A Senzala subiu a rampa
Dois fatos neste início de ano chamaram
minha atenção para avaliar o que aconteceu de fato em Brasília. Foram eles que
determinaram os acontecimentos que de certa forma irá a partir de agora nortear
as ações e o comportamento das forças de segurança em relação à defesa do Estado
de Direito. Oito dias separaram aquilo que está presente no imaginário dos
brasileiros e determinaram o resultado das eleições.
Trazer para posse um dos pilares da
xenofobia e o racismo, talvez tenha sido o ponto auto daquela festa. O
presidente Lula sabia do simbolismo e da necessidade de trazer aqueles excluídos,
tendo em vista o número de pessoas que são discriminadas, ridicularizadas,
violentadas e até assassinadas por não terem recursos e por fazerem parte da
desigualdade no país que cresce todos os dias. Na verdade, elas não querem mais
ser órfãos de identidade. E subir a rampa do planalto símbolo de privilégio e
de classe, deixava de determinar onde ficava a casa grande e a senzala! Afinal,
quem nós somos? Na sua sabedoria, o presidente Lula sabe que o Brasil precisa
encontrar um eixo comum que suavize os conflitos e, neste momento de confronto,
é necessário voltar ao passado para nos perguntarmos: dá para construir o
Brasil com a matéria-prima que temos à disposição?
Infelizmente a classes dominantes
brasileiras têm uma singularidade que as torna mais truculentas,
preconceituosas e autoritárias que as outras: são filhas legítimas da Casa
Grande e do desrespeito permanente aos trabalhadores, aos negros, aos pobres,
as mulheres e a todas as minorias ao longo de nossa história. Uma
identidade, para ser realmente sólida, preciso ser produto de um pacto, isto é,
a sociedade tem que se reconhecer coletivamente nessa identidade como nação. E
é isso que nos polariza tanto e que reflete uma intolerância, não aceitamos a
senzala neste projeto nacional. E deixar a senzala subir a rampa deixou
indignado estas pessoas.
Para entender os motivos que levaram os
apoiadores do ex-presidente cometer os atos de vandalismo na Capital Federal,
precisamos primeiro compreender que a principal luta ideológica do Brasil na
atualidade não ocorre entre "direita" e "esquerda", mas
entre republicanos e patrimonialistas. A disputa entre direita e esquerda arrefeceu
porque, apesar das diferentes matizes ideológicas, os partidos de direita têm
adotado posições de centro e na sua maioria fazem parte da frente democrática, com
os partidos de centro esquerda. Assim, sem discurso consistente e com práticas
igualmente condenáveis, o que restou foi uma utradireita, por isto a discussão
ideológica mudou de foco. Hoje o embate se dá entre aqueles que querem um
Estado a serviço da sociedade (republicanos) e aqueles que querem se apropriar
dos bens estatais para uso pessoal, familiar ou partidário (patrimonialistas). Por
isto, os manifestantes ao subirem a rampa do Congresso gritavam: “o Brasil é
nosso” e, na sequência, deram início aos atos de vandalismo destruindo os
prédios públicos.
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