A justiça e o risco do populismo
A
ascensão do populismo tem sido uma das grandes preocupações do debate político
contemporâneo. Muito se discute sobre as causas socioeconômicas e culturais que
alimentam esse fenômeno. No entanto, há uma dimensão pouco explorada e que
merece atenção: a relação entre justiça e populismo.
Recentemente,
tive a oportunidade de acompanhar um caso judicial que me fez refletir
profundamente sobre essa conexão. Tratava-se de um processo contra um
ex-dirigente político que havia cometido irregularidades graves durante seu
mandato. A comoção popular em torno desse julgamento foi imensa devido a forma
como as grandes corporações midiática trabalharam estas questões. Milhares de
pessoas se mobilizaram para pressionar o Judiciário a condená-lo exemplarmente.
O que
mais me chamou atenção, porém, não foi o anseio por justiça. Foi o ódio
visceral contra o réu e o desejo exacerbado de vingança que vi estampado nos
rostos da multidão. Não havia ali um apelo à imparcialidade ou ao devido
processo legal. Havia uma sede primal de punição a qualquer custo.
Nesse
contexto, até mesmo juízes probos e técnicos podem se ver tentados a saciar a
ira popular com uma sentença draconiana. Mesmo agindo estritamente dentro da
lei, um magistrado pode acabar legitimando, ainda que inadvertidamente, anseios
populistas e mesmo autoritários.
É
preciso ter claro que o papel da Justiça não é punir para vingar, mas punir
para restaurar a ordem democrática ferida pelo crime. Seus ritos e garantias
não existem para proteger criminosos, e sim para proteger a sociedade do
arbítrio e da sede irrefreada de vingança.
Caso
contrário, corre-se o risco de a Justiça se converter em um instrumento de
manipulação das massas, reforçando pulsos autoritários em nome de uma
pseudojustiça popular. Por isso, é fundamental preservar a independência
judicial e resistir a qualquer pressão externa, por mais tentadora que possa
parecer.
A
Justiça não pode ser populista. Sua missão é ser cega, imparcial e tecnicamente
irrepreensível. Só assim poderá cumprir seu papel de defender verdadeiramente
os valores democráticos e o Estado de Direito.
Padre Carlos
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