Um manual do poder.
Que o sistema político brasileiro está fragmentado é uma evidência. Diante
disto, compete ao analista político buscar soluções para que este impasse e
rachaduras no nosso sistema sejam superados. Se confirmar os indicativos das
ultimas pesquisas, o novo governo precisará de um arco de aliança bem maior que
o campo da esquerda e dos seus aliados do centro. Digo isto, porque neste momento
alguns dirigentes dentro e fora do PT torcem o nariz para as alianças que vem
sendo costurados ao longo desta pré-campanha. Este governo se quiser fazer algo
extraordinário, terá que compor com a direita e com lideranças que tenham capacidade
de acalmar não só o mercado, mas os setores organizados da nossa sociedade. Assim,
sabendo que os partidos de esquerda não conseguem sozinhos uma maioria estável
para garantir a governabilidade, obriga o candidato deste campo a buscar uma
aliança com o centro e a direita liberal para compor o futuro governo. E quanto
mais se fala no meio político em soluções de governo e entendimentos de poder,
mais vale a pena procurar acordos e alianças que deram certo.
Um exemplo que gostaria de colocar em evidência é o do governo alemão. A
Alemanha, que durante algumas décadas vinha convivendo com o problema da fragmentação
do seu sistema político, conhecem muito bem os erros e acertos de certas
coligações — até porque o seu modelo foi pensado para enfrentar este problema.
Mesmo assim, o acordo que conseguiram fazer no novo Governo juntou três partidos
numa coligação que alguns anos atrás seriam impensável: sociais-democratas,
verdes e liberais conseguiram fazer um detalhado programa de governo que tem
como função uma carta de intenções. É justamente isto que justifica o trabalho
que o ex-presidente Lula vem empreendendo no meio político, ele olha para
diversas formas de governo na Europa e na América Latina, buscando construir
uma aliança que possa resultar em um grande pacto para resolver os problemas
econômicos sociais e político que vem se apresentando.
Começando pelo contexto político de fragmentação do sistema, interessa
explicar as suas razões. E aqui importa afirmar como professor de filosofia
política, que o que aconteceu no Brasil foi à introdução de novos temas que, de
alguma maneira, não tem nada haver com os conflitos esquerda/direita
tradicional deste período de redemocratização. Quando olhamos para os novos
partidos políticos, o que vemos é a manifestação dessa nova abordagem política:
Partidos das Mulheres dirigidos por homens, verdes liberais e bolsonaristas,
partidos de caráter fascistas… todos têm posições que não encaixam de forma
simples no conflito económico esquerda-direita. Há uma direita radical no
Brasil que defendem políticas redistributivas e classista e há uma esquerda que
é mais social democrata que vermelha que tem posições muito próximas aos
partidos de centro e que muitas vezes acaba por ser mais sensível a questões de
mercado que a própria direita. Não queremos que Lula e seus futuros ministros deem
um cavalo de pau na economia, mas as promessas que estão sendo feitas e a expectativas
que vem alimentando esta campanha precisam ser avaliadas, se os responsáveis que
falam em nome do futuro governo não tiverem cuidado, transformaremos estes problemas
estruturais em um conflito de grandes proporções.
Como analista, reconheço as mesmas tensões em vários sistemas políticos.
Com mais partidos na base aliada, há mais hipóteses de representação adequada
dos eleitores e a combinação de valores e prioridades adequa-se melhor a cada
momento. Ainda assim, as coligações não são necessariamente a única opção. O
que se procura é uma maioria absoluta pluripartidária, mas isso não exclui
coligações ou mesmo governos minoritários. Há duas maneiras de governar com
minoria: uma coisa é ter um governo minoritário, eu sei que nunca tivemos
devido a cultura do toma lá, esta
experiência vivida em outros países, procura um apoio para cada medida, à
chamada geometria variável; a outra solução é o chamado executivo de contrato,
em que os partidos chegam a acordo junto com o governo para dividirem as pautas
e um pacto no que é possível avançar ou não na administração pública, mas sem
coligação. Isso funcionou em vários países da Europa: permite que partidos sem
apoio de uma maioria possam governar e permite que os partidos que apoiam essa
solução não precisem entrar no Governo. Aí está outra lição que retiramos da
Alemanha: o pragmatismo face ao exercício do poder e à capacidade de alterar a
realidade.
Porque fizemos esta comparação, do caso alemão: um sistema político
dividido entre dois grandes partidos tradicionais, que se começou a fragmentar anos
antes do nosso (PT e PSDB), e que tem soluções de governabilidade as coligação.
Quando as eleições que definiram o sucessor de Angela Merkel terminaram com uma
diferença de apenas 1,6% entre os dois maiores partidos, foi necessário
recorrer à imaginação e ao pragmatismo para evitar soluções como no Brasil com
Aécio e a direita golpista, onde a negação do jogo democrático foi evidente e
contou com a ajuda da elite brasileira. O exemplo alemão é interessante a
vários níveis: pela capacidade de negociação e pragmatismo revelado pelos
vários partidos, pela recusa da inclusão da extrema-direita nas esferas de
poder, pela tradição em manter coligações estáveis que duram mandatos inteiros
e pelo respeito nas esferas de intervenção das várias forças políticas.
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