quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

ARTIGO - “Oh, pedaço de mim. Oh, metade afastada de mim” (Padre Carlos)

 


“A saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi”

 




 

Estes dia estive no Cemitério Parque da Cidade para me despedir de um amigo e conterrâneo. Apesar da idade avançada daquele homem que partia para os braços do Pai, seus filhos e amigos estavam bastante emocionados, confesso aos senhores que aquela despedida me comoveu vendo como a dor da partida dilacerava o coração daquele filho, afinal ele estava se despedindo do seu amigo, do seu mentor do pai querido. Este fato me fez lembrar outro acontecimento parecido. 

Quando era vigário na paróquia São Miguel em Vitória da Conquista, fui procurado por uma senhora de aproximadamente quarenta anos, tinha um olhar distante e sua dor que carregava era visível. Sentou ao meu lado como se quisesse confessar e me disse: “padre, o senhor pode me ouvir?” Olhei aquela pobre mulher e sentir compaixão. Ela foi logo me dizendo: “meu marido morreu! Meu companheiro e amigo confidente partiram! Quando me deram a notícia da morte dele senti que o mundo tinha caído em cima de mim; apesar disso, à medida que o tempo passa, vejo as coisas de outra maneira. Contudo há momentos e dias em que penso que é melhor não levantar da cama; assim é a vida e tenho que enfrentá-la como ela é. Há momentos em que penso que a vida não é justa e zango-me com ela e comigo mesmo. Vejo a face obscura da realidade da vida e pergunto-me: por que comigo? por que agora? E estas perguntas magoam-me…”

As perguntas magoam. Sobretudo quando não temos a quem dirigir a pergunta ou que possa escutar a nossa história. Quando as perguntas magoam estamos de luto, esse é o processo natural e universal diante de uma perda. Perdas às vezes sustentada por medicamentos, tantas vezes silenciadas por frases feitas de pessoas cheias de boas intenções: “sei o que isso é” (não sabes!); “você tem que ter força!” (não tenho!); “pense em outra coisa” (não penso!); “você tem que andar pra frente” (não consigo!); “está no céu” (mas eu estou aqui!). Sim, precisamos viver o luto, ficamos transtornados por dentro. Luto pelos que morrem; luto pelos que, continuam vivos, e mesmo assim, partem da nossa vida; lutos antes do tempo da partida; lutos prolongados e lutos bem ritmados; lutos que viram doenças e lutos que geram oportunidades; lutos que põem em causa a fé e lutos que redobram a confiança em Deus; lutos pela pátria que deixamos e luto pela saúde que perdemos; luto pelo divórcio ou luto por um filho perdido; luto pela traição, pela falta de emprego e de sentido; luto pela imagem perdida ou pelo animal de estimação que morreu; luto pela fé que sentimos ter perdido. No fundo, há sempre um luto a morar em nós. E perder é verbo de difícil conjugação. 

Tem palavra que conserva todo o seu simbolismo e assim como uma metáfora, pode ir além do que o autor queria dizer. A palavra “luto” vem de lugere, que quer dizer “chorar”, e expressa à dor natural pela perda de algo ou de alguém. É a consequência da perda de um vínculo. Manifesta-se em sinais de sofrimento (físico, psíquico, social, espiritual), em comportamentos (vestir...) e, frequentemente, em rituais (ida ao cemitério...). É um processo lento que passa por diferentes fases, muitas vezes fases que vão e voltam. Quando a sua resolução é adaptada, a integração da perda leva à possibilidade de uma nova vida, de novos projetos, de uma vida reconfigurada. Outras vezes, se a perda não é assumida, conduz a doenças físicas, psíquicas, espirituais... Não é garantido que quem cala consente

 É praticamente impossível sobreviver a uma situação de sofrimento se não formos capazes de conseguir contar uma história articulada sobre a mesma, pelo menos a nós próprios. A nossa Arquidiocese junto a Pastoral da Saúde precisa proporcionar um lugar para quem está em ou de luto. Um Centro de Escuta e Acompanhamento Espiritual, um serviço que a Igreja possa oferecer 24h ao dispor de todos. Poderia realizar uma ou duas vezes ao ano retiro espiritual para pessoas em luto. Um lugar que se espera de encontro, de escuta, de fraternidade, de oração, de misericórdia, de perfume e de esperança cristã... no caminho de Emaús! Se estiver em ou de luto, se conhece alguém em luto, seja esperança e dê um “empurrãozinho” para esta experiência. O luto é “terra de missão”. 

 


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