terça-feira, 29 de agosto de 2023

ARTIGO - Mauro Cid decide romper o silêncio: “agora, é a hora de proteger a família” (Padre Carlos)




A hora da verdade





     O Brasil acompanha com perplexidade e indignação as revelações sobre o suposto esquema de desvio e venda ilegal de joias recebidas pela Presidência da República durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo a Polícia Federal, que investiga o caso, os itens de alto valor foram omitidos do acervo público e negociados nos Estados Unidos para enriquecer o ex-presidente e seus aliados.

     Um dos principais envolvidos no caso é o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e um dos seus homens de confiança. Cid está preso desde maio, acusado de fraudar os cartões de vacinação de Bolsonaro e familiares para que pudessem entrar nos Estados Unidos.

     Após meses de silêncio, Cid decidiu confessar à Polícia Federal que vendeu as joias a mando de Bolsonaro e que entregou o dinheiro para o ex-presidente. A informação foi divulgada pela revista Veja e confirmada pelo advogado de Cid, Cezar Bitencourt. Segundo ele, Cid pretende prestar depoimento na próxima quinta-feira (29) e colaborar com as investigações.

     A decisão de Cid foi motivada pelo sentimento de abandono e traição por parte de Bolsonaro, que negou qualquer envolvimento no caso e tentou se desvincular do ex-ajudante. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Bolsonaro disse que Cid tinha “autonomia” para vender as joias e que ele não mandou ninguém fazer nada. Bolsonaro também afirmou que as joias eram “personalíssimas” e pertenciam ao presidente até 2021.

     Essas declarações contradizem a legislação vigente, que determina que os presentes recebidos por autoridades em razão do cargo devem ser incorporados ao patrimônio da União, salvo quando se tratar de objetos de uso pessoal ou consumo. No entanto, a lei estabelece critérios para definir o que é uso pessoal ou consumo, como valor estimado inferior a R$ 100,00 ou natureza perecível ou consumível.

     As joias recebidas por Bolsonaro não se enquadram nesses critérios. Entre elas, há um relógio da marca Rolex avaliado em US$ 60 mil, dado pela comitiva do Bahrein em visita ao Brasil em 2019. Segundo a Polícia Federal, esse relógio foi vendido por Cid em uma loja em Miami em janeiro deste ano. O dinheiro da venda foi depositado em uma conta bancária nos Estados Unidos controlada por Bolsonaro.

     Além do relógio, há outros itens suspeitos de terem sido desviados do acervo público, como colares, brincos, pulseiras e anéis dados por delegações da China, da Índia, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos. A Polícia Federal apura se essas joias também foram vendidas por Cid ou por outros integrantes do entorno de Bolsonaro.

     O caso das joias é mais um escândalo que mancha a imagem de Bolsonaro, que já enfrenta outras denúncias graves, como a suspeita de participação em um esquema de rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando era deputado estadual; a acusação de interferência política na Polícia Federal para proteger seus filhos; e as irregularidades na compra de vacinas contra a covid-19.

     Bolsonaro também está inelegível por oito anos após ter sido condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação na campanha eleitoral de 2018.  Diante desse cenário, a confissão de Cid pode ser decisiva para esclarecer os fatos e responsabilizar os culpados pelo caso das joias. Cid disse aos interlocutores que é “agora, é a hora de proteger a família” 1. Mas, ao romper o silêncio, ele também pode estar contribuindo para proteger a democracia e a República, que foram ameaçadas e desrespeitadas por Bolsonaro e seus aliados durante o seu mandato.

 


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