As vítimas do covid-19 perdem a sua identidade
Um fato que tem
chamado minha atenção e que não deveríamos aceitar nem achar normal esta
conduta, são as informação sobre as vítimas da pandemia, geralmente ela vem
associada a sua idade e a indicação de que eram afetados por outras patologias.
Assim, não percebemos que esta forma de tratamento, ou de comunicação, faz com
que descemos, de forma irreversível, alguns degraus daquele precioso património
comum a que chamamos civilização. Não discuto que a informação possa ser importante,
pois supostamente visa acalmar os outros segmentos da população. Mas certas tranquilidade
induzidas têm de ser questionadas, sobretudo se reforçam a vulnerabilidade de
quem já tem de suportar tanto.
Estamos nos acostumando
tanto com as mortes causadas pelo coronavírus, que não nos revoltamos mais,
parecem acontecimentos normais, parte da rotina diária, como comprar o pão ou
descartar o lixo. Precisamos entender que estes corpos precisam ser
tratados como pessoas que morreram vitima desta tragédia que se abate sobre o
mundo e portanto são gente! Isto é questão de humanidade, não de matemática.
Números se podem fraudar sem escrúpulos, como estão amontoando os corpos em
caminhões frigoríficos. Números podem ser omitidos ou simplesmente
"apagados".
É fundamental que as
nossas sociedades tomem conhecimento e fique claro que há coisas piores do que
a infeção com o vírus da covid-19. Desta forma, quando os velhos são reduzidos
a números e a números com escassa relevância humana e social, perdem a sua identidade
e sua dimensão como pessoa. Diante de tais fatos, podemos até superar esta
crise e vencer o vírus, mas sairemos diminuídos na nossa humanidade, como gente
e como sociedade.
Não se envelhece para
morrer. Penso no modo extraordinário e preciso como o livro do Génesis descreve
a caminhada do patriarca Abraão. “Abraão expirou... velho e saciado de dias”
(Gen 25:8). Sim, não se envelhece para morrer. Envelhecemos para nos saciarmos
de vida e desse modo sentir que, mesmo escassa ou vacilante, a vida é o milagre
mais importante da natureza. Como diz Simone de Beauvoir: "A morte da gente está dentro de nós, mas não
como o caroço no fruto, como o sentido da nossa vida. Dentro de nós, mas
estranha a nós, como um inimigo, como uma coisa a temer.”
Sabemos que, em
princípio, todos os indivíduos têm e mantêm, durante toda a sua vida, os mesmos
direitos e os mesmos deveres civis e políticos; todavia, a realidade enfrentada
pelo idoso em nossa sociedade é bem diferente da que nos é apresentada pelos estatutos
propostos e quando se morre as autoridades sanitárias termina retirando seu último
sopro de identidade e transformando estas almas em dados estatísticos. Não há
um cuidado em criar meios de se fazer valerem seus direitos, ou que garantam,
não só amparo, mas a possibilidade de morrer com dignidade
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