Foi preciso que algo acontecesse para que tomássemos consciência que alguma coisa estava errado. Andávamos apressados, distraídos, adormecidos. Assim, foi precisa uma quarentena para entendermos que é tempo de ir ao essencial. Neste drama, sempre presente, mas agora de forma brutal e de intensa dor, qual o nosso papel e que papel queremos desempenhar? A Igreja, concretamente, terá um papel fundamental para orientar seus fiéis, porque ela tem de saber que o centro não é de modo nenhum o poder, rituais imperiais, mitras e barretes cardinalícios, mas apenas o serviço a favor de todos. Muitos perguntam agora: Onde está Deus? Jesus respondeu que no Juízo Final não nos será perguntado pelo ritual, mas pelo amor, concretizado no que fizermos aos outros, principalmente aos desgraçados: "Tive fome e deste-me de comer, tive sede e deste-me de beber, estava nu (nu de vestido, de honra, de dignidade...) e vestiste-me, estava no hospital, na cadeia, e foste visitar-me". Perguntaremos: "Quando te fizemos (ou não fizemos) isso, Senhor?". "Sempre que o fizeste a um destes meus irmãos mais pequeninos foi a mim que o fizeste". Ele, ela, sou eu.
Muitos perguntarão: onde está Deus hoje, no meio desta catástrofe? Está nos hospitais, nos lares, nas casas, nas empresas..., em todos os crucificados e naqueles e naquelas que, mesmo no meio de perigos e até correndo o risco de morte, procuram por todos os meios curar, dar alento, aliviar a dor, dar esperança, brincar com as crianças, animar e alegrar os outros com um telefonema, com música, consolar os tristes e mais idosos, fazendo o país funcionar de forma mínima. Esses são "os santos da porta ao lado", como disse o Papa Francisco.
Não podemos esquecer que a morte é sempre paradoxal: por mais que fiquemos escandalizados, ela é biologicamente natural, faz parte da vida, mas, por outro lado, apresenta-se como o maior enigma e mistério. Porquê? Porque o ser humano não se reduz a biologia. Por isso, na longa história da evolução, sabemos que há pessoa humana, surge quando a consciência da morte e rituais funerários se torna essências na sua existência. Aí, sabemos que já não estamos perante algo, mas alguém. E a morte angustia-nos, porque é o confronto com a ameaça do nada. "Para onde é que eu irei, quando já não estiver aqui?": pergunta de forma dolorosa Tolstoi.
Se a morte é um evento desolador, o que me diz de uma morte na solidão no abandono, excluído de todos aqueles que amamos. “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?” Como não falar daquela cena na Itália, ou em New York City das marchas fúnebres que poderá repetir-se aqui no Brasil se não tomarmos consciência a tempo. Para onde se encaminhava a marcha? E a pergunta volta, mais intensa, densa e dramática, para não dizer trágica: para onde vão os mortos? Para eternidade do nada o para eternidade de Deus.
Voltando ao outro crucificado, Jesus morreu na cruz. Mas, se ele fosse apenas o crucificado, não passaria de um homem bom que quis revolucionar a imagem de Deus e do Homem, mas não passaria de mais um crucificado e não haveria cristianismo. "Eu sou a Ressurreição e a Vida": foi por causa desta proclamação que o cristianismo venceu e o verdadeiro motivo desta vitória é a mensagem de Jesus, o Reino de Deus, que entrou em conflito com o Templo, que compareceu perante Pilatos e que foi executado. Mas também sabemos que, "depois da sua morte, seguidores fizeram a experiência do que descreveram como "ressurreição": aquele que tinha morrido realmente apareceu como "pessoa viva, mas transformada". Acreditaram nisso, viveram-no e morreram por isso." Assim, criaram um movimento, que cresceu e se estendeu pelo mundo e mudou a História. Grande parte da Humanidade foi atingida por esse movimento e pela esperança que transporta para Vida eterna.
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