sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

ARTIGO - A voz do ódio ouve-se bem. (Padre Carlos)

 


A voz do ódio ouve-se bem.



Com a perda de mobilização e organização política dos movimentos sociais, presenciamos de forma inerte o avanço não só da destruição da estrutura do estado brasileiro, mas uma coordenada tentativa de anular com as conquista que o povo brasileiro acumulou ao longo do século XX sobre os direitos humanos.


Entre silêncios e omissões, tomamos conhecimento através da imprensa sobre a forma como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) exaltou os cinco presidentes militares que o Brasil teve de 1964 a 1985 e classificou a ditadura militar, período marcado por violações à democracia e aos direitos humanos, como um regime um pouco diferente do que temos hoje. Não podemos ouvir as vozes das pessoas que foram mortas e torturadas pelo regime que o presidente chama de “pouco diferente”. Confesso os senhores que naquela hora me veio à mente as palavras de Martin Luther King e pensei: não são as palavras de Bolsonaro que tenho medo, mas o silêncio da imprensa brasileira e das elites que demostraram desprezo ao pobre e todos aqueles que de uma forma ou outra possa ameaçar seus privilégios.

Estas pessoas, vem se aproveitando do silêncios de quem deveria defender o estado de direito, estas figuras que mais parecem que saíram do armário da história, ainda com cheiro de naftalina, aproveita para mobilizar o ódio. A voz do ódio ouve-se bem. E há quem não perceba a ameaça que isso significa, porque não conhece bem o que é viver com o medo.

Sempre estará lá, o medo daquelas botas, sabendo que ninguém entenderá as marcas –  a dor, se não o dissermos. Sempre lá, as razões para ter medo. Sempre posta em causa, à primeira liberdade de expressão – a da expressão política.

Todas as pessoas sabem o que é ter medo, mas não o que é viver com medo. Um medo permanente, tatuado na alma de muitos companheiros, o medo de Frei Tito.


Sempre, na vida, procurei – em conjunto com quem militava a partilha deste medo que persiste – ajudei a construir segurança. Leis que não nos agridam, práticas que não desviem os olhares. Construímos segurança que até pouco tempo coexista com o medo que sempre esteve lá. E construir calor e denunciei nos meus mais de quarenta anos de militância o medo que é frio.

A natureza ensina o homem a ser democrático, digo isto, porque foi justamente em plena pandemia, que todas as pessoas passaram a convivem com o medo. Por entre tantas perdas de tantas pessoas e por entre tanto sofrimento, ainda que diferenciado por todas as desigualdades, é a primeira vez que sinto que as elites e o povo, de forma real, democratizaram a convivência com o medo.  Mas é só um. Para pessoas que conheço e respeito suas escolhas, outros medos persistem para elas – e se agravam.

Desde logo, continua o medo de dizer.

É por isso ainda mais importante a visibilidade a outros níveis, como nos espaços de opinião que estão longe de refletir a diversidade de experiências que precisamos conhecer. Seja no que diz respeito às vozes de mulheres, de pessoas LGBT ou de minorias étnico-raciais. Até porque são pessoas que tem muito mais a dizer, por existir entre elas toda uma herança de silêncios.

Mas há também um medo que tem chamado minha atenção e tem se agrava. É que existem um silêncio e uma omissão as agressões ao estado de direito. Presenciamos nas mais altas cortes, o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o inimigo. No fundo, trata-se, de um uso indevido do Direito – pois, supostamente, este tem como função restabelecer a paz e não operar como instrumento de agressão – que, assim, é utilizado para realizar objetivos exatamente contrários à sua essência. 


É sob o silêncio cúmplice dos decentes que alguns dos maiores crimes acabam sendo perpetrados.  Aproveitando esta conjuntura, esses silêncios  tem dado cada vez mais  vozes estas forças para mobilizar o discurso de ódio. A voz do ódio ouve-se bem. E há quem não perceba a ameaça que isso significa, porque não conhece bem o que é viver com o medo. Podemos dizer que – na política e na direita, estas forças do mal, têm nome e endereço e mesmo diante destes crimes – encontramos quem relativize, justifique, pondere, calcule. Há quem confie num sistema que, afinal, nunca deu segurança a muitas pessoas. E há quem não se lembre de ouvir e fazer ouvir as vozes de quem sempre soube e tem marcado na carne, que há razões para o medo.

Gostaria de ouvir e ler mais pessoas que não têm mais medo de denunciar o discurso do ódio.  Sim, chegou a hora de dar voz a quem sabe tratar o medo por tu. E ter certeza que não estaremos sozinhos nesta luta e assim podermos dizer nós.

 


Nenhum comentário:

ARTIGO - A geração que fez a diferença! (Padre Carlos)

A geração que fez a diferença!      Decorridos tantos anos do fim da ditadura, observa-se que a geração da utopia está partindo e a nova...