quarta-feira, 22 de julho de 2020

ARTIGO - O sonho de Francisco (Padre Carlos)

O sonho de Francisco

 

Neste final de semana ao assistir pela televisão um padre da nossa comunidade celebrando para uma Igreja de portas fechadas, fiquei comovido e me lembrei da homilia do Papa Francisco, do dia 27 de Março, na praça vazia de S. Pedro, cheia do mundo inteiro. Dou graças a Deus pela presença ativa desta voz que congrega as energias de todas as pessoas que tecem redes de esperança, neste tempo ferido de guerras, fomes, exclusões e agora pelo devastador covid-19. Estas palavras me lembraram um professor de teologia: Alberto Antoniazzi, que falava da necessidade de a Igreja se tornar redes de comunidades.

Como faz falta a Igreja os concelhos daquele teólogo. Nesta pandemia estamos precisando de muitas redes de cirineus que ajudem a levar a cruz das suas inumeráveis vítimas, agora e no futuro. A Igreja como rede de comunidade, rede de Cirineus e redes de esperança, podem levantar pistas de semeadura e lançar estes grãos como milagre do pão de uma nova forma de eclesiologia

A Igreja mundial são as redes de comunidades cristãs espalhadas pelo mundo e congregadas por essa mensagem, na fé, na esperança e praticando o amor, a justiça, a paz. Evidentemente, é necessário um mínimo de organização, mas a pergunta é: essa organização tem de ser piramidal, hierárquica, machista, gerontocrática, centralizadora?

Francisco sabe que este é um combate decisivo para o futuro da Igreja. Ele é cristão, franciscano, mas é também jesuíta, não é anarquista, e sabe que alguma organização se impõe. Daí o seu combate permanente, sem tréguas, contra o clericalismo, o carreirismo, a corte, que são "a peste da Igreja", e o esforço para que se perceba que o poder só vale enquanto serviço, e a sua abertura a uma Igreja verdadeiramente sinodal, isto é, uma Igreja na qual todos caminham juntos, uns com os outros e todos com Jesus, ao serviço da humanidade. O sonho de Francisco, é que se acabem com os bispos-príncipes, só assim, conseguiremos renovar a Cúria e o banco do Vaticano! Sem desânimo, apesar de saber que, como disse num dos discursos à Cúria, "é mais difícil reformar a Cúria do que limpar a esfinge do Egito com uma escova de dentes". Para que haja verdadeiramente um aggirornamento, a Igreja necessita, em primeiro lugar, de que todos os seus membros renovem o essencial: a fé. Neste sentido, significativamente, apareceu agora uma nova versão do "Catecismo da Igreja Católica", e a mensagem essencial é que o centro não está nas doutrinas, mas na pessoa de Jesus, e, por isso, o importante é que "cada pessoa descubra que vale a pena acreditar" e conheça o amor cristão. Isso impõe, certamente, estar atento também à utilização das novas tecnologias e ser uma presença evangelizadora no continente Americano.

Nossa linguagem tem que ser adaptada a esta nova realidade. Por exemplo, não podemos continuar falando do pecado original, como temos pregado, e é preciso perguntar o que significa hoje "ressurreição da carne", "desceu aos infernos", "gerado, não criado, consubstancial ao Pai". Não se pode ficar parados no tempo com rituais, com gestos e sinais que não significam mais nada para o imaginário dos fiéis, o que implica que urge a adaptação da liturgia e de toda a linguagem da fé às diferentes culturas, com o que chamamos de “inculturação do Evangelho."

Como tenho muitos irmãos do antigo presbitério de Conquista,  hoje bispos, vou começar o exemplo por eles. Nesta nova eclesiologia, a simplicidade tem de ser lei: pense-se, por exemplo, naquele ritual da tira e põe do solidéu, o mesmo acontecendo com a mitra. Sobre esta, falou Santo António, num sermão do Advento, "Cairão os unicórnios, os imperadores e reis deste mundo e os touros, os bispos mitrados, que têm na cabeça dois cornos como se fossem touros."

 

 

A Igreja tem de continuar fomentando o ecumenismo - felizmente, o Vaticano põe a questão de revogar a excomunhão a Lutero - e o diálogo inter-religioso.

Com que fundamentos justificamos a imposição do celibato obrigatório ou a discriminação das mulheres?  Sobre a Igreja sinodal, que é o tema do próximo Sínodo em outubro de 2022, o sociólogo Javier Elzo lembra muita a proposta de Antoniazzi quando expõe seu projeto: "Uma Igreja em rede, à maneira de um gigantesco arquipélago que cubra a face da Terra, com diferentes nós em diferentes partes do mundo, inter-relacionados e todos religados a um nó central, que não é centralizador, que, na atualidade, está no Vaticano. Aí ou noutras partes do planeta, todos os anos reunir-se-ia uma representação universal de bispos, padres, religiosas e religiosos, leigos (homens e mulheres), sob a presidência do Papa, para debater a situação da Igreja no mundo e adaptar as decisões pertinentes", também no que se refere aos problemas da humanidade.


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