quarta-feira, 1 de julho de 2020

ARTIGO Amigos podem ser irmãos (Padre Carlos)









Amigos podem ser irmãos




Existe amigos em todas fases da nossa vida, estão sempre lá, gravados nas nossas lembranças. É como família, nosso sangue, nossa história. Por isso, se você tem amigos, mime-os, cultive-os, ame-os.
Já faz algum tempo que venho sentindo saudade de alguns amigos, saudade de um tempo, estou ficando meio “retrô”, saudosista, que guarda como um tesouro memórias de uma história de vida, de uma geração e das lutas que vivi. Como aqueles doces momentos da infância, que se perdem na Pituba da década de sessenta e sua suave inocência; as inquietações e descobertas da adolescência no Areal; a conquista de uma certa liberdade na juventude com a Igreja e a luta contra a ditadura; a passagem insegura para o mundo adulto. No seminário e ministério sacerdotal.
Em todas essas fases, há sempre aqueles com quem compartilhamos angústias e alegrias, paixões e desilusões, as confidências indiscretas. São os amigos mais chegados de determinada época – alguns já distante dos olhos, mas tão perto do coração! Posso dizer que contei com ouvidos atentos e ombros disponíveis! Tão alentador saber que ainda hoje posso contar com alguém que ora por nós, torce pelo nosso sucesso, sofre com nossas dores, ri das nossas piadas sem graça, aguenta firme quando damos “piti” por bobagem, nos passa bronca quando merecemos e aponta nossos erros sem a menor intenção de nos julgar. Amigo é assim, chega junto, sente saudade e às vezes chama a nossa atenção como se tivesse brigando.
Nesta semana ao saber da morte de uma amiga em Salvador, vítima do covid-19, me fez lembrar como é importante resgatar a memória destes amigos. Espero quando esta pandemia passar, poder rever colegas e amigos que fiz na Pituba, no Nordeste, na militância política e na Igreja. São mais de 40 anos de lutas e histórias que separam aquela juventude.  Alguns estarão mais gordos, carecas ou grisalhos. Todos com marcas do tempo no rosto.
Poderia ser um grande encontro, onde iriamos nos redescobrir jovens, ainda cheios de sonhos, ainda que os “sessenta” já tenha chegado, avisando que estamos no time dos legalmente idosos, com direito a carteirinha e tudo. E nós, ah, não estamos nem aí pra isso. Gostaria mesmo era de curtir as baladas dançantes de nossa época – toca Abba, Bee Gees e Dona Sommer aí, DJ – alheios às dores na coluna.
“Tô nem aí” será nosso brado uníssono para o avanço dos anos. Tô nem aí para as diferentes opções políticas de meus amigos – elas não nos arranham ou separam. Tô nem aí pra quem nos achar ridículos dançando discoteca – esses não entendem nada de genuína alegria. Quero mais é estar perto dos amigos e amigas que fizeram ou ainda fazem parte da minha história, sentir que o tempo não nos ergueu muralhas, que nossas escolhas não enfraqueceram nossos laços, que nossos destinos ainda fazem linha cruzada. E que, sim, amigos podem ser irmãos, com todas as suas características: cumplicidade, chatice, doçura…
Quero mais é ser feliz, que todos sejam felizes, mesmo com eventuais dores na alma e inevitáveis preocupações. Vamos parar o tempo, vamos nos permitir comemorar em festa.
E, nesse dia, vou afagar o passado com um carinhoso abraço de “bem-vindo ao futuro”.
Ô tempo bom!

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