A hora da verdade
O Brasil acompanha com perplexidade e
indignação as revelações sobre o suposto esquema de desvio e venda ilegal de
joias recebidas pela Presidência da República durante o mandato do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo a Polícia Federal, que investiga o
caso, os itens de alto valor foram omitidos do acervo público e negociados nos
Estados Unidos para enriquecer o ex-presidente e seus aliados.
Um dos principais envolvidos no caso é o
tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de
Bolsonaro e um dos seus homens de confiança. Cid está preso desde maio, acusado
de fraudar os cartões de vacinação de Bolsonaro e familiares para que pudessem
entrar nos Estados Unidos.
Após meses de silêncio, Cid decidiu
confessar à Polícia Federal que vendeu as joias a mando de Bolsonaro e que
entregou o dinheiro para o ex-presidente. A informação foi divulgada pela
revista Veja e confirmada pelo advogado de Cid, Cezar Bitencourt. Segundo ele,
Cid pretende prestar depoimento na próxima quinta-feira (29) e colaborar com as
investigações.
A decisão de Cid foi motivada pelo
sentimento de abandono e traição por parte de Bolsonaro, que negou qualquer
envolvimento no caso e tentou se desvincular do ex-ajudante. Em entrevista ao
jornal O Estado de S.Paulo, Bolsonaro disse que Cid tinha “autonomia” para
vender as joias e que ele não mandou ninguém fazer nada. Bolsonaro também
afirmou que as joias eram “personalíssimas” e pertenciam ao presidente até
2021.
Essas declarações contradizem a legislação
vigente, que determina que os presentes recebidos por autoridades em razão do
cargo devem ser incorporados ao patrimônio da União, salvo quando se tratar de
objetos de uso pessoal ou consumo. No entanto, a lei estabelece critérios para
definir o que é uso pessoal ou consumo, como valor estimado inferior a R$
100,00 ou natureza perecível ou consumível.
As joias recebidas por Bolsonaro não se
enquadram nesses critérios. Entre elas, há um relógio da marca Rolex avaliado
em US$ 60 mil, dado pela comitiva do Bahrein em visita ao Brasil em 2019.
Segundo a Polícia Federal, esse relógio foi vendido por Cid em uma loja em
Miami em janeiro deste ano. O dinheiro da venda foi depositado em uma conta
bancária nos Estados Unidos controlada por Bolsonaro.
Além do relógio, há outros itens suspeitos
de terem sido desviados do acervo público, como colares, brincos, pulseiras e
anéis dados por delegações da China, da Índia, da Arábia Saudita e dos Emirados
Árabes Unidos. A Polícia Federal apura se essas joias também foram vendidas por
Cid ou por outros integrantes do entorno de Bolsonaro.
O caso das joias é mais um escândalo que
mancha a imagem de Bolsonaro, que já enfrenta outras denúncias graves, como a
suspeita de participação em um esquema de rachadinhas na Assembleia Legislativa
do Rio de Janeiro (Alerj), quando era deputado estadual; a acusação de
interferência política na Polícia Federal para proteger seus filhos; e as
irregularidades na compra de vacinas contra a covid-19.
Bolsonaro também está inelegível por oito anos após ter sido condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação na campanha eleitoral de 2018. Diante desse cenário, a confissão de Cid pode ser decisiva para esclarecer os fatos e responsabilizar os culpados pelo caso das joias. Cid disse aos interlocutores que é “agora, é a hora de proteger a família” 1. Mas, ao romper o silêncio, ele também pode estar contribuindo para proteger a democracia e a República, que foram ameaçadas e desrespeitadas por Bolsonaro e seus aliados durante o seu mandato.
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