sexta-feira, 24 de setembro de 2021

ARTIGO - O conservadorismo e o mito do velho reacionário (Padre Carlos)

 

É verdade que nascemos revolucionários e morremos conservadores?



 

Como professor de filosofia, venho percebendo que os Conceitos que definem nossas ações e os que defendemos muitas vezes se apresentam de um jeito confuso e sendo usado de forma indevida. É o caso do conservadorismo, como do liberalismo, do socialismo e da modernidade. Há um conservadorismo possível para o século XXI que nada tem a ver com associações erradas. Ser conservador não é ser reacionário, nem tradicionalista, nem ser apologista do mau populismo, nem fascista, da alt-right ou qualquer expressão extremista e radical da direita, ou aceitar qualquer movimento que proponha mundos alternativos, paranóicos e conspirativos e que seja antissistema por sistema.


Estamos perante uma profunda crise de legitimidade ela está ligada entre a sociedade em que vivemos e o funcionamento das nossas democracias liberais. Quando falo isto, me refiro ao alheamento e a abstenção das pessoas, a descrença nos políticos, a agitação sem efetiva vigilância do extremismo à direita como se deu no início do séc. passado.  Não há chão sólido de idéias e de práticas e esse vazio está cada vez mais presente na profunda desorientação das sociedades atuais.

Ser conservador para um velho professor significa guardar o que há de melhor no que fizemos e pensamos, para que as novas gerações possam adaptá-lo a cada tempo e corrigir o que há para corrigir. Há um tesouro que é a o acumulo de toda a experiência humana, que encontramos na nossa história e na nossa idéia de futuro, das nossas ações em comum, como resultado dos laços sociais e da relação de liberdade individual com a comunidade e o bem comum, da idéia da dignidade da pessoa e de sociedades decentes. 

Ser conservador significa que não vale tudo, que existem limites e portas que não se devem abrir. Ser conservador é saber que não somos deuses, que as promessas de trazer o céu para a terra ou do homem-deus que é o homem demente não são utopias, são estória que não tem lugar hoje em no movimento estudantil.  Não há uma bondade natural, nem uma maldade inevitável, mas nem tudo é relativo ou simples contexto. Não há também conquistas irreversíveis, como é caso da liberdade individual responsável, da democracia e da equidade que têm que ser defendidas e reafirmadas. Não há sociedades idéias, mas sociedades reais.


Ser conservador não é defender qualquer desigualdade econômica e social imutável ou baseado em algo que não o esforço, o mérito, trabalho, mas também a justiça social. A igualdade de condições é fundamental, por isto, o igualitarismo não é destrutivo para liberdade, quando defendemos a igualdade de direitos e oportunidades, para todos os seres humanos, tanto no âmbito político como no âmbito econômico e social. Isto só faz reforçar a importância do mérito e do esforço. Diferença não é desigualdade. A base das sociedades não é a economia, mas sim um conjunto de valores fundamentais. O mercado livre, a livre iniciativa e concorrência são alicerces de sociedades decentes, mas devem fundar-se na confiança, na justiça social e nos direitos trabalhista. Só assim, esta liberdade individual se torna indissociável da responsabilidade. Um conservador sabe que a mudança significa vitalidade, mas há também um patrimônio civilizacional que se deve cuidar e guardar. Esse patrimônio são os nossos tesouros: da filosofia grega ao cristianismo, à ciência moderna, à apologia da razão, ao iluminismo, à democracia, ao Estado de direito e à separação de poderes. Começar tudo do zero, considerar que tudo vale o mesmo, que não há limites, autoridade (diferente de autoritarismo), que tudo é subjetivo e que todo o poder é opressivo e maquiavélico, que podemos fazer o que quisermos faz parte do niilismo destrutivo que não tem nada de revolucionário e progressista.

Precisamos acabar com o mito do velho reacionário e buscar o que existe de melhor na nossa sociedade e valorizar toda a experiência acumulada que as gerações que nos antecederam deixaram como herança para humanidade.

 

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