Este
fenómeno é muito mais profundo do que a popularidade de Bolsonaro.
Ao longo desta semana venho dedicando com
alguns artigos, analisar sobre o que aconteceu no Brasil no dia 2 de outubro.
Como professor de filosofia e eleitor de Lula, vi na sua votação uma mensagem
de esperança. Estou certo que essa vitória se confirmará no segundo turno com
uma ampla mobilização social e enorme frente partidária. Ciro Gomes e Simone
Tebet já confirmaram o apoio ao petista e somaram assim ao campo democrático.
No entanto, esse não é o
fim desta saga. Infelizmente, e como a experiência norte-americana nos ensinou
vencer Bolsonaro nas urnas não significa derrotar o bolsonarismo. Isso ficou
claro na votação para o Congresso e para o Senado, assim como nas disputas
eleitorais estaduais. O avanço da extrema-direita é um fenómeno muito mais
profundo do que a popularidade do seu líder e operador político, na verdade
esta corrente de pensamento é um monstro com muitas cabeças.
A influência desta
ideologia reacionária de utradireita não é obra de um único partido, mas de uma
grande articulação a que já deram muitos nomes, partido digital bolsonaristas,
extra partido, partido paralelo: uma articulação de movimentos com uma agenda
conservadora e reacionária que opera diretamente na sociedade sem
intermediários partidários ou políticos: das milícias às igrejas evangélicas,
passando por movimentos como a Escola Sem Partido, think thanks neoliberais, e
outros que operam em largos setores da sociedade, das massas a mais fina elite
económica.
A maior representante desta
agenda foi a Ministra Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos. A mulher que divulgou o nome e informações de uma menina de
11 anos que foi violentada e abortou; a ministra que procurou explicar que a
alta incidência de estupros de meninas em determinadas regiões do Brasil se
devia ao decote da roupas destas crianças, a evangélica que levantou a voz
contra a “ideologia de género”, dizendo que a mulher deve ser submissa no
casamento.
Em um ano a frente deste
ministério, Damares já era a segunda ministra mais popular do Governo, só
perdia em popularidade para Sérgio Moro. No discurso de despedida do ministério
antes de se candidatar ao Senado, no dia 31 de março, Damares, com a voz
embargada, dirigiu-se à amiga Michelle Bolsonaro: “Minha primeira-dama, foi
você! Obrigada por ter acreditado, por ter confiado. Eu volto um dia, e como a
ministra polêmica, que colocou as pautas de uma forma polêmica, eu não poderia
sair daqui sem dizer que os filhos pertencem às famílias, sem dizer que menino
veste azul, menina veste rosa, e quem manda nos filhos é a família! Deus
abençoe o Brasil!”. Foi a primeira senadora eleita nas eleições de 2 de outubro
de 2022.
Numa análise muito lúcida
sobre o que está em pauta, Tarso Genro (ex-ministro da Educação, da Justiça e
das Relações Institucionais do Brasil) escreveu: “Esta nova sociabilidade nos
assalta e nos desequilibra: como é possível selecionar pessoas para matar,
exclusivamente por discordâncias políticas? Como é possível apresentar armas
letais a crianças, estimular violência gratuita contra mulheres, militarizar
escolas, ensinar a odiar seres humanos pela sua identidade sexual? Como é
possível imitar o desespero – por falta de ar – de pessoas que estão
enfrentando a morte a caminho de um Hospital? Como foi possível um povo
“pacífico” e “ordeiro”, como dizem os velhos conservadores, bem (ou mal)
intencionados, eleger uma pessoa como Presidente da sua República, que faz da
morte e da tortura seu cartão de apresentação na cena política? Sociólogos,
antropólogos e filósofos – humanistas e céticos de todo os quadrantes – já
deram respostas brilhantes a estas perguntas, mas eu – que pensei saber algo
mais do meu país e que as lições de Treblinka e Buchenwald, já eram suficientes
para me ensinar algo a respeito da barbárie – confesso que não sei mais nada.”.
Mas Tarso sabe que esse
combate tem de ser feito, e que começa agora, porque “a vitória está aí nos
olhando para nos perguntar o que faremos dela”.
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