A polarização e o novo
governo.
Não basta ganhar é preciso saber governar e
para isto, o presidente eleito terá pela frente a tarefa de pacificar e repactuar
os setores da sociedade com um projeto de nação. Esta se não for a maior, com
certeza é a mais urgente! Lula tem que encarar este problema de frente como uma
das principais e imediatas tarefas e para isto, será necessário desarmar os
espíritos radicalizados desta eleição e superar a polarização que se formou no
nosso país. Só assim, Lula conseguirá ter condições para governar e construir
um caminho que leve a prosperidade nos próximos quatro anos.
O que definiu a vitória de Lula sobre Bolsonaro foram 2 139 625 votos.
Isto representa 1,8% esta é a real diferença entre o vencedor do segundo turno
desta eleição presidencial. Trata-se da margem mais curta entre dois candidatos
presidenciais da história do Brasil desde a redemocratização em 1985. A eleição
foi extremamente disputada voto a voto. Com isto, Lula se tornou o candidato
mais bem votado da história do Brasil, superando, pela primeira vez, os 60
milhões de votos. Bolsonaro, apesar da derrota, conseguiu uma votação mais
expressiva do que há quatro anos.
Lula venceu, mas isto só não basta! A sua tarefa nos próximos dias será
árdua. Para ser bem-sucedido, o presidente eleito do Partido dos Trabalhadores
(PT) terá de superar esta polarização e repactua o país. Só assim conseguirá
ter condições para governar e construir um projeto de desenvolvimento para o
país nos próximos quatro anos.
Levantamos estas questões porque Lula está recebendo um país
extremamente dividido, cujas cisões já vêm desde 2013 e que resultaram numa
sucessão dramática de eventos políticos: golpe parlamentar que resultou na destituição
de Dilma Rousseff (2016), prisão de Lula (2018) e vitória de Jair Bolsonaro
para presidente do Brasil (2018). Quero aqui chamar a atenção para o fato que Bolsonaro
acirrou esta polarização para fazer dela uma estratégia política e mobilizar e
conseguir com isto o apoio da sua base. Tendo concorrido e vencido as eleições
de 2018 enquanto candidato “anti-sistema”, procurou comportar-se retoricamente
também como um presidente “anti-sistema”. Desta forma, criou diversas tensões
com a imprensa à comunidade acadêmica, universidades, governadores, o STF e
outros órgãos de poder. A sua retórica incidiu também sobre o sistema democrático,
tendo ameaçado várias vezes de não aceitar os resultados em caso de derrota.
Até à hora que escrevia este artigo, Bolsonaro não tinha dado nenhuma
coletiva sobre os resultados eleitorais, deixando no ar a possibilidade de não
reconhecimento da derrota. Este rito da democracia é um momento fundamental no
processo de transição pacífica de poder. A falta deste gesto só contribui para
acirrar ainda mais a polarização já existente. A sua base mais radical começa ver
neste comportamento do atual presidente como um sinal para perturbar a
normalidade democrática do Brasil. As manifestações de caminheiros em vários estados é uma
amostra das atividades que podem acontecer caso a radicalização da frente bolsonaristas
se mantenha viva.
Sabemos que Bolsonaro não vai fazer nada para contribuir com o processo
de pacificação política no Brasil, esse esforço terá de vir principalmente do
presidente Lula. Entre os vários pontos importantes dessa estratégia de
conciliação nacional, há dois pontos relevantes. Em primeiro lugar, a formação
de governo. Lula já indicou que o futuro governo não será só do PT, tendo
repetido essa fala no discurso de vitória. É possível que representantes do
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), do Partido Democrático Trabalhista
(PDT) e do União Brasil (UB) possam participar de um futuro governo. Os nomes
mais falados são os de Simone Tebet (MDB) para o Ministério da Educação e de Henrique Meirelles (UB) para a Economia.
Estas opções seriam importantes para garantir uma visão plural do governo,
mas também para construir uma aliança com os respetivos partidos no Congresso. Como
articulador Lula sabe que tem de fazer tudo isto, preservando a liderança do PT
de forma a manter a confiança da sua base que esteve consigo desde o início e
nos momentos mais difíceis.
O grande problema que teremos que enfrentar é como vamos discutir o
destino de Bolsonaro e ao mesmo tempo pacificar o país. O candidato derrotado e
atual presidente enfrenta várias ações judiciais e desta forma, como poderemos abrir a
caixa de pandora com o levantamento do sigilo de 100 anos aplicado a vários
atos durante a sua presidência? Sem imunidade, Bolsonaro poderá ser formalmente
processado e julgado. A forma como o governo e o sistema político vão tratar
esta questão terá inevitavelmente um impacto na polarização. A questão será
como gerir esse impacto. Há várias possibilidades: amnistia, comissão de
justiça e verdade, ou investigações judiciais. Todas estas opções estão ainda
em aberto. Porém, para tratar esta questão,
antes de tudo teremos que admitir que exista um racha profundo na sociedade e
neste momento os problemas brasileiros são mais importantes que as loucuras de
alguns políticos.