quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Dai, pois, a Justiça o que é da Justiça e a Política o que é da Política. (Padre Carlos)

 


Filosofia do Direito e o sistema de Justiça




Diante da crise que se estalou no Estado brasileiro, não poderia deixar de fazer uma abordagem filosófica sobre o comportamento dos poderes e a conjuntura que se forma neste momento. Assim, o que mais me tem impressionado na recente crise político-institucional que tem assolado o Brasil é, de novo, a utilização das autoridades judiciais e judiciárias como meio privilegiado de resposta estatal.

Recordemos que, no afastamento de Dilma e de Lula, respetivamente da presidência e do cenário político brasileiro, foi justamente a Justiça que assumiu o papel fundamental. O poder judicial e o Ministério Público interviram, de forma semelhante, em relação àqueles dois políticos, assumindo um papel que, antes, em tais situações, era atribuído aos militares.

Hoje, para fazer frente ao movimento bolsonarista que procura, mais uma vez, interromper o processo democrático, foi, de novo, o sistema de Justiça que foi acionado: o mesmo sistema de Justiça, os mesmos juízes e procuradores. Só que, agora, agindo, aparentemente, em sentido contrário. Podemos, assim, constatar que, mais recentemente o MP e os tribunais têm sido chamados a assumir uma intervenção que, mesmo quando não sendo de caráter político, tem inevitavelmente resultados políticos determinantes.

Não é de agora - é de sempre - a vocação dos políticos de todos os regimes quando querem endossar suas medidas mais drásticas que desejam usar contra os seus inimigos, transferem as responsabilidades para procuradores e juízes. Isto aconteceu na Alemanha nazista, também durante o estalinismo, em Portugal durante o salazarismo, na Espanha de Franco, no Reino Unido na luta contra o IRA -  o caso verídico do julgamento retratado no filme «Em nome do pai», de Jim Sheridan, ilustra bem tal processo. Geralmente quando é convocada, a Justiça sente-se sensibilizada, fazendo assim o papel que se espera dela.

Os erros começam, quando em nome de determinadas prioridades da política, no nosso caso – quer o MP, quer, em consequência, os tribunais são convocados a integrar as chamadas “força tarefa” lutas contra certos tipos de crime: pode ser a luta contra a droga, contra a corrupção, contra criminalidade digital, contra as redes mafiosas de tráfico de pessoas, etc. Apesar de não percebermos, os problemas e distorções começam a surgir quando as autoridades judiciais e judiciárias começam a passar, sem sentido crítico e o distanciamento indispensável e ao incorporar no seu vocabulário funcional esse tipo de expressão - «a luta contra» - faz, a gente adivinhar que exista um “conluio” ou alinhamento político-institucional.  Acontece, porém, que ao incorporar este tipo de linguagem acaba, muitas vezes, funcionando como argumento para determinar as decisões que, por fim, são tomadas pela Justiça.

O que gostaríamos de abordar é a fragilidade de equilíbrio em que, quase sempre, a Justiça se deixa colocar ante a intervenção da mídia e dos outros poderes institucionais nas suas decisões. Queremos chamar a atenção do leitor que, a expressão: «à justiça o que é da Justiça e à política o que é da política» até na democracia é mais retórica do que de fato. Os juristas – magistrados e advogados – devem, portanto, assumir que o seu papel, mesmo quando dizem o contrário, numa democracia é tão político como nos regimes autoritários. Nas ditaduras o alinhamento político da sua intervenção e das suas decisões são apenas assumido de maneira mais ostensiva. Na democracia, não: isso, geralmente, não é possível.

Como professor de filosofia, gostaria de deixar claro que o primado do Estado de Direito e a consequente divisão dos poderes do Estado, torna tal evidência menos notória. Por isso, exigimos sobretudo dos magistrados, que, mesmo na democracia, adotem uma maior atenção e vigilância críticas sobre o papel que, em cada momento, lhes é solicitadas. 

  

 

 


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