meios usados para alcançar, como aconteceu com toda a operação.
O Supremo, deixou que o Estado fosse regido por valores e princípios de caráter duvidoso. Há princípios que um Estado não pode alienar. Em nome do pragmatismo, o Estado não pode abdicar da sua dignidade – pois isso pode levar as instituições do país a deixarem de ser uma referência, para o conjunto da sociedade, um exemplo a seguir.
Podemos afirmar que as escutas telefónicas ultrapassaram todos limiar do que é aceitável. As autoridades escutarem conversas particulares dos advogados de defesa e assim, violaram tudo que diz respeito a imunidade do defensor e de um cidadão, mesmo com autorização de um juiz, é uma invasão da privacidade que beira o abuso. Apesar de tudo, as escutas não são comparáveis à delação premiada. E porquê? Porque nas escutas não há um indivíduo denunciando o outro para se ‘safar’ – é o próprio a denunciar-se, como estamos vendo na vasa Jato. Não estão envolvidos terceiros – é o suspeito que revela fatos que o incriminam. E isto é muito diferente quando um outro faz.
A delação premiada, ao longo dos séculos, tem proporcionado situações terríveis. Tremendas injustiças, atos hediondos. Recordem-se os tempos da Inquisição, em que por vingança se denunciavam ‘hereges’ com ou sem razão. Recordem-se os tempos do fascismo, nazismo e do estalinismo, em que, para salvarem a pele, pais chegavam a denunciar os filhos e filhos denunciavam os pais, acusando-os de serem, comunistas ou contrarrevolucionários. Recordem-se os tempos do nazismo, em que por medo ou maldade se apontava o dedo aos judeus entregando-os a uma morte certa.
A delação premiada de quem estava no topo da cadeia do poder, (Eduardo Cunha e Cabral) traz toda a podridão que as sociedades escondem por vergonha e poderia fazer com que a nossa sociedade ruísse e não ficasse pedra sobre pedra.


Padre Carlos












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