sábado, 16 de maio de 2020

ARTIGO - As vítimas do covid-19 perdem a sua identidade (Padre Carlos)




As vítimas do covid-19 perdem a sua identidade


Um fato que tem chamado minha atenção e que não deveríamos aceitar nem achar normal esta conduta, são as informação sobre as vítimas da pandemia, geralmente ela vem associada a sua idade e a indicação de que eram afetados por outras patologias. Assim, não percebemos que esta forma de tratamento, ou de comunicação, faz com que descemos, de forma irreversível, alguns degraus daquele precioso património comum a que chamamos civilização. Não discuto que a informação possa ser importante, pois supostamente visa acalmar os outros segmentos da população. Mas certas tranquilidade induzidas têm de ser questionadas, sobretudo se reforçam a vulnerabilidade de quem já tem de suportar tanto.

Estamos nos acostumando tanto com as mortes causadas pelo coronavírus, que não nos revoltamos mais, parecem acontecimentos normais, parte da rotina diária, como comprar o pão ou descartar o lixo. Precisamos entender que estes corpos precisam ser tratados como pessoas que morreram vitima desta tragédia que se abate sobre o mundo e portanto são gente! Isto é questão de humanidade, não de matemática. Números se podem fraudar sem escrúpulos, como estão amontoando os corpos em caminhões frigoríficos. Números podem ser omitidos ou simplesmente "apagados".


É fundamental que as nossas sociedades tomem conhecimento e fique claro que há coisas piores do que a infeção com o vírus da covid-19. Desta forma, quando os velhos são reduzidos a números e a números com escassa relevância humana e social, perdem a sua identidade e sua dimensão como pessoa. Diante de tais fatos, podemos até superar esta crise e vencer o vírus, mas sairemos diminuídos na nossa humanidade, como gente e como sociedade.
Não se envelhece para morrer. Penso no modo extraordinário e preciso como o livro do Génesis descreve a caminhada do patriarca Abraão. “Abraão expirou... velho e saciado de dias” (Gen 25:8). Sim, não se envelhece para morrer. Envelhecemos para nos saciarmos de vida e desse modo sentir que, mesmo escassa ou vacilante, a vida é o milagre mais importante da natureza. Como diz Simone de Beauvoir: "A morte da gente está dentro de nós, mas não como o caroço no fruto, como o sentido da nossa vida. Dentro de nós, mas estranha a nós, como um inimigo, como uma coisa a temer.”   
Sabemos que, em princípio, todos os indivíduos têm e mantêm, durante toda a sua vida, os mesmos direitos e os mesmos deveres civis e políticos; todavia, a realidade enfrentada pelo idoso em nossa sociedade é bem diferente da que nos é apresentada pelos estatutos propostos e quando se morre as autoridades sanitárias termina retirando seu último sopro de identidade e transformando estas almas em dados estatísticos. Não há um cuidado em criar meios de se fazer valerem seus direitos, ou que garantam, não só amparo, mas a possibilidade de morrer com dignidade


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