sábado, 13 de junho de 2020

ARTIGO - Sobrevivendo a duas Pandemias (Padre Carlos)



Sobrevivendo a duas Pandemias


Estamos vivendo tempos difíceis e esta quadra da história se apresenta para os Brasileiros como um marco entre barbárie e a civilidade. Em todos os recantos do país, recrudescem fatos que deixam à mostra a intransigência. Estamos evidenciados, que não é só o covid-19 que se propagou pelo Brasil, outro vírus e mais letal que este tem infectado as pessoas. Assim como o coronavírus, podemos afirmar que a intolerância tem se apresentado como uma espécie de pandemia global. Por meio dessa infecção da alma, os doentes seguem dispersando o vírus, cujos sinais e sintomas mais comuns são o discurso do ódio, os atos de violência e a tentativa de acabar com o Estado de Direito e a democracia. 
Agora os infectados ultrapassaram todos os limites da loucura, ignorando as mortes  causadas pelo coronavírus no Brasil e invadindo UTIs para verificar se os leitos estão realmente ocupados. Quando o vírus da intolerância chega a este estágio de constranger os pacientes e colocar a vida dos visitantes em risco, alguma coisa está errada.

As nossas autoridades parecem que já se acostumaram com ataques aos poderes da República, as agressões aos povos indígenas, a esquerda, aos negros e aos pobres, entre outros. Esses são alguns exemplos que trazem à luz a conjuntura de intolerância. É certo que a intolerância não é um mal da humanidade contemporânea. A história registra fatos que realçam a intolerância em todas as épocas da humanidade. Apesar dos brasileiros assistirem com certa apatia a estes episódios políticos, religiosos e sociais, a discussão sobre a pandemia da intolerância carece de reflexão por parte dos nossos políticos e uma vacina para sua cura o mais rápido possível.
A exemplo do covid-19, com suas infecções virais, a pandemia da intolerância vai se instalando sorrateira e silenciosamente nas Instituições da República. Ao se dispersar na tessitura da alma, o vírus da pandemia da intolerância alcança as dimensões mais profundas do Estado, tentando se instalar pela alteração da capacidade racional das suas maiores autoridades. Os doentes da alma, vítimas da pandemia da intolerância, usam argumentos supostamente racionais para difundirem a enfermidade de que são portadores à sociedade. A intolerância se mascara sob o discurso de caça aos corruptos, dos “bons costumes” e da “moral cristã”.
Infelizmente, à semelhança com o coronavírus faz com que o enfermo da pandemia da intolerância não tenha consciência do mal que carrega em si e que ele mesmo dissemina com suas práticas e discursos cotidianos. Há doentes que sequer têm consciência da doença.
Para os enfermos desta pandemia, qual seria o mundo ideal? Talvez um mundo sem negros? Talvez um mundo sem pobres? Talvez um mundo sem homossexuais, sem pessoas transgêneros ou travestis? Talvez um mundo cuja família tradicional fosse o único arranjo possível? Talvez um mundo com apenas evangélicos, uma nova cristandade? Talvez um mundo marcado por governos teocráticos? Talvez um mundo em que a mulher seguisse ocupando posições de subalternidade em relação aos homens?
Esse mundo – moldado nos valores que estes enfermos defendem, alicerçado, inclusive, no dogma do anti-PT, ou na falsa moral que determina padrões que devem ser rigidamente impostos e seguidos por todos e todas – é um mundo que não existe! Aliás, é um mundo que nunca existiu, nem nas sociedades que estiveram sob o jugo dos regimes totalitários ou de exceção.
A marca da humanidade não é a homogeneidade. Em nenhuma sociedade humana a homogenia esteve presente. A existência da humanidade se alicerça na diversidade.
Os enfermos da alma, vítimas da pandemia da intolerância, desejam, a qualquer custo, implantar uma sociedade uniforme, na qual (talvez) todos fossem brancos, “normais”, ricos, heterossexuais e seguidores de uma mesma religião ou crença. Aliás, será que nesta sociedade haveria espaço para as mulheres?
Basta estudar um pouco de história para tirar lições do passado e lembrar que as consequências das tentativas de se formar uma sociedade homogênea levou a humanidade cometer as maiores atrocidades e ao Nazismo.

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