sexta-feira, 4 de novembro de 2022

ARTIGO - Esta Palavra saudade! (Padre Carlos)

 


"Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!"

Fernando Pessoa

 

 


Apesar de muitos acharem que a palavra saudade é exclusiva da língua portuguesa, não é verdade. A diferença, quando falamos em saudade, é que, na língua portuguesa, a palavra ganhou outros sentidos relacionados à nostalgia. Entendemos a saudade como um sentimento nostálgico que vai além do lar. Podemos ter saudade de pessoas, animais, épocas, lugares, relacionamentos, gostos, cheiros etc. Por isto, costumamos dizer que ‘Saudade’ é uma palavra apenas nossa difícil de explicar exatamente a um estrangeiro, algo nostálgica, associada a lembranças de um passado feliz ou de alguém que nos marcou profundamente. 

É algo muito forte, capaz de modificar os nossos planos, que mexe com os nossos sentimentos podendo influenciar as opções que tomamos ao longo da nossa vida.

A história que vou partilhar hoje é um bom exemplo desse sentimento. No final da década de setenta, eu sei, já tem um tempinho, dois jovens militantes operários que abara de sair do SENAI, de Salvador, encantados com as greves do ABC, partiram para São Paulo à procura de melhores condições de trabalho. 

Um deles teve uma excelente adaptação, conseguindo um bom emprego na Volkswagen do Brasil, integrando-se no meio sindical e operário sem problemas, progredindo na carreira, como não era possível na Bahia. Bem cedo ficou fascinado com as novas tecnologias e com a forma de trabalhar dos alemães – e por lá foi ficando, sem vontade de regressar a Bahia. 

O outro, pelo contrário, teve mais dificuldades. Dia após dia ia sentindo a falta de tudo, daquilo que aqui deixara, da sua terrinha, das suas raízes, da família, dos amigos e do seu estilo de vida da sua, baianidade nagô. 

Esta nostalgia foi aumentando sempre, de tal modo que, numa das praças de São Bernardo – que tinha de atravessar a pé a caminho da fabrica – lembrou-se de casa e da mãe! A tristeza apoderou-se dele, o trabalho não compensava e o desânimo obrigou-o a regressar. 

Dito de outra forma, no primeiro caso prevaleceu à razão, no segundo foi à saudade que falou mais alto.

Nos dias de hoje, não sei se a história acabaria assim. Os tempos mudaram e a sociedade vai aos poucos impondo outras regras às quais temos que nos adaptar, com mais ou menos dificuldade. Esta palavra ‘saudade’, para alguns, pode mesmo não fazer sentido – e aqueles que ainda a invocam podem ser considerados ‘saudosistas’ por uns e até ‘piegas’ por outros.

Já foi o tempo em que a família tinha outro peso e era um pilar essencial que ninguém ousava contestar. 
Aliás, o conceito e a estrutura familiar são bem diferentes hoje em dia. Os pais, ocupadíssimos com o trabalho, não têm tempo suficiente para acompanhar os filhos, deixando-os mais desamparados; e os idosos são em muitos casos, abandonados em abrigos, aonde aos poucos vão se desligando do mundo. 

A solidariedade deu lugar à competitividade sem limites e as convicções às conveniências. 

A vida resume-se o aqui e agora – e o que passou a contar é o meu bem-estar, a minha realização profissional e os meus projetos. 

Não me admira que o número de casamentos tenha caído, enquanto os números de separação sejam cada vez maiores. Para um jovem, sair de casa e ganhar o mundo é hoje uma coisa natural. Constituir família não é prioritário – e deixar as suas raízes não tem qualquer importância. Os jovens de hoje não sabem o que é utopia, se dedicar a militância e ao partido, estão mais preocupado com o planeta, com o meio ambiente, com as reciclagens e com a gestão correta dos bens naturais, o que não se via na minha geração. 

Contudo, as boas recordações não desaparecem, ficam para sempre e devem ser lembradas com a saudade indestrutível dos momentos felizes da nossa vida.

Saudade continuará a ser a ‘palavra amarga e doce, estrangulada na garganta, palavra como se fosse, o silêncio que se canta’. E permanecerá sempre viva nos nossos corações, até ao final dos tempos. Como diz o poema, português no qual me revejo: ‘Sete letras de encanto/Sete letras por enquanto/Enquanto a gente for viva’.

 

 

 

 

 


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