domingo, 1 de setembro de 2019

ARTIGO - Um ilustre visitante (Padre Carlos)




Um ilustre visitante

            Não podemos ficar invocando os mortos, que uma hora eles aparecem e vem nos visitar. Assim aconteceu com Maquiavel, ele resolveu visitar Brasília. Como um bom mestre, veio constatar se seus conselhos estavam sendo colocados em práticas da forma como ele ensinou aos seus discípulos e não poderia demorar muito porque já tinha um voo marcado para Curitiba neste mesmo dia.
            Para recepciona-lo, estiveram presente três ministros do STF e ao passar pela Praça dos Três Poderes, surpreendeu-se com a quantidade de “Príncipes” vindo de diversas cortes: de caciques, coronéis, oligarcas, linhagem, diferentemente das cortes na velha Itália, que se moviam em torno de um único Príncipe.
            Com sua astúcia, percebeu logo que por aqui existem vários polos de poder, sem que isso signifique democratização. E identificou na capital do Brasil uma luta de poder multipolar bem mais complexa dos que as disputas entre o Reino de Nápoles, o Ducado de Milão, os Estados Pontifícios e a República de Veneza.
            Prosseguindo em sua observação, Maquiavel verificou que no Distrito Federal, mesmo passados cinco séculos da publicação de seu clássico livro (não à toa intitulado O Príncipe), o que alimenta a política é a conquista e a manutenção do poder, conforme já denunciava no livro.
            Independentemente de outros aspectos. E que, ainda conforme preconizou, muitos políticos se valem de todos os meios para se manter no comando.
            Assim, constatou que a sua lição de que os fins justificam os meios foi muito bem aprendida pelos nobres que frequentavam aquela praça.
            Ao tomar conhecimento da Vasa-Jato, o pensador, que nasceu em 1469 em Florença (onde também morreu, aos 58 anos), ficou atordoado: como vocês permitiram que Deltan Dallagnol e outros procuradores agissem ao arrepio da lei para obter dados sigilosos da Receita Federal de pessoas que queriam investigar.
            Ouvindo os relatos sobre a investigação, disse que os Príncipes daqui exageram no tocante a não serem limitados pela moralidade. Teria inclusive sugerido às minhas fontes que até para ser imoral deve existir um limite. E que o limite é o bom-senso, artigo em falta no país.
            Sabendo que a Lava-Jato estabeleceu um conluio com o juiz Sérgio Moro para, de forma questionável, levar o ex-presidente Lula à prisão, terem se beneficiado com dinheiro em palestras para empresas que eram investigadas na operação e terem incentivado ilegalmente a investigação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Maquiavel pensou em sugerir uma ampla anistia aos procuradores, desde que eles fossem banidos da vida pública e se retratassem publicamente. Ignorou comentários irônicos de que eles não conhecessem a Constituição e que por aqui, como a esperança é sempre a última que morre, é melhor ir empurrando tudo com a barriga.
            Já no aeroporto desistiu de ir a Curitiba para conhecer o presidente Lula, Maquiavel declinou do convite. Temia que em um surto de ativismo judicial pudesse indicia-lo nos inquéritos e ficasse assim, impedido de voltar ao Além. Vá lá que alguém o delatasse?! Preferiu não arriscar.
     
       Paradoxalmente, observou que os políticos brasileiros são lenientes com os adversários: o inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã. E vice-versa. Ele acha que é assim mesmo em política, só que não se pode exagerar. Um dos principais papeis no jogo político e democrático é exercido pela oposição. Ela é o que costumamos chamar de contraponto do poder. A alternativa de projeto de governo. É justamente neste ponto que sentir aqui que tá faltando algo. Olhando na perspectiva de que a democracia é o contraditório, realmente é ruim para a democracia ter uma oposição fraca e desorganizada no Congresso. Vocês não fizeram um projeto alternativo para as pautas neoliberal deste governo? São minorias e em decorrência disto, tem que ter capacidade para dialogar com o centro e lideranças capazes de deslocar parte destas forças em torno de um projeto político, será que vocês não aprenderam nada comigo?  Mas sem uma liderança capaz de fazer este trabalho e um projeto de esquerda alternativo, continuarão batendo cabeça no parlamento, e amargando as derrotas imposta pelo governo.
            Nesse sentido, viu que os políticos no Brasil de hoje não levam em conta a história. Que a maioria mal sabe o que é história – pensa que é o que está no jornal de ontem e nem desconfia que ela pode ensinar.
            Viu ainda que o Brasil e os brasileiros aproximam-se para o momento crucial, que pode revelar um país ameaçado de ser tomado pelas milícias. Seu poder intimidatório, somado aos das milícias virtuais alimentadas pelo Soberano, em nada fica a dever aos porões da ditadura. É um poder paralelo e assassino. Daí o desprezo pela história e o descuido com o futuro.
      
      O que fez o pensador concluir que O destino do país, mais do que nunca, dependerá das instituições. É hora do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria Geral da República, do Ministério Público Federal e das próprias Forças Armadas começarem a se preparar para uma luta inevitável em defesa do país.
            Vendo a confusão instalada, teve medo do que seus cicerones falavam a respeito do Brasil, pediu licença aos três amigos e marcou o mais rápido a passagem e voltou para o além.

Padre Carlos


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